Letícia Moreira/Folhapress
Da piadinha supostamente inofensiva à
depreciação pública do parceiro,
da gritaria ao silêncio que machuca,
casais se enrolam no cotidiano traumático
das agressões emocionais difíceis
de perceber, denunciar
e superar
Flagrante, não há. Marcas roxas tampouco estão lá para provar a agressão.
"Psicológica" é o adjetivo usado para tentar definir uma forma de violência silenciosa -por mais que o silêncio seja feito de palavras, acusações, cobranças. Ou gestos, olhares, sarcasmo, piadas.
"É difícil explicar aos outros onde está a sua dor", diz o psiquiatra e psicanalista Jorge Forbes.
É difícil perceber quando, no relacionamento, o jogo do amor vira o da dominação. O pano de fundo é a vontade de anular o outro, torná-lo refém dos próprios desejos.
"Quando um tem um limiar para tolerar frustração muito baixo e o outro, muito alto, a violência se perpetua", diz a psicóloga Margareth dos Reis, do Ambulatório de Medicina Sexual da Faculdade de Medicina do ABC.
A comerciante Mônica, 49, trabalha atendendo clientes do marido, mas sem salário.
Ele já escondeu a chave do carro da mulher, para ela não sair sem avisar. Um dia, quando Mônica fazia ginástica, xingou-a na frente de todos.
Mas ela não sabe o que vai fazer. "Temos 30 anos de casados, penso que tenho uma família. Por minhas filhas, já devia ter me separado."
Para complicar, o jogo é de mão dupla: quem sofre a violência se nutre dela e a transforma no cimento da relação.
Parece um jeito de culpar a vítima e desculpar o agressor. Mas não é novidade, para quem estuda a coisa.
"É a dinâmica sadomasoquista, um pacto inconsciente: um provoca, outro agride, o que deve dar algum prazer", diz a psicanalista Belinda Mandelbaum, do Laboratório de Estudos da Família do Instituto de Psicologia da USP.
Além de manifestar um aspecto da sexualidade, a violência psicológica é uma forma de comunicação. "Associamos essa forma de agressão a todas as ações que causam dano ao outro pela linguagem", diz a psicóloga Adelma Pimentel, autora de "Violência Psicológica nas Relações Conjugais" (Summus, 152 págs, R$ 36,90).
A perversidade do jogo é que, no relacionamento íntimo, um sabe os pontos fracos do outro, aqueles que ninguém quer tornar público.
O marido de Mônica repete que ela é uma mãe relapsa. "Para me agredir. Mas é difícil perceber a violência psicológica. Você aceita, alguém manda em você."
"Você constrange a pessoa usando os demônios dela. E ela faz o que você quer, por gostar de você", diz Forbes.
Foi assim no primeiro casamento da inspetora de alunos Lúcia, 48. "Eu tinha 19 anos e me casei com o homem pelo qual estava apaixonada. Ele me desvalorizava porque eu era pobre, negra, e eu achava que ele tinha razão."
Destruir a autoestima do outro é a estratégia e a consequência da agressão oculta.
Lúcia achava que o ex-marido era lindo. "Ele dizia que eu tinha que agradecer por transar com ele. E eu nem sabia o que era orgasmo!"
O morde e assopra sustentava o jogo do ex. "Se eu chorava, ele me abraçava e dizia: 'Gosto de você como você é'."
"Os efeitos na pessoa agredida vão dos distúrbios alimentares à depressão, chegando à tentativa de suicídio", diz a psicóloga Marina Vasconcellos, da Federação Brasileira de Psicodrama.
A vítima dessa forma de violência quase nunca quer mostrar a cara, porque denunciar a agressão é também expor as próprias fraquezas, Afinal, ela se submeteu, aceitou um arranjo ruim com medo de romper e ficar sem aquele amor.
-----------------------------------Reportagem por IARA BIDERMAN DE SÃO PAULO FILIPE OLIVEIRA COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Fonte: Folha on line, 14/02/2012
Adorei a matéria, já vivi e sobrevivi a tudo isso, relatado,juntei forças primeiro por mim e depois pelos meus filhos para sair do relacionamento. Tive vontade de morrer várias vezes, faz nove anos que me separei, podem acreditar ele ainda não desistiu, agora com mais ódio, pq eu o deixei, sou independente, só que agora ele magoa os meus filhos, parece que nunca vai ter fim...não vejo a hora deles crescerem p/ tudo isso acabar. Minha filha está no cursinho p entrar na faculdade, mas já disse que vai trabalhar assim que entrar, e eu acredito é uma menina esforçada, nas férias do colégio gostava de trabalhar de extra em lojas no final do ano e adivinhem? Ele ia contra isso, e ao mesmo tempo reclama do que gasta com ela, meu filho começou o ensino médio agora, é tudo muito triste, ele magou profundamente da última vez, e agora ele não quer mais falar com o pai, e eu sei boa parte do que faz é p/ me atingir, como pode pai e filho não se falar, já intervi das outras vezes como pacificadora, mas cansei, agora seja o que Deus quiser, estou cansada de tudo isso. Abri mão da minha pensão que tinha direito, pois as crianças eram pequenas, eu larguei meu emprego e fui trabalhar com ele, fomos montando lojas, e mais lojas, saí sem nada. Não separação assinei vários minutas abrindo mão de divisão de bens, e fiquei somente com a pensão dos meus filhos, todo mundo pergunta pq eu fiz isso, meus pais, a família dele e meus amigos, mas na verdade tenho medo dele, acho que o único carinho que ele tem é pelo dinheiro. Hoje se eu entrar com pedido p/ rever a pensão com o que ele tem hoje, sei que meus filhos teriam muito mais, e eles também sabem disso, mas acredito que não vale á pena, o mais importante é que estamos unidos, meu filho está fazendo terapia o que está ajudando bastante, eu estou na verdade trabalhando muito, não consigo pensar em ficar desempregada, este é o meu grande medo. Minha filha com quase dezoito anos, parece uma mulher acaba resolvendo muitas coisas, tipo quando tem que ir no escritório dele para pegar autorização para alguma viajem p eles. Ela me ajuda a administrar o dinheiro da pensão, economias e tudo mais, até passou em economia agora, mas o quer fazer direito de qualquer jeito. Eu apoio
ResponderExcluirVivi e sobrevivi a este tipo de relacionamento, tirei forças do sobrenatural, para sair disso, é impressionante como atingem nossa auto-estima. Muitas vezes tinha vontade de morrer, e ao mesmo tempo ficava apavorada se isso acontecesse, pq pensava nos meus filhos, o que seria deles? Ele faz a mesma coisa com os filhos, acabo não sabendo mais se é p/ atingir-me ou ele é assim mesmo.
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