quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Compressão e complexidade


 Rafael Cardoso*


"O cenário atual, pode-se dizer que as perspectivas são boas porque os desafios são enormes. Há trabalho, e muito, para quem tiver disposição e imaginação para se lançar a novas empreitadas. Primeiro passo: abdicar da premissa de que os problemas são simples. Se você tem uma resposta pronta, é provável que não tenha entendido direito a pergunta. Aprofunda a análise do problema, antes de propor soluções, é uma velha e boa máxima das metodologias de projeto que ainda retém toda a sua validade. Segundo passo: abdicar da premissa de que os problemas são insolúveis. Uma das grandes vantagens de reconhecer a complexidade do mundo é compreender que todas as partes são interligadas. Sendo assim, as ações de cada um juntam-se às ações de outros para formar movimentos que estão além da capacidade individual de qualquer uma de suas partes componentes. Não é responsabilidade dos designers salvar o mundo, como clamavam as vozes proféticas dos anos 1960 e 1970, até porque a crescente complexidade dos problemas demanda soluções coletivas. De todo modo, ninguém sabe exatamente o que quer dizer “salvar o mundo” hoje em dia. Caso você tenha a resposta pronta, volte para o primeiro passo.
Reconhecer a complexidade do sistema já é um grande avanço. Se todos adquirirem alguma consciência do tamanho e do intricado das relações que regem o mundo hoje, será possível caminhar coletivamente em direção da um objetivo, seja qual for. O grande inimigo é sempre a ignorância, e as ideias preconcebidas que derivam da falta de exercício do pensamento. Enquanto uns separam vidros e latinhas para reciclar, outros despejam toneladas de esgoto ao mar – isto, numa mesma cidade, quando não no mesmo bairro ou condomínio. Enquanto uns se recusam a comer carne, por estima à vida em todas as suas formar, outros despejam toneladas de explosivos sobre populações inteiras – isto, muitas vezes, com origem num mesmo país ou cultura. Enquanto uns negociam aumentos salariais ou redução de jornada de trabalho, outros empregam multidões de trabalhadores em regime de quase escravidão, do outro lado do planeta, para suprir o apetite insaciável por mercadorias baratas. São comparações injustas? Conexões despropositadas? Em termos históricos, o grande trabalho do desing tem sido ajustar conexões entre coisas que antes eram desconexas. Hoje, chamamos isso de projetar interfaces. Trata-se, contudo, de um processo bem maior e mais abrangente do que imagina o projetista sentado à sua estação de trabalho. A parte de cada um é entender a parte no todo."
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 * Rafael Cardoso é escritor e historiador da arte, PhD pelo Coutauld Institute of Art (Universidade de Londres). Atua como professor e pesquisador na Universidade do Estado do Rio de Janeiro e é autor de Uma introdução à história do desingn. Na Cosac Naify organizou O mundo condificado de Vilém Flusser (2007) e o Design brasileiro antes do design (2005).

Fonte: CARDOSO, Rafael. Desing para um mundo complexo. São Paulo: Cosac Naify, 2012, pp. 42/44.
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