terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Homens e mulheres (13)

CLÁUDIO MORENO*
Uma mulher fascinante – Para muitos, Ninon Lenclos, mulher independente e talentosa, foi a mais extraordinária figura feminina da França no séc. 17. A beleza de Ninon, seu bom gosto e sua cultura conquistavam quem quer que a conhecesse – e os homens mais brilhantes de seu tempo, bem como alguns dos mais poderosos senhores do Reino (entre eles o próprio Cardeal Richelieu) terminaram figurando na extensa lista de seus amantes. Era voluntariosa e decidida; dizem que poucas vezes foi deixada, mas a muitos ela deixou, sem nunca – o que por si só é admirável – perder a amizade de seus ex-namorados.
Tocava muito bem o cravo e o alaúde, e sua casa tornou-se um importante salão literário da corte de Luís 13. Ali poetas, literatos, filósofos e cientistas se encontravam para jantar e conversar. Ela, que nunca foi rica, não tinha dificuldade em manter seus célebres “das três às nove” – nome pelo qual eram conhecidos esses encontros diários, pois ela, desprezando as convenções da época, admitia sua limitação financeira e permitia que cada convidado trouxesse o prato a consumir.
A uns ela amava, a outros nem tanto. O Marquês de Villarceaux foi um dos que ela realmente amou enquanto durou a relação, e dele Tallemant des Réaux, nas suas Historietas, conta uma passagem inesquecível: certa feita, tarde da noite, o Marquês, no auge da paixão, viu de sua janela – porque ele tinha se alojado de propósito numa casa defronte à de Ninon – que a vela do quarto dela continuava acesa. Tomado de suspeitas, mandou um criado perguntar se tinha ocorrido alguma coisa com ela e se o médico estava lá, atendendo-a; como ela mandou dizer que não, o infeliz enamorado concluiu que ela só poderia estar escrevendo uma carta para um rival. Enlouquecido de ciúme, resolveu atravessar a rua para falar com ela, mas no seu ímpeto cego, em vez de pôr o chapéu, entalou uma tigela de prata na cabeça com tanta força que muito lhe custou arrancá-la. À humilhação e à dor veio juntar-se o desespero, pois Ninon não quis abrir a porta, e o pobre infeliz, destruído, caiu gravemente enfermo.
Ao saber de tudo isso, ela ficou tão comovida que cortou bem rente todo o cabelo, que era belíssimo, para mostrar assim que nunca tivera a menor intenção de sair ou de se encontrar com quem lá que fosse. Este sacrifício afastou a doença do Marquês e fez a febre baixar; informada da melhora, Ninon foi até ele, deitou na cama em que ele estava deitado e ali ficou ao lado dele, por oito dias a fio – numa prova incontestável de que o amor tem razões que escapam à nossa vã filosofia.
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* Professor, escritor, colunista da ZH e ensaísta brasileiro. Formado em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 1969, Moreno obteve o título de mestre em 1977 e concluiu em 1997 seu doutorado em Letras.
Fonte: ZH on line, 07/02/2012
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