Manfredo Araújo de Oliveira*
O ano que passou trouxe uma grande surpresa para todos os que estavam convencidos de que nossas democracias modernas representavam a expressão suprema da forma de organizar a vida coletiva. Em vários países, Tunísia, Egito, Grécia, Espanha, Itália, Portugal, Inglaterra, as multidões tomam ruas e praças numa luta coletiva em favor do que se poderia chamar "radicalização da democracia”. O novo nesse processo é que as lutas democratizantes, em parte radicalmente anticapitalistas, não foram incentivadas por partidos ou sindicatos, mas por multidões compostas de diferentes segmentos da população articulados a partir das redes sociais. Tudo indica que as pessoas queriam exprimir seu basta às diferentes formas de precarização da vida hoje em curso que são fruto da mercantilização universal.
O exemplo das manifestações na Espanha é, de certa forma, paradigmático. A convocação foi feita por uma rede denominada "Democracia real” e o lema era: ”Não somos mercadoria nas mãos de políticos e banqueiros. Democracia real já” e num dos cartazes estava escrito: "Menos Materialismo e mais Humanismo”. Nos discursos se revelou uma enorme insatisfação frente à falta de opções fruto da ditadura dos mercados e das instituições financeiras. Em Barcelona as pessoas protestaram com o gesto de pôr a mão sobre a boca para exprimir como se sentem na forma vigente de democracia. Marina Garcés do coletivo espanhol "Espai en Blanc” afirmou que se tratava acima de tudo de um grito de dignidade frente às narrações catastróficas da crise que levaram as pessoas ao medo e à impotência. Agora emergia uma nova consciência de dignidade.
Afirmou-se nos grupos: não sabemos se mudaremos o país, nem se conseguiremos mudar as coisas, mas já mudou o fundamental, a relação com nós mesmos e com a nossa capacidade de tomar a vida em nossas mãos. O Prof. R. S. Cedillo sintetizou em três pontos básicos a enorme lista de reivindicações que apareceram: 1)Radicalização democrática do sistema político representativo; 2)Propostas contra a privatização dos serviços públicos, do sistema de pensões e contra os cortes nos serviços sociais; 3)Propostas de controle democrático do sistema financeiro e exigência de devolução do dinheiro pago aos bancos para que não falissem. A ideia é que esse dinheiro seja investido para o bem da população.
Sem dúvida pode-se apontar para muitas ambiguidades nesse movimento, até mesmo para a falta de uma proposta suficientemente articulada, mas não se pode deixar de reconhecer que um sinal forte foi dado em relação à nossa forma de fazer política. É o que diz o sociólogo francês Marc Lazar: "Se as elites políticas e os partidos clássicos permanecerem surdos a esse grito, se se contentarem com reforminhas de fachada ao invés de fornecerem respostas institucionais capazes de redesenhar a ágora moderna e permitirem que se satisfaça essa profunda aspiração à participação, correrão o risco de decepcionar e de agravar ainda mais a crise da representação política”. É o que dizia a multidão em Barcelona: "Se não nos deixam sonhar, não os deixaremos dormir”.
-------------------------------* Doutor em Filosofia e professor da UFC. Presidente da Adital
Fonte: Adital 07/02/2012
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