Luiz Felipe Pondé*
Sou imune à dependência e à
necessidade psicológica que
caracterizam a maioria
daqueles que são crentes
Há algumas semanas, eu escrevia sobre "exus" e sua "ciência das mulheres". Muitos leitores estranharam a conversa entre o niilista e uma entidade sobrenatural. Lamento dizer que também já conversei com (supostos) "extraterrestres".
Sempre nutri um interesse específico por almas penadas. Não por acaso, tornei-me, entre outras coisas, um estudioso de religião.
Para alguém como eu, dado a uma sensibilidade monotonamente cética, espanta como há 300 mil anos (desde o Paleolítico), mais ou menos, a humanidade crê em e vive cercada de seres sobrenaturais atormentados que nos atormentam.
As almas que padecem como se fossem vivas me encantam. Uma amiga minha costuma dizer que o mundo do além é pior do que este em que vivemos. Esta forma de crença em espíritos me apetece.
A forma segundo a qual, como apresenta o horroroso filme "Nosso Lar", espíritos desfilam seus modelitos batas hippies à la Roma antiga e suspiram ares de amor por toda a humanidade me entendia profundamente.
Portanto foi a agonia do sobrenatural, o possível desespero sem fim da alma humana nas suas variadas formas, desde o pecado original judaico-cristão até o abismo sem fundo de espíritos condenados às paixões humanas mais baixas e eternas (enfim, o mal na sua forma encarnada) o que me levou ao estudo das religiões, e não qualquer forma de fé em divindades ou ódio ideológico (comum em especialistas em religiões) contra as religiões.
Sou imune à dependência ou necessidade psicológica que caracterizam a maioria dos crentes. Tampouco partilho da falsa virtude intelectual que alimenta o orgulho infantil de muitos ateus.
Parece ter sido algo semelhante que levou o romeno Mircea Eliade (1907-1986) a se tornar um dos maiores historiadores da religião.
"Ao contrário do que se espera,
Christina sofrerá como qualquer
mulher apaixonada devorada
pelo desejo erótico negado."
Eliade começou sua carreira escrevendo, junto com seu doutorado, sobre mística hindu, ficções de terror, e o título desta coluna tem a ver com uma boa notícia para quem aprecia a obra desse grande intelectual romeno.
A editora Tordesilhas acaba de publicar entre nós, numa edição muito bem-acabada, o romance gótico "Senhorita Christina", de 1936, de Mircea Eliade ("Domnisoara Christina", em romeno).
A edição traz um excelente posfácio analítico assinado por Sorin Alexandrescu (especialista em literatura romena e sobrinho de Mircea Eliade). Para Alexandrescu, Eliade descreve um mundo entre a carne, a morte e o diabo. E seu romance nos leva para esse mundo.
Senhorita Christina, a personagem principal do romance que carrega seu nome, é uma "strigoi".
"Strigoi", em romeno, significa um ser sobrenatural maldito, meio humano, meio monstro, um morto-vivo. O famoso vampiro é uma forma de "strigoi".
A cultura ancestral romena é saturada de narrativas de "strigoi".
O pessimismo na Romênia brota do solo dos Cárpatos e da Transilvânia. Vem junto com o leite materno. Basta lermos outros romenos ilustres da mesma geração de Eliade, como o filósofo Cioran e o dramaturgo Ionesco.
"Strigoi" são sedentos de sangue humano, assim como da vida dos mortais, que são consumidos por esses infelizes atormentados para quem o fardo maior é saber que a morte pode não ser um descanso.
Christina, uma mulher linda, sensual e rica, morta aos 20 anos por um amante, depois de uma vida devassa, atormenta a propriedade onde vivia e que, agora (quase 30 anos após sua morte), é habitada por sua irmã e duas filhas.
Igor, um pintor famoso, apaixonado por uma das sobrinhas da vampira Christina, se hospedará na propriedade. A infeliz vampira se apaixonará por ele e tentará desesperadamente seduzi-lo.
A obra foi considerada por muitos um livro pornográfico, devido às cenas eróticas entre a morta Christina e o pintor Igor.
Ao contrário do que se espera, Christina sofrerá como qualquer mulher apaixonada devorada pelo desejo erótico negado. Suas habilidades monstruosas emudecem diante do amor impossível pelo mortal Igor.
O livro é uma história de amor e desejo como maldição eterna, por isso é uma obra romântica que fala da alma sempre presa entre o corpo e o mal. Sem a esperança da morte, Christina sofrerá.
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* Filósofo. Escritor. Cronista. Prof. Universitário.
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