Carlos Ostermann*
Não se via muito mais do que cadeiras, ao menos de forma nítida contra o horizonte igual de nuvens e um pouco de vento. Os guarda-sóis se moviam um pouco e eram uma película de cores sobre a areia. Estava de pé em meio a tudo isso, sem projeto ou qualquer espécie de futuro simples pela frente. Também não lembro por que acabei assim, imobilizado entre tantas coisas e sem pertencer a nenhuma delas.
A moça era grande, magra e de óculos escuros, os maiores óculos escuros da temporada. Era mulata, de pele lisa e mais do que isso não se poderia saber. Sem olhos não somos. Mas aprendo que há muitos movimentos de gloriosa significação pessoal longe dos olhos, como a pressenti-los. Ela moveu o corpo para o lado, espichou os dois braços acima da cabeça e os trouxe de volta mansamente para a mesma posição junto ao ventre.
"Sem olhos não
somos."
Me atrevi a dar dois passos na direção dela, na medida em que ninguém reparava na silenciosa e modesta cerimônia que se protagonizava, quase sem nada. Não aconteceu nada, ela, de fato, não olhava ou não enxergava nada que não fosse a sua imaginação quieta naquela cadeira.
E, então, por uma dessas razões escondidas que só às vezes aparecem, recitei o poeta Thiago de Mello, que me dizia que fora de seus versos, ele não existia. Nem eu, pensei, e disse em voz alta essa exigência mais da minha vida.
A moça inclinou-se, ficou sentada, mas sempre de óculos – agora, estava me vendo de trás de seu disfarce – e perguntou relaxando os dois braços, quase num muxoxo:
- Ahn?
Disse que era poeta, ela se tranquilizou e deitou outra vez, e eu, sem mais perguntas, fui embora com a certeza de que a vida não é assim.
----------------------------------* Jornalista. Escritor.
Fonte: Do sítio Encontro com o Professor, 01/02/2012
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