MARTHA MEDEIROS*
Ela tem algo em torno de 70 anos, mas parece menos, como é comum hoje em dia. Dinâmica, é daquelas mulheres de personalidade que sabem conduzir uma boa conversa. No entanto, passei a reparar que suas opiniões, outrora expressadas de forma elegante, entraram no estágio “faca na bota”. Ela mesma deu a pista sobre o que estava acontecendo, depois de ter feito um comentário certeiro, porém bastante duro a respeito de uma amiga: “Agora eu falo mesmo, tenho idade pra isso”.
Esse episódio me voltou à lembrança quando li recentemente a notícia de que o ator Gerard Depardieu não acatou o pedido de uma comissária de bordo para que ele aguardasse a decolagem antes de ir ao banheiro: ele simplesmente urinou no corredor da aeronave, diante de outros passageiros. Se estava tão apertado, deveria ter entrado no banheiro mesmo assim, ninguém iria segurá-lo à força, mas partir para a provocação me pareceu arrogante, a mesma arrogância que tenho percebido em pessoas que, diante da maturidade mais que estabelecida, julgam-se acima do bem e do mal.
Conheço pessoas de 85 e até de 90 anos que, se não esbanjam saúde, seguem firmes e fortes sobre as próprias pernas e com a cabeça igualmente funcionando bem. Aquela caricatura dos avós de cabelo branco, com as costas arqueadas, arrastando os pés e extremamente rabugentos é apenas isso, uma caricatura. Vovós, hoje, estão tendo que apresentar a carteira de identidade no caixa do banco para provar que têm direito a fila especial.
"Depois de ter passado a vida
obedecendo regras e sendo cordato,
o sujeito sente-se autorizado a fazer
a macaquice que quiser – como faria o adolescente
que ele já foi."
Ainda assim, a idade manda recado. Os joelhos já não reagem como se espera, a memória fica difusa, as chances de ser olhado com algum desejo pelo sexo oposto caem drasticamente e o futuro, bem, o futuro não é mais representado por uma infinita highway, e sim por uma estradinha de tiro curto e com placas avisando: atenção, curva perigosa. O maior benefício de ter vivido tanto é, de fato, a sabedoria acumulada. Só que alguns optam por jogá-la na cara dos outros com as palavras mais afiadas que encontram, como se a sabedoria fosse um instrumento de desforra.
O caso do ator francês é diferente, não há sabedoria nenhuma na sua transgressão, mas é outra amostragem do “dane-se” que acomete muita gente madura. Ao alcançar uma idade avançada, parece que a elegância deixa de ser essencial para o convívio. Depois de ter passado a vida obedecendo regras e sendo cordato, o sujeito sente-se autorizado a fazer a macaquice que quiser – como faria o adolescente que ele já foi.
De minha parte, não me vejo na iminência de rodar a baiana por direito adquirido com a idade, mas vá saber daqui a alguns anos. De boa moça a bruxa azeda, a transformação pode se dar do dia pra noite. Basta um convite para confrontar-se com a própria finitude.
--------------------------------* Escritora. Cronista da ZH
Fonte: ZH on line, 24/08/2011
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