Ruy Carlos Ostermann*
Não só havia um único livrinho, quase imprestável, se dobrando às dores do aniquilamento, da umidade e do abandono, como até achá-lo atrás de outros, escondido e triste, foi preciso investigar toda a estante, abandonando a ideia de títulos ou gêneros, porque nada disso servia. Jean-Paul Sartre se emancipava entre um Paulo Coelho desbeiçado e outro da autora Amália-Alguma-Coisa, que nunca soube de que se tratava e já coloquei numa caixa de papelão, para posterior decisão. Sou apegado aos livros, embora não pareça por esse episódio do livrinho desencontrado.
Foi preciso submetê-lo a uma restauração cuidadosa, folha por folha, reerguendo a capa e a contracapa, essas minúcias intermináveis que podem salvar um livro. Este era de admiração irrestrita, um livrinho dos anos 1950, orgulhosamente se tratando do primeiro que reunia jovens contistas gaúchos, que escreviam no Suplemento do Gastal no Correio do Povo, na Revista do Globo ou em qualquer lugar impresso. Entre eles, eu, com certo constrangimento, mais ainda agora, passado tanto tempo e acontecidas tantas coisas nas vidas daqueles Nove do Sul.
Fui honesto, tratei de ler apenas os meus três continhos, não quis me comprometer com todos os outros até para evitar qualquer tipo miserável de comparação. E fiquei um pouco espantado comigo mesmo e com o que era capaz, por escrito, àquela época quase juvenil de nossas vidas.
Por algum viés francês da vidinha porto-alegrense, eu era abstrato. Isso mesmo, abstrato. Não havia parede nem corredor ou quadro, tudo se parecia e ia se confundindo em frases longas de meia página, só ponto e vírgula, nada mais. O título já era quase tudo, Moderato Cantabile, quase diáfano, se se pode dizer.
Guardei o livrinho e tenho ficado a certa distância dele.
Continuo um pouco assustado.
------------------------------------------ * Jornalista. Escritor. Comentarista esportivo.Cronista da ZH
Fonte: Site Encontro com o Professor, 24/08/2011
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