Washington Uranga*
“Bento XVI é uma fiel manifestação de uma instituição eclesiástica católica que – como dizem os Padres da Opção pelos Pobres – “nega” em sua prática as aberturas e a vocação de diálogo com a história e o mundo impulsionadas pelo Concílio Vaticano II há mais de 50 anos”
Duas expressões de Bento XVI em sua visita de quatro dias à Espanha, que terminou neste domingo, evidenciam o diagnóstico que a hierarquia católica faz sobre a situação do catolicismo no mundo: a religiosidade, a relação com Deus, o catolicismo em particular, se vive cada dia mais à margem da Igreja, fora da instituição eclesiástica e, por acréscimo, sem atender às suas normas e determinações. Na Espanha o Papa falou, primeiro, de um “eclipse de Deus”. “Em nosso mundo moderno – disse – constata-se uma espécie de eclipse de Deus, uma certa amnésia, um verdadeiro rechaço do cristianismo”. Na realidade, mais que rechaço à experiência de Deus, em termos gerais, estava se referindo a um “eclipse” que afeta a Igreja católica em sua institucionalidade.
Bento XVI assumia em público e diante das multidões o mesmo dado assinalado aqui em Buenos Aires na semana anterior pelo grupo de “Padres da Opção pelos Pobres” quando, no documento de seu encontro nacional anual, usaram o conceito de “inverno eclesial”, do teólogo Karl Rahner, para qualificar o momento atual da Igreja. Palavras similares foram usadas pelo sacerdote Luis Farinello nos últimos dias em um programa de rádio assinalando que os seminários “estão vazios”, não há vocações sacerdotais, “os padres não são suficientes nem para celebrar missa” enquanto, disse, “continuamos a impedir às mulheres o acesso ao sacerdócio”.
Ao Papa, assim como à maior parte da hierarquia católica, incomoda a ideia dos “católicos independentes”, uma realidade que se multiplica no mundo, também nos países de maior tradição católica. Por isso, ao se despedir de Madri, Bento XVI pediu aos jovens para que não sigam a Jesus “de maneira solitária”. Porque, disse-lhes, “quem cede à intenção de ir ‘por sua conta’ ou de viver a fé segundo a mentalidade individualista que predomina na sociedade, corre o risco de nunca encontrar Jesus Cristo ou de acabar seguindo uma imagem falsa”. Qual pode ser a “imagem falsa” segundo Bento XVI? Seguramente, a que se opõe à “imagem verdadeira” que, supostamente, é aquela sustentada e legitimada pela institucionalidade da Igreja católica através de sua hierarquia.
Pode-se dizer que o Papa não erra o seu diagnóstico. Não há um avanço do ateísmo ou do agnosticismo no mundo, mas um abandono crescente da institucionalidade religiosa, porque as pessoas já não reconhecem a mediação da Igreja – de suas normas, suas formas e seus ritos – para vincular-se com Deus, um ser transcendente que se apresenta na vida de diferentes formas e não apenas através da representação católica, como tampouco de outras instituições eclesiásticas. A religiosidade se vive hoje com maior liberdade e de maneira desinstitucionalizada.
Mas para o Papa, não atender aos ensinamentos da Igreja equivale a “excluir Deus”. E na mesma visita à Espanha, diante de um auditório festivo, juvenil e massivo, insistiu na defesa do celibato sacerdotal e não desceu nem um pouquinho nas normas eclesiásticas sobre matrimônio e família. Pediu aos jovens que sejam “testemunhas”, que deem testemunho de sua fé, mas nada se ouviu sobre os “pecados” da Igreja: a pedofilia, os abusos institucionais, o autoritarismo, a repressão interna.
Bento XVI é uma fiel manifestação de uma instituição eclesiástica católica que – como dizem os Padres da Opção pelos Pobres – “nega” em sua prática as aberturas e a vocação de diálogo com a história e o mundo impulsionadas pelo Concílio Vaticano II há mais de 50 anos.
Mas também é inegável que, como ocorreu agora na Espanha, o Papa – como fato religioso, mas também de espetáculo e atração turística – segue congregando multidões. Os organizadores da festa juvenil espanhola asseguram que a última concentração na base aérea de Quatro Ventos, em Madri, reuniu um milhão e meio de pessoas de 193 países. A polícia espanhola também fala de mais de um milhão de participantes. Não menos certo é que para estas atividades, como a Jornada Mundial da Juventude, criada por João Paulo II no seu afã de se aproximar dos jovens, o Papa busca “refúgio” nos países onde ainda permanece a maior densidade de católicos. Por isso, também o anúncio de que a próxima Jornada Mundial da Juventude católica se realizará em 2013 no Rio de Janeiro, com um ano de antecedência em relação à data fixada inicialmente, para não coincidir com a Copa do Mundo de Futebol, que também se realizará neste país sul-americano em 2014.
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* Escreve o jornalista argentino Washington Uranga, em artigo publicado no jornal Página/12, 22-08-2011.
A tradução é do Cepat.
Fonte: IHU on line, 23/08/2011
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