Recursos Humanos: Para especialista, análise das
questões comportamentais ajuda gestores.
Luis Ushirobira/Valor
Segundo Stapley, hoje existe a necessidade de se desenvolver
uma percepção que vá além dos aspectos racionais
Para administrar uma empresa bem-sucedida atualmente, conhecer o negócio e as técnicas básicas de gestão já não são suficientes. É preciso ter um entendimento mais profundo a respeito da organização e das pessoas que nela atuam. Desse modo, além de estudar e mensurar o desempenho e a eficiência em torno de questões como finanças, estratégia e recompensas é preciso saber lidar também com a parte flexível do processo que inclui comportamentos, valores e ética.
Essa é a opinião do consultor inglês Lionel Stapley, especialista em cultura e mudança organizacional e diretor da Opus (Organisation for Promoting Understanding of Society), instituição educacional sem fins lucrativos que incentiva o estudo dos processos conscientes e inconscientes na sociedade e nas corporações.
No Brasil para a realização de workshops, cursos 'in company' e para lançar o livro "Entendendo Indivíduos, Grupos e Organizações Abaixo da Superfície" (Editora Pontes/EXO), Stapley concedeu a seguinte entrevista ao Valor:
Valor: Qual é o significado de compreender os indivíduos, os grupos e as organizações "abaixo da superfície" e como isso está conectado ao mundo corporativo?
Lionel Stapley: Há dois lados em se administrar uma empresa bem-sucedida. De um, estão as coisas rígidas como o desempenho e a eficiência em torno de questões como finanças, estratégia, recompensas e punições. Do outro, as flexíveis como comportamento, impacto social, reputação, valores e ética. O conceito do "psicossocial" desperta atenção para o fato de que estamos lidando com dois níveis distintos ao mesmo tempo. Desse modo, precisamos denominar um grupo ou organização como um processo psicológico e social simultaneamente.
Valor: Como é possível colocar isso em prática?
Stapley: No nível 'social', devemos analisar os fatores tecnológicos, econômicos, sociológicos e políticos. Os produtos e serviços que o grupo ou organização propicia, assim como suas estruturas, estratégias e gestão, que juntos englobam a vida diária da organização. Estes são os aspectos racionais e aos quais podemos nos referir como "saber sobre". Além disso, precisamos considerar o nível psicológico do comportamento humano, que são as experiências subjetivas dos indivíduos. Incluem-se aí as ideias, a maneira de pensar, de se comportar ou de agir. Suas ações serão influenciadas por suas crenças, valores, esperanças, ansiedades e mecanismos de defesa. Esses são os aspectos irracionais, e talvez inconscientes de todos nós, e são influenciados pelo que podemos nos referir como "conhecimento da experiência". As coisas rígidas, que são o material cognitivo, podem ser comunicadas por escrito e serão relativamente fáceis de serem compreendidas e cumpridas pelo staff, pelos acionistas e outros de fora da organização. Mas isso não acontece com as coisas flexíveis, chamadas também de material experimental ou "baseado nas emoções". Para sermos eficientes, é necessário perceber e usar os dois tipos de aprendizado.
Valor: Qual é a importância disso em um mundo com economia e companhias globais?
Stapley: Operar em um mundo globalizado significa que as organizações precisam desenvolver uma vantagem competitiva em cada oportunidade. Muitas empresas, no entanto, não estão cientes dos benefícios de lidar com os processos rígidos e flexíveis paralelamente. Vários anos atrás, por exemplo, os japoneses adotaram a ideia da Administração de Qualidade Total, que foi desenvolvida primeiramente nos Estados Unidos, mas ignorada na época pelos administradores americanos. Por meio da implementação desse processo, que também inclui a noção do fornecimento 'just in time', eles ganharam uma vantagem competitiva considerável que posteriormente se tornou um procedimento padrão em todo o mundo.
Valor: Como isso ajuda as companhias no atual cenário de falta de líderes e na guerra por talentos?
Stapley: A exposição à dinâmica "abaixo da superfície" exige tipos diferentes de líderes. Não basta que eles tenham apenas as técnicas básicas de gestão e os conhecimentos que são esperados de um administrador, mas que saibam também lidar com a parte flexível do processo. Esse tipo de habilidade exige um aprendizado diferente, que leva a um entendimento mais profundo das organizações. Isso não significa abrir mão de suas atuais competências, mas complementá-las. As escolas de negócios, universidades e aqueles que estão engajados no desenvolvimento de líderes precisam adotar uma nova postura, acrescentando o aprendizado experimental em seus cursos. A importância desse autoconhecimento é essencial para a governança bem-sucedida de todas as organizações e instituições, independentemente de seus tamanhos, segmentos ou propósitos. Isso se aplica tanto no Brasil como em todas as culturas e sociedades do mundo.
Valor: Essa mudança de postura é uma responsabilidade dos departamentos de recursos humanos?
Stapley: Assim como as escolas de negócios, os departamentos de recursos humanos e os especialistas em treinamento e desenvolvimento de líderes precisam incluir o aprendizado experimental em seus programas. Isso ajudará a criar um ambiente com menos conflitos e atritos e com relações melhores e mais saudáveis, tanto internamente quanto na relação com as outras organizações.
Valor: Como isso modifica o ambiente nas empresas?
Stapley: Ao adotarem um processo combinando a estratégia das coisas rígidas com as coisas flexíveis, as companhias conseguem evitar as reações aparentemente irracionais e danosas que ocorrem quando elas tentam implementar mudanças e inovações. O que se exige de todos os envolvidos é a necessidade de mudar a mentalidade. Sair daquela que está centrada somente nos aspectos racionais e aparentemente previsíveis do comportamento humano para uma que inclua o que é aparentemente irracional e mais profundo. Não se trata de uma escolha, pois o comportamento humano afetará a todos na organização, desde o presidente do conselho de administração até os operários. Todos continuarão tentando entender, por exemplo, por qual razão os funcionários estão furiosos com uma mudança proposta que para a administração parece perfeitamente lógica. Sem um processo paralelo que envolva o lado flexível, a organização será ineficiente e frustrada.
-------------------------- Reportagem por Rafael Sigollo De São Paulo
Fonte: Valor Econômico on line, 15/08/2011
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