Impossibilitado de comparecer ao Fronteiras do Pensamento por conta
de uma doença na família, o polonês Zygmunt Bauman, autor de dezenas de obras
em que aprofunda seu conceito de “modernidade líquida”,
falou no evento por meio de uma entrevista gravada no final de julho em sua casa,
em Londres, e apresentada antes da conferência de Morin.
Na entrevista, Bauman salientou que “uma das características de nosso tempo é a fragmentação da vida”. Se há algumas décadas muitos se impressionavam com a defesa de Sartre por um “projeto para a vida”, construído consistentemente e passo a passo, as gerações atuais têm grande dificuldade para pensar dessa forma: não se sabe o que vai acontecer no ano que vem, e muito menos é possível planejar a vida a longo prazo.
A fragmentação se expressa também na forma como as relações humanas se dão. Bauman referiu o caso de um jovem que lhe contou que tinha feito “500 amigos” no Facebook em poucos dias. “Eu tenho 86 anos e não tenho 500 amigos”, respondeu. “Está claro que a palavra significa coisas diferentes para diferentes gerações.”
Os laços humanos anteriormente se davam em comunidade, e a comunidade, com seus costumes, crenças e contextos, preexiste ao indivíduo. Hoje, esses laços se dão em rede. “A rede é mantida viva por duas atividades: conectar e desconectar. O atrativo da ‘amizade Facebook’ é que é fácil conectar, mas a grande atração é a facilidade de desconectar”, compara. Na relação frente a frente e olho no olho, quebrar as relações é traumático, porque é preciso ter razões ou inventar desculpas, mentir etc. Na internet a ruptura é fácil.
Os laços humanos são uma benção e uma maldição ao mesmo tempo, diz. Benção por ter confiança numa pessoa e se sentir capaz de fazer algo por ela, o que não existe na “amizade Facebook”. Bauman lamenta que muitos jovens não sabem a riqueza que perderam, porque não viveram esse tipo de amizade. A maldição vem porque, quando se cria um laço, faz-se uma espécie de juramento de estar sempre ao lado do outro. “Você empenha seu futuro”, diz. Hoje, porém, “vivemos como pessoas solitárias numa multidão de solitários”.
Das transformações correntes, não se sabe ainda o que será duradouro e o que é característico de uma fase de transição. Bauman aponta, porém, duas características que lhe parecem irreversíveis: a primeira é que a humanidade multiplicou suas conexões e interdependências. “Estamos numa posição em que todos dependem de todos. Estamos todos no mesmo barco. Pela primeira vez na história o globo é de fato um só mundo”, diz. A segunda é que acabou a ilusão de que os seres humanos podem submeter a natureza ao seu controle por meio da ciência e da tecnologia. “Chegamos muito próximo dos limites do que hoje sabemos ser a sustentabilidade do planeta.”
Na atualidade, Bauman identifica
os primeiros movimentos de que o pêndulo
está indo novamente na direção
de mais segurança e de que as pessoas
querem mais estabilidade e
mais ação do Estado
Para Bauman, a democracia está em risco, porque há muitas dúvidas sobre ela em muitos lugares do mundo. “O Estado-nação já não dá conta de atender às promessas que fez aos cidadãos há algumas décadas. Sozinho, o Estado-nação não pode defender o futuro da democracia. Em algum momento talvez tenhamos que inventar uma democracia global”, considera.
Permanecem dois valores essenciais para o estabelecimento de uma vida relativamente feliz: segurança e liberdade. “Segurança sem liberdade é escravidão. Liberdade sem segurança é o caos”, define. “O problema é que ninguém na história encontrou a fórmula dourada, a mistura perfeita entre elas. Sempre que se consegue mais segurança, entrega-se uma parcela da liberdade, e o contrário também é válido.”
Bauman citou Freud, que no livro O mal-estar na civilização já apontava que a civilização sempre inclui troca: dá-se algo de valor para receber algo de valor. “Se na época do livro, final da década de 1920, antes do crash e da Grande Depressão, o preço era entregar muita liberdade em nome da segurança, hoje talvez Freud dissesse que entregamos demais nossa segurança em nome de mais liberdade”, considera o sociólogo.
Na atualidade, Bauman identifica os primeiros movimentos de que o pêndulo está indo novamente na direção de mais segurança e de que as pessoas querem mais estabilidade e mais ação do Estado. “Mas nunca será encontrada a solução perfeita entre essas duas dimensões, e nunca vamos parar de procurar por essa mina de ouro”, adverte.
-------------------------A reportagem é de Paulo Hebmüller e publicado pelo jornal da Usp, 14-08-2011.
Fonte: IHU on line, 16/08/2011
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