CARPINEJAR*
Quem ama pensa que sabe tudo. Quem
ama confia que sabe tudo. Pois o coração transborda, soberbo, cheio de
esperança e promessas. Aquilo que foi assimilado na vida parece certo,
definitivo e incontestável.
Prestes a me casar com Beatriz na
igreja, ainda precisava enfrentar o curso de noivos, item obrigatório da
documentação para assegurar a data do altar. Eu não queria, achava que
era absolutamente dispensável. Seria uma sessão de moralismo, sermão e
tortura em grupo. Eu trataria de fingir que estava presente, apenas para
conseguir o pré-requisito.
Fui arrastado pela minha atual esposa para as aulas. Um raro final de semana de folga perdido, eu concluí.
No fundo de uma paróquia, sentamos em cadeiras com mesinha, distribuídos em duplas. Somávamos 20 casais envergonhados.
Retornava à comunhão, mas agora adulto e cético. Para me constranger ao
máximo, a descontração começou com roda de música, todos de mãos dadas.
Eu não canto nem no banheiro. Minha mulher, noiva na época, me
beliscava para ouvir a minha voz.
Matava o tempo e mantinha a
mente ocupada entre cafés, lanches e confissões. Aproximava-me de outras
histórias e romances, vendo que os problemas são similares e o quanto o
medo é democrático.
Até que o professor me perguntou por que eu
estava casando. Respondi que casava por amor. Simples, ora bolas. Ele
me encarou, como um pai emprestado, e me corrigiu: não é suficiente. Eu
gelei, só faltava ser reprovado no curso de noivos. Já me imaginava
sendo expulso da classe, carregado por coroinhas e sacristãos para fora
do prédio.
- Como assim não é suficiente?
- Amar não
resolve incompatibilidades, divergências, ambição profissional, traumas
antigos. Amar é um começo. Conviver junto requer lealdade e
cumplicidade, nunca esconder os pensamentos e as fraquezas.
O
diálogo marcou a minha índole. Entendi que não havia encontrado algo
importantíssimo para a vida a dois: humildade. Humildade para viver o
que não sonhei, para o momento em que o meu plano naufragasse. Eu casava
com a idealização de que tudo daria certo, de que seríamos sempre
felizes e prósperos. Casar é ficar junto quando tudo ainda dá errado.
Casar é enfrentar o luto de um familiar, a doença, o desemprego, é não
culpar o outro e ter a coragem de pedir ajuda, colo, ombro.
Demonstrava arrogância não desejando estar ali, desde o princípio me
sentindo completo e superior. Eu me reinventei naqueles dois dias de
retiro. Juro que cantei alto e desafinado no fim dos encontros. E
belisquei a minha mulher para entoar o refrão comigo.
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* Colunista da ZH. Escritor.
Fonte: http://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=f70f6a300c127cd38fe084c40325e479
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