Da vida e a obra de Stephen Hawking destacam-se o seu ateísmo
militante e as circunstâncias penosas em que decorreu quase toda a sua
vida.
Morreu Stephen Hawking, um dos mais famosos físicos da
actualidade. Sobre a sua obra científica, outros certamente ajuizarão,
mas há dois aspectos da sua vida que merecem um breve comentário: o seu
ateísmo militante e as penosas circunstâncias físicas em que decorreu
toda a sua vida adulta.
É verdade que abundam os cientistas
crentes e católicos, como o Padre Georges Lemaitre, autor da teoria do
Big Bang. Mas também os há ateus, como o agora desaparecido Stephen
Hawking que, como outros descrentes e fiéis de outras religiões, foi
membro da Pontifícia Academia das Ciências. Quatro papas receberam-no e
estimaram-no: o Beato Paulo VI, que lhe concedeu a medalha de ouro Pio
XI; São João Paulo II; Bento XVI e Francisco.
O ateísmo de Hawking
não prova uma inexistente incompatibilidade entre a fé católica e a
ciência, porque essa sua opção ideológica não tinha fundamento
científico, como ele próprio reconheceu ao chanceler da Pontifícia
Academia das Ciências. Se, pela razão, não chegou a reconhecer a
existência de Deus, também nunca provou cientificamente o contrário,
pela simples razão de que Deus, em termos epistemológicos, é uma
realidade transcendente e, por isso, metacientífica. A ciência estuda o
que é experimental: o que ultrapassa essa ordem não pode ser objecto do
seu conhecimento. Por isso, certas realidades, como Deus e a alma, não
são susceptíveis de conhecimento científico.
Quer isto dizer que
Deus e a alma não existem?! De modo nenhum, apenas que não são
realidades cognoscíveis pelo método científico que, embora verdadeiro,
não esgota o conhecimento da realidade: há mais saberes para além da
ciência! A filosofia, que é também verdadeiro conhecimento, vai mais
longe do que as ciências experimentais: é neste sentido que se diz que é
‘metafísica’, ou seja, um saber que está para além da física. Por sua
vez, a teologia sobrenatural é uma sabedoria revelada, que transcende os
conhecimentos meramente humanos e pressupõe, necessariamente, o dom da
fé.
Há um preconceito racional, ou pressuposição pré-científica,
comum a todos os cientistas, sejam crentes ou ateus: tudo tem uma razão
de ser. Nenhum cientista admite que alguma coisa acontece por acaso,
porque o acaso é a negação da razão e do conhecimento. O apelo à
casualidade não é científico, mas expressão de ignorância: invoca-se o
acaso quando se desconhece a causa. A causalidade exclui a casualidade:
se se admite que algo pode acontecer sem razão suficiente, há que
concluir que o mundo pode não ter sentido, o que é absurdo.
Se
para tudo há, conhecida ou não, uma razão, como firmemente a ciência
crê, é forçoso reconhecer que existe uma inteligência superior, uma
razão suprema que governa o universo e determina as suas leis. Ou seja,
Deus. A sua existência, embora não possa ser provada cientificamente,
pode contudo ser demonstrada racionalmente. Assim o fez Tomás de Aquino:
as suas cinco vias, que não obstante o tempo entretanto decorrido
continuam irrefutáveis, provam racionalmente a existência de Deus.
Stephen
Hawking não chegou a essa conclusão lógica, muito embora os seus
modelos especulativos tendessem também para a afirmação de uma ordem
universal e, portanto, apontassem para a necessidade de uma inteligência
criadora, ou seja, de Deus. Mas é de crer que, agora, já ultrapassou
esse impasse, como alguém escreveu, com apurado sentido de humor:
“Depois de uma vida a tentar decifrar os grandes enigmas do universo,
Stephen Hawking consulta agora a página de soluções”!
Para além de
uma mente brilhante, Stephen Hawking era também um corpo doente, muito
doente até: desde os 21 anos que sofria de esclerose lateral
amiotrófica. Quando lhe foi diagnosticada esta doença, deram-lhe apenas
três anos de vida mas, surpreendentemente, viveu até aos 76! Como são
falíveis os diagnósticos médicos e como seria temerário deles fazer
depender uma sentença de vida ou morte!
A sua doença foi
inexoravelmente cruel: perdeu, progressivamente, todas as suas
faculdades físicas, até a fala. Nos seus últimos cinco anos, só
conseguia comunicar através de sofisticados meios técnicos, que supriam
com eficácia essa sua incapacidade.
Não obstante as inúmeras
limitações impostas pela sua precária condição física, Stephen Hawking
foi protagonista de uma vida cheia de sentido, não só do ponto de vista
intelectual, como físico brilhante que foi, mas também na perspectiva
emocional: casou, teve filhos, etc. Tanto quanto é possível dizê-lo,
Stephen Hawking foi uma pessoa feliz.
Para os defensores da
eutanásia, Hawking era o exemplo perfeito da pessoa a eliminar: era
escassa a sua esperança de vida, incurável o seu mal e aparentemente
impossível a sua realização pessoal. A sua doença não só implicava uma
crescente perda de autonomia, como também lhe proporcionava dores cada
vez mais constantes e fortes, para além de uma progressiva dependência
dos seus cuidadores, até para as tarefas mais simples. A dificuldade em
se exprimir, sobretudo na fase final da sua doença, aconselharia também a
antecipação da sua morte: para quê manter viva uma mente brilhante se
já não pode comunicar?! O elevado custo económico da sua subsistência
também obrigaria a concluir que era mais rentável – e, talvez, justo! –
canalizar esses recursos para doentes mais novos, ou com maior esperança
de vida. Ele próprio, em alguma ocasião, chegou a admitir a hipótese da
eutanásia e do suicídio assistido mas, felizmente, mais pôde a sua
insaciável vontade de saber, de sonhar e de viver!
Não obstante o
que cada um possa pensar sobre o valor da vida humana, decerto ninguém
nega que valeu a pena manter vivo aquele espírito brilhante, mesmo que
encarcerado num corpo desfeito: a humanidade ficou a ganhar, não
obstante tudo o que ele sofreu e tudo o que custou, em termos humanos e
financeiros, manter a sua vida até ao fim. A sua luta pela
sobrevivência, até ao momento da sua morte natural, é um hino à vida e a
sua última e mais brilhante lição: vale sempre a pena viver!
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* Colunista
Imagem da Internet
Fonte: https://observador.pt/opiniao/deus-e-o-fisico-de-um-fisico-ateu/ 17/03/2018
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