Rui Ramos*
Para os cristãos, Deus fez-se carne; para
Hawking, Deus fez-se ciência, e é por isso que não hesita em reivindicar para a
ciência todos os tradicionais atributos divinos,
menos os “milagres”
Stephen
Hawking acredita que Deus não existe. Ora, isto não é a mesma coisa que não
acreditar em Deus. Se eu não acredito em Deus, eu não sei se ele existe ou não
existe. Simplesmente, não tenho fé, como diria um cristão. Mas se eu acredito
que Deus não existe, eu tenho fé, embora diversa – a fé na inexistência de
Deus. A diferença entre as duas posições é por vezes expressa pelo contraste
entre agnosticismo e ateísmo. Hawking não deixou dúvidas ao El Mundo: é ateu. Mas dizer só ateu pode não chegar para
definir a posição de Hawking.
A questão é determinar de que modo, entre a
fé em Deus e a fé na inexistência de Deus, Hawking passa de uma margem para a
outra. A sua ponte não é o cepticismo, mas a ciência, ou melhor, uma variante
muito especial da experiência científica, que funciona de facto como o
equivalente laico da fé religiosa. Hawking sente pela ciência a devoção que
qualquer beato dispensa ao seu todo-poderoso ídolo. Acredita piamente na
omnipotência do conhecimento humano sob a forma científica: “Creio que
conseguiremos compreender a origem e a estrutura do universo(…). Na minha
opinião, não há nenhum aspecto da realidade fora do alcance da mente humana”.
O mais surpreendente em Hawking é a pobreza
da sua concepção de Deus. Hawking passa por cima de séculos de meditação e de
debate. Simplesmente, não vê “milagres” (porque não são “compatíveis” com a sua
ciência), e portanto não vê Deus. No “passado”, antes da ciência, admite que
era “lógico acreditarmos que Deus criou o universo”. Deus é, para ele, uma
relíquia de fases primitivas do conhecimento humano, quando o gentio ainda não
percebera que a natureza estava proibida de divergir das leis fixadas pelos
professores universitários. É nesse sentido, que Hawking crê que Deus foi
substituído pela ciência.
Para os cristãos, Deus fez-se carne; para
Hawking, Deus fez-se ciência, e é por isso que não hesita em reivindicar para a
ciência todos os tradicionais atributos divinos, menos os “milagres” – o que,
todavia, não o impede de avançar com transcendentes promessas de salvação, como
a de que a exploração espacial “poderá evitar o desaparecimento da Humanidade
devido à colonização de outros planetas”. A ciência, aparentemente, tem os
seus milagres, embora do género Star Wars.
Isto não é certamente agnosticismo, mas
também não é apenas ateísmo. É a antiga superstição da ciência, o velho culto
do progresso, típico dos autodidactas do século XIX, quando a máquina a vapor e
a electricidade foram celebradas como os poderes do futuro homem-deus. De
facto, é Hawking que representa, nesta história, a fase mais primitiva.
A ciência não é necessariamente sabedoria, se
entendermos por sabedoria, não apenas o raciocínio e o conhecimento, mas também
a humildade e a ponderação. Hawking pode ser um génio da astrofísica, mas
não é um sábio. Chesterton dizia: quando se deixa de acreditar em Deus,
passa-se a acreditar em tudo. O Hawkings da entrevista ao El Mundo é um exemplo
dessa credulidade. Onde tudo isso nos pode levar, vimo-lo o mês passado, graças
a outro crente da ciência e inimigo de Deus, o geneticista Richard Dawkins. Sem
inibições, deu a entender que, por ele, “é imoral” não abortar fetos com síndroma de Down. Eis a ideia de moral de quem,
com a “lógica” do seu lado, se sente um novo deus.
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* Nasci a 22 de Maio de 1962, licenciei-me em
história na Universidade Nova de Lisboa, e doutorei-me em ciência
política na Universidade de Oxford. Sou professor e investigador no
Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e professor
convidado do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica.
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