quarta-feira, 14 de março de 2018

O deus de Stephen Hawking


Rui Ramos*
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Para os cristãos, Deus fez-se carne; para Hawking, Deus fez-se ciência, e é por isso que não hesita em reivindicar para a ciência todos os tradicionais atributos divinos, 
menos os “milagres” 

Stephen Hawking acredita que Deus não existe. Ora, isto não é a mesma coisa que não acreditar em Deus. Se eu não acredito em Deus, eu não sei se ele existe ou não existe. Simplesmente, não tenho fé, como diria um cristão. Mas se eu acredito que Deus não existe, eu tenho fé, embora diversa – a fé na inexistência de Deus. A diferença entre as duas posições é por vezes expressa pelo contraste entre agnosticismo e ateísmo. Hawking não deixou dúvidas ao El Mundo: é ateu. Mas dizer só ateu pode não chegar para definir a posição de Hawking.  

A questão é determinar de que modo, entre a fé em Deus e a fé na inexistência de Deus, Hawking passa de uma margem para a outra. A sua ponte não é o cepticismo, mas a ciência, ou melhor, uma variante muito especial da experiência científica, que funciona de facto como o equivalente laico da fé religiosa. Hawking sente pela ciência a devoção que qualquer beato dispensa ao seu todo-poderoso ídolo. Acredita piamente na omnipotência do conhecimento humano sob a forma científica: “Creio que conseguiremos compreender a origem e a estrutura do universo(…). Na minha opinião, não há nenhum aspecto da realidade fora do alcance da mente humana”.

O mais surpreendente em Hawking é a pobreza da sua concepção de Deus. Hawking passa por cima de séculos de meditação e de debate. Simplesmente, não vê “milagres” (porque não são “compatíveis” com a sua ciência), e portanto não vê Deus. No “passado”, antes da ciência, admite que era “lógico acreditarmos que Deus criou o universo”. Deus é, para ele, uma relíquia de fases primitivas do conhecimento humano, quando o gentio ainda não percebera que a natureza estava proibida de divergir das leis fixadas pelos professores universitários. É nesse sentido, que Hawking crê que Deus foi substituído pela ciência.

Para os cristãos, Deus fez-se carne; para Hawking, Deus fez-se ciência, e é por isso que não hesita em reivindicar para a ciência todos os tradicionais atributos divinos, menos os “milagres” – o que, todavia, não o impede de avançar com transcendentes promessas de salvação, como a de que a exploração espacial “poderá evitar o desaparecimento da Humanidade devido à colonização de outros planetas”. A ciência, aparentemente, tem os seus milagres, embora do género Star Wars.

Isto não é certamente agnosticismo, mas também não é apenas ateísmo. É a antiga superstição da ciência, o velho culto do progresso, típico dos autodidactas do século XIX, quando a máquina a vapor e a electricidade foram celebradas como os poderes do futuro homem-deus. De facto, é Hawking que representa, nesta história, a fase mais primitiva.

A ciência não é necessariamente sabedoria, se entendermos por sabedoria, não apenas o raciocínio e o conhecimento, mas também a humildade e a ponderação. Hawking pode ser um génio da astrofísica, mas não é um sábio. Chesterton dizia: quando se deixa de acreditar em Deus, passa-se a acreditar em tudo. O Hawkings da entrevista ao El Mundo é um exemplo dessa credulidade. Onde tudo isso nos pode levar, vimo-lo o mês passado, graças a outro crente da ciência e inimigo de Deus, o geneticista Richard Dawkins. Sem inibições, deu a entender que, por ele, “é imoral” não abortar fetos com síndroma de Down. Eis a ideia de moral de quem, com a “lógica” do seu lado, se sente um novo deus.  
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* Nasci a 22 de Maio de 1962, licenciei-me em história na Universidade Nova de Lisboa, e doutorei-me em ciência política na Universidade de Oxford. Sou professor e investigador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e professor convidado do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica.
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