Luis A R Branco*
“Eu não posso escrever para agradar a todos, mas alguém, em algum lugar será tocado se eu colocar meu coração nisso”.
~ Sara Winters
~ Sara Winters
Em outras palavras o que Sara Winters quer dizer é que há uma
diferença quando se escreve com o coração. E aqui temos por desafio
compreender, ou melhor, definirmos o que significa escrever com o
coração. Em primeira análise podemos pressupor que escrever com o
coração significa escrever com intensidade. Obviamente que intensidade
vai além do volume com o qual se fala, mas tem a ver com a profundidade
com a qual se toca em alguém. É quando dizemos: “Uau! Isto foi
profundo!” ou “Isto tocou-me imenso!” Fernando Pessoa ao falar destas
coisas do coração disse: “Há um grande cansaço na alma do meu
coração.”[1] Com a referência a “alma do meu coração”, Fernando Pessoa
referia-se ao que de mais profundo existia em seu ser.
Escrever é isto, é sentar-se junto com o leitor e comunicar coisas da
alma. Certamente que nem tudo o que é escrito tem esta vertente
sentimental que toca a alma. Mas é possível ser no mínimo interessante
de maneira a prender a atenção dos nossos leitores. Li uma série de três
livros do estilo jornalístico-histórico, escrito pelo jornalista
Laurentino Gomes com os títulos 1808, 1822 e 1889 que falam da fuga da
corte portuguesa para o Brasil em 1808 e os acontecimentos que tomaram
conta do Brasil depois deste evento. Os livros são escritos de forma tão
cativantes que é difícil colocá-los de lado. Laurentino Gomes acertou o
coração do leitor.
A Escritura Sagrada também define o coração como este lugar profundo
no ser humano: “Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o teu coração,
porque dele procedem as fontes da vida.” (Provérbios 4:23) O
comentarista John Gil faz o seguinte comentário sobre este texto e o
significado de guardar o coração: Guarda “A mente da vaidade, a
compreensão do erro, a vontade da perversidade, a consciência sem culpa,
as afecções de serem desordenadas e colocadas sobre os objetos
malignos, os pensamentos de serem empregados em assuntos ruins; e o todo
caindo nas mãos do inimigo…” Portanto, escrever com o coração tem um
significado para além do meramente sentimental. Tem a ver também com os
valores morais.
O famoso missionário metodista, Eli Stanley Jones escreveu alguns
princípios pessoais os quais usava sempre nas suas abordagens, um deles
acredito que é pertinente para a nossa realidade no que diz respeito ao
escrever para tocar alguém. Dizia ele: ”Seja absolutamente franco: não
pode haver camuflagem nem propósito escondido na nossa abordagem. As
pessoas precisam saber o que irão ouvir!”[2] Isto esta relacionado com o
fato de guardarmos o coração não apenas nosso, mas também dos nossos
leitores. Quando há falta de verdade, o livro pode ser uma armadilha
maligna para aprisionar o leitor nas grades da mentira.
Hoje se tornou fácil escrever livros. Vender os livros já é mais
difícil, mas escrever tornou-se mais fácil. Com isto temos uma grande
variedade de literatura, boas e ruins. E em nosso contexto cristão
podemos arriscar em dizer que a boa literatura é aquela que promove a
verdade. Da história à poesia é possível escrever com verdade. O
escritor cristão tem um compromisso com a verdade. A verdade não tocará
todos os corações, mas tocará alguns.
Vivemos numa época onde toda verdade objectiva é questionada. A
verdade objectiva pode ofender alguns, pode não tocar alguns corações,
mas incomodar as mentes rebeldes. O Apóstolo Paulo fala sobre isto ao
mencionar que chegará um momento em que as pessoas irão virar as costas
para a verdade e trocá-las por ilusão. Irão atrás de coisas que
alimentem as suas fantasias. Gilles Lipovetsky diz que: “Hoje, até a
espiritualidade funciona em livre-serviço, na expressão das emoções e
dos sentimentos, na procura resultante da preocupação com o melhor-estar
pessoal…”[3]. E ainda: “Neste jardim das delícias, o bem-estar
tornou-se deus, o consumo é o seu templo e o corpo, o seu livro
sagrado.”[4]
Se tivermos consciência sobre o que se passa no mundo em que vivemos
saberemos o que escrever para a presente geração. Não para alimentar a
fome gerada pelos efeitos negativos da pós-modernidade, mas para
satisfazer a real fome espiritual do nosso tempo. Há uma fome espiritual
nos dias em que vivemos e nós temos o Pão da Vida capaz de alimentar
toda sorte de fome.
[1] Livro do Desassossego. Vol.I. Fernando Pessoa. (Organização e
fixação de inéditos de Teresa Sobral Cunha.) Coimbra: Presença, 1990.
pág. 208.
[2] E. Stanley Jones, The Christ of the Indian Road (publication place: Abingdon Press, 1925), pág. 21-22.
[3] Gilles Lipovetsky. A Felicidade Paradoxal: ensaios sobre a saciedade do hiperconsumismo (Lisboa: Edições 70, 2007) pág. 113.
[4] Idem, 131.
[2] E. Stanley Jones, The Christ of the Indian Road (publication place: Abingdon Press, 1925), pág. 21-22.
[3] Gilles Lipovetsky. A Felicidade Paradoxal: ensaios sobre a saciedade do hiperconsumismo (Lisboa: Edições 70, 2007) pág. 113.
[4] Idem, 131.
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* Luis Alexandre Ribeiro Branco. Concluiu Filosofia Cristã e Apologética -
Trinity College of the Bible and Theological Seminary
em 2016. É Professor Associado com Agregação e
Investigador Principal na Universidade de Lisboa. Publicou 4 artigos em
revistas
especializadas, possui 27 livros publicados.
Possui 15 itens de produção técnica. Recebeu 1 prémio e/ou homenagem.
Actua nas
áreas de Humanidades com ênfase em Filosofia,
Ética e Religião e Humanidades com ênfase em História e Arqueologia. Nas
suas
actividades profissionais interagiu com 7
colaboradores em co-autorias de trabalhos científicos.
Fonte: https://verdadenapratica.wordpress.com/2018/03/19/escrever-com-o-coracao/
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