Frei Betto*
Foto: Raphael Sanz/Correio da Cidadania
Neste mundo desprovido de utopia, senso histórico e confiança na representatividade
política, o medo ocupa cada vez mais espaço. As forças conservadoras incutem
em muitos tal insegurança que, como cordeiros a serem tosquiados, aceitam
trocar a liberdade pela segurança. Essa doença tem nome: eleuterofobia,
medo de ser livre. Deixa-se de melhorar a qualidade de vida ou fazer uma viagem
de lazer para manter intocado o dinheiro no banco.
Temos medo do desemprego, da inflação, da recessão. Medo da pandemia. Medo
do governo neofascista. Medo do ódio destilado nas redes digitais. Medo
da velhice. “O medo é uma pressa que vem de todos os lados, uma pressa sem caminho”(Guimarães
Rosa in “Conversa de bois”, Sagarana). A toda hora soa o alarme: Cuidado! A
fera está solta!
Nem sempre identificamos a fera com nitidez mas, como manada, disparamos
em atropelos para nos afastar o mais possível do seu alcance.
Quem é a fera? É o “outro”, o imigrante que vem roubar nossos empregos. É o estrangeiro
que ameaça subverter o nosso estilo de vida. É o muçulmano que, por baixo
da túnica, carrega um cinturão de dinamites. É o refugiado que obriga o
nosso governo a desviar recursos para socorrê-lo. É o homossexual encarado
como promíscuo. É quem pensa diferente e cujas ideias nos parecem conter material
explosivo…
Assim o medo se dissemina pelo país. Penetra em nossas casas. Impregna-nos
a mente, os olhos, os ouvidos, o olfato e o paladar. Medo do alimento que
engorda, do tabaco que envenena, da bebida que embriaga. Medo de tudo e
de todos. Esquecemos que a sabedoria recomenda ter medo do medo.
Cresce a síndrome do medo. Isso vale para Rio, São Paulo, Nova York, Paris ou
qualquer outra grande cidade. Medo de assalto, o que induz o cidadão a
tonar-se prisioneiro de sua própria casa, trancada a mil chaves, dotada
de alarme de segurança, e quebrada, no visual, pelas
grades que cobrem as
janelas.
O medo viaja a bordo do desconhecido. O porteiro do prédio deve exigir identificação,
o nome é anunciado por interfone, o visitante conferido pelo olho mágico
e, por fim, as fechaduras, de roliças chaves dentadas, abertas uma a uma.
Doença da moda é a agorafobia - medo de lugares públicos. Teme-se que a
praça esconda ladrões atrás das árvores, e crianças pedintes se transformem
em perigosos assaltantes ao se aproximar do carro. Aumenta o número de
pessoas que preferem não sair à noite, jamais usam joias e entram em pânico
se alguém se dirige a elas para perguntar onde fica tal rua. O homem é,
enfim, o lobo do homem. "Quem vive sob o domínio do medo nunca será
livre", dizia Horácio.
De onde vem tanto medo? Da sociedade que nos abriga, marcada por desigualdade
e preconceitos. Se não somos iguais em direitos e nas mínimas condições
de vida, por que se espantar com reações diferentes? Como exigir polidez
de um homem que sente na pele a discriminação racial e, na pobreza, a social?
Como esperar um sorriso de uma criança que, no barraco em que mora, vê o
pai desempregado descarregar a bebedeira na surra que dá na mulher? A
discriminação humilha, e a humilhação gera ressentimento, amargura e
revolta.
O medo decorre também das autoridades civis e religiosas que, na falta
de argumentos, atemorizam com ameaças, bravatas, terrorismo psicológico,
evocações do demônio e do inferno.
O contrário do medo não é a coragem, é a fé. Não apenas religiosa, mas cívica,
política, utópica. Acreditar que o futuro pode ser melhor e diferente.
E começar, hoje, a semear os bons frutos a serem colhidos no futuro.
* Assessor de Movimentos Sociais. Frade Dominicano. Escritor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário