Por Michel Maffesoli*
11/12/2021 | 6:21
Caderno de Sábado
A cultura pop se apropriou da obra de Jean Baudrillard com os filmes ‘Matrix’, dos irmãos Wachowski | Foto: Warner Bros. Pictures / Divulgação / CP
Não citamos o suficiente meu amigo Jean Baudrillard. No entanto, só posso imaginar o que ele teria dito sobre esta época de crise global. Porque me lembro bem do que ele disse na noite de 11 de setembro de 2001. Estávamos os dois na Cidade do México. Antes de sentir pena e lamentar, Jean qualificou o acontecimento de "evento de imagem". Expressão que usou em um artigo no Le Monde e causou escândalo. Vale destacar, aliás, que se marcava "o colapso simbólico de um sistema", o que desenvolveu em “Power Inferno” (2002). “Evento imagem”: início de sua reflexão sobre o “simulacro”.
Isso nunca significou que ele era um homem frio e cruel. Pelo contrário. Mas sentiu antes dos outros o que o nosso tempo e, em particular, o jogo político, a geopolítica, tinha a ver com o simulacro: a obscenidade dos sentimentos e das emoções supostamente ditas em nome do povo enquanto este já não se sente mais representado por esta elite inchada e bufona, o que, de minha parte, chamei, usando uma expressão de Platão, de "teatrocracia" do político, portanto, de sua degeneração!
Para além do que o poeta Paul Claudel chamava de "rumor de causas secundárias", constituindo a essência das "análises" da oligarquia político-midiática, Jean Baudrillard analisou em profundidade o substrato essencial do estar-junto. Ou a contínua transmutação social da pós-modernidade. Claro, não éramos da mesma geração, e ele viveu com mais nostalgia do que eu o fim das modernas "grandes narrativas legitimadoras" (Jean François Lyotard), que haviam guiado sua juventude: tradução de Marx, militância pela independência da Argélia. Daí um certo pessimismo em suas análises, ou melhor, em suas posições públicas. Pode-se dizer que foi a partir dessa nostalgia que desenvolveu sua análise penetrante dos simulacros contemporâneos.
Ele foi, não nos esqueçamos, influenciado pelo grande livro de Guy Debord: “A sociedade do espetáculo”. Teve, eu me lembro com carinho, algumas discussões acaloradas com esse autor. Mas, com sua genialidade, mostrou como "farsa" e "simulação" eram o que chamava de "moeda de troca" de uma elite que não poderia ser mais anacrônica. Posso salientar, o que não foi notado por ninguém, que tendo recebido de um dos seus admiradores a obra completa de Tocqueville, a interpretação deste autor sobre "Democracia na América" influenciou sua análise a respeito da saturação do ideal democrático, que é o coração pulsante de suas propostas sobre o fenômeno do "simulacro".
Não esqueçamos, porém, que essa análise do simulacro fez parte de uma longa evolução de sua obra, iniciado antes de 1968 com “A Sociedade de Consumo” e “O Sistema dos Objetos”, continuada em “A Troca Simbólica e a Morte”, que considero um de seus principais livros porque prepara toda a série de trabalhos seguintes. A aproximação dessas obras marca claramente o paradoxo em que se encontrava Jean Baudrillard, grande leitor (e tradutor) do poeta Hölderlin: ele, entretanto, deplorava a perda de sentido (significação) nas trocas sociais. Certamente está longe da crítica moralista do simulacro como falsidade, mentira, superficialidade. Apesar de tudo, sentimos que a sua infância provinciana, o seu gosto pelos passeios e pelas colinas dos Corbières, fizeram com que não levasse a sério esses jogos de poder na superfície. O que não diria ele da encenação macabra de nossos governantes, de suas políticas espetaculares de sacrifício, do que constitui a essência do estar-junto, em favor de uma visão puramente quantitativa da vida?
*: Professor emérito da Sorbonne
Fonte: https://www.correiodopovo.com.br/cadernodesabado/olhar-singular-1.739294
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