sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

Ismos

 Marcelo Rubens Paiva*

Itamar Franco 

Itamar Franco assumiu a Presidência em 1992, depois do impeachment de Fernando Collor. Separado desde 1971, ele estava solteiro quando assumiu o cargo. Foto: Estadão

O itamarismo uniu petistas e tucanos e estabilizou a moeda: o dólar foi a menos de R$ 1

Sufixo nominal ismo vem do grego. Agrega seguidores de um mesmo pensamento, ideal, vício (alcoolismo, tabagismo), condição física (nanismo, autismo).

No jornalismo e meio acadêmico, o achismo é das práticas mais criticadas. Abusa do chute. Alguém escreve: “Isso vai acontecer”. O jornalismo de dados contesta: “Prove”. O colunista se finge de morto.

Movimentos culturais ganharam classificação: romantismo, realismo, surrealismo, modernismo. Cada qual tem semelhanças para serem amalgamadas numa mesma estética. Um ideal gera outro. Depois do monarquismo veio iluminismo. Do marxismo veio leninismo, que punha em prática o que a teoria defendia. Os pessimistas se esconderam na sombra do niilismo. Anarquismo e socialismo passaram a ser correntes de esquerda influentes.

Porém, com disciplina, comunistas logo tacharam numa campanha de difamação os primeiros de desordeiros, denominação que predomina, e os segundos de frouxos. Trotskismo e stalinismo se digladiaram. Posadismo era uma linha trotskista que acreditava que ETs iriam nos trazer o socialismo.

Na direita, surgiram o fascismo e o nazismo, que desidrata o indivíduo - nada mais do que um soldado numa peça da engrenagem social. Individualismo é a doutrina em estado de graça com o capitalismo e o consumismo. O liberalismo enxuga o Estado e deixa o mercado governar via pactos sociais e Pms.

Li outro dia: “Com a filiação de Sergio Moro, lulistas e ciristas uniram-se a bolsonaristas nos ataques ao desafeto”.

É uma redundância: petistas, lulistas e lulopetistas. O PT sempre foi encabeçado por Lula. Ciristas apoiam Ciro Gomes. O que diferem de getulistas, brizolistas, pedetistas? Cirista é aquele trabalhista que não leva desaforo pra casa, cujo traquejo político é instável.

Morismo ainda não virou doutrina. Assemelha-se ao sebastianismo: alguém aparecerá com sua espada para prender injustos e provar que a lei é para todos. O que tentou ser o bolsonarismo, que virou o ideal da destruição de todos os ismos - ideologias, instituições, adversários, que chama de inimigos, leis, minorias -, e propôs a instauração de um governo negacionista, que não aceita o diferente.

Mas existe uma ideologia desprezada, que merecia mais atenção: itamarismo. Não deu golpe no antecessor, nem lutou pela reeleição como o sucessor. Montou um governo com petistas e tucanos. Estabilizou a moeda, diminui a inflação. O PIB cresceu 10%.

Combateu com Betinho a miséria. Pediu a fabricação de Fuscas e Kombis; hoje o Brasil as exporta reformatadas. Solteiro bon vivant, gostava de carnaval. Nem ligava se a acompanhante era recatada e do lar. E o dólar foi a menos de R$ 1. Fez bem ao Brasil. 

* Marcelo Rubens Paiva é escritor, dramaturgo, roteirista, há anos trabalha na imprensa como cronista do mundo contemporâneo, de olhos atentos à política, cultura, neuroses urbanas de hoje e do passado

Fonte:  https://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,ismos,70003915028

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