Pedro Salgueiro*
Os seus problemas são múltiplos: currículos irrealistas elaborados por quem está longe da prática; turmas grandes demais, em salas de aula "autocarro", que impossibilitam um ensino personalizado; autoritarismo ou falta de autoridade.
No seu livro “School is Dead”, de 1971, Everett Reimer profetizava o fim da Escola. Vivia-se um tempo de grandes mudanças e Reimer entendia que a Escola, enquanto instituição, não iria conseguir sobreviver. A sua “ontologia industrial”, afirmava, conferia-lhe uma tal rigidez que, numa época de tamanhas convulsões sociais, redundaria certamente na sua extinção.
Os críticos radicais da Escola são considerados irrealistas e utópicos porque a criticam ferozmente sem de facto apresentarem alternativas credíveis. Reimer acusou esse toque e publicou, dois anos depois, uma edição revista e aumentada: “School is Dead – An essay on Alternatives in Education“, propondo alternativas à escolarização de massas. Alternativas que envolviam as autarquias, os museus, as igrejas, os ginásios, as academias, as associações cívicas, as livrarias e bibliotecas e, sobretudo, as famílias: “A nossa actual concepção de ensino e educação deve ser substituída por uma pluralidade de opções: a única forma de salvar a educação é devolvê-la aos pais e à sociedade como um todo”.
Passaram-se 50 anos. A Escola não morreu. Os seus problemas são múltiplos e há muito reconhecidos: currículos irrealistas elaborados por quem está longe da prática; turmas grandes demais, em salas de aula “autocarro”, que impossibilitam um ensino personalizado; autoritarismo ou falta de autoridade, associados a indisciplina e frequentes faltas de respeito (que terão outras origens mas que desaguam na Escola); estreiteza de ideais e de autonomia em muitas lideranças; desmotivação e desinteresse da parte de tantos professores e alunos, cansados dum modelo de ensino que parece ter parado no tempo; visão industrial do processo e da avaliação do conhecimento; burocracia e bullying…
Há uma certa Escola que pode muito bem morrer, para que outra Escola possa emergir.
Qualquer pessoa com os pés assentes na realidade de hoje dificilmente arrasaria a instituição Escola; até porque eventuais alternativas seriam muito difíceis de pôr em prática e articular. Se funciona, como aflorava Helena Marujo no seu livro “Optimismo e esperança na educação”, de 2004, é porque há, na instituição Escola, suficiente plasticidade e potencial que a permitem adaptar-se e continuar a existir e desempenhar a sua missão. A pandemia e os seus confinamentos vieram corroborar muito disto. Alguém me dizia que em três dias a Escola mudou mais que nos últimos trinta anos. É possível mudança.
Se é então certo que a Escola não morreu, nem (provavelmente) morrerá; não será menos real a crescente consciência coletiva (Durkheim) que apela a um urgente refundar desta nobre instituição. Há uma certa Escola que pode muito bem morrer, para que outra Escola possa emergir. Depois de quase dois anos tão desafiantes, também em âmbitos escolares, talvez seja chegada a altura de avançarmos mais por essa senda.
Participei em alguns modestos ensaios. Não tenho receitas. Aqui deixo só alguns possíveis contributos para uma inadiável refundação da Escola:
- Onde houver burocracia e mentalidade “fabril”: mais visão orgânica, de conjunto, e mais comunicação, flexibilidade e cuidado com cada um dos intervenientes na Escola. Um esforço sério (e hercúleo!) por personalizar e diferenciar cada estudante como único e irrepetível e evitar os múltiplos nivelamentos de todo o tipo (a Escola da Ponte continua a ser uma referência interpeladora, entre várias outras que vão surgindo um pouco como flores no asfalto!).
- Onde houver monopólio ou isolamento da Escola: mais abertura à comunidade e sociedade e mais parcerias e reflexões conjuntas com outras instituições (por exemplo, no congresso internacional de pedagogia que irá decorrer em fevereiro em Braga).
- Onde houver tecnologia a mais, ou a menos (a tecnologia está a obrigar a Escola a mudar): mais reflexão conjunta e procura do equilíbrio no seu uso. Também aqui, acredito mais em pequenas reformas muito consistentes do que em grandes revoluções que depois rebentam e volta tudo ao mesmo.
- Onde houver só “pedagogias românticas” ou só ensino “tradicional”: mais participação em programas de intercâmbio (como o Comenius) para professores e estudantes conhecerem outras sínteses possíveis. O ensino expositivo, tantas vezes demasiado sistemático e rotineiro, pode ser mais complementado com modelos de aprendizagem autónoma e tutoria de apoio.
- Onde houver…
- *Nasceu em Lisboa onde se formou em engenharia e mais tarde em educação
(pedagogia social). Tem trabalhado em educação e formação, como
professor e gestor de projetos. Fonte: https://pontosj.pt/opiniao/a-escola-morreu/ - Imagem da Internet
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