João Pedro Pereira –
Numa era de polarizações, as discussões não têm de ser todas de trincheiras. E o mundo, mesmo o mundo da tecnologia, nem sempre é binário.
Comecemos 2022 sem achar que tudo é uma questão de zero ou de um.
Começamos 2022 a olhar para o futuro em particular, para o que tem vindo a ser descrito como a próxima geração da Internet.
É possível que o leitor já se tenha deparado com o conceito de Web3, também chamada Web 3.0.
- Para alguns, é o futuro risonho do mundo online: descentralizado, sem as grandes corporações tecnológicas, assente em tecnologias abertas e escrutináveis por qualquer um.
- Para outros, é apenas uma amálgama pouco coesa de conceitos derivados da criptofebre.
Um parágrafo sobre como viemos até aqui.
A primeira geração da Web
- é a dos sites mais ou menos estáticos, que começaram a surgir na década de 1990 e que massificaram a Internet:
- páginas pessoais, sites de universidades, jornais e revistas online, a Amazon, o eBay e o Yahoo.
A Web 2.0 é a Web social:
- os blogues, o MySpace, o Facebook e o YouTube,
- em vez de apenas sites, passámos a ter plataformas online.
A Web 3.0, durante algum tempo, tinha um significado distinto do actual, pouco relevante na discussão de hoje. Para os interessados, já em 2009 escrevíamos no PÚBLICO sobre o assunto.
Chegamos assim à Web3 (ou a nova Web 3.0).
É a ideia de uma Internet assente em tecnologias descentralizadas, leia-se, a tecnologia de blockchain, popularizada com a bitcoin.
Numa penada muito incompleta,
- uma blockchain é uma base de dados de que qualquer pessoa pode ter uma cópia actualizada automaticamente,
- por oposição a uma base de dados que alguém (um banco, o Google) gere de forma centralizada.
Um ponto de partida para perceber as ideias da Web3
- é esta entrevista da Wired a Gavin Wood, co-fundador da ethereum, a plataforma em que assenta o ether (a segunda mais popular criptomoeda depois da bitcoin),
- e criador da Fundação Web3.
Como se percebe pergunta após resposta, o entrevistado cai nas falácias habituais dos tecno-utópicos:
- a maioria das organizações faz parte de um establishment nocivo;
- as transformações na sociedade passam pelas tecnologias informáticas (lembram-se de quando o Facebook queria ser uma plataforma para a vida pública?);
- a tecnologia é salvífica (uma aplicação para combater a Covid-19?);
- e a confiança entre pessoas deve ser substituída pela transparência e exactidão da tecnologia.
Este último argumento é tão central na Web3 quanto velho nas tecnologias de informação.
Wood argumenta que,
- como a tecnologia da Web3 é escrutinável (isto é, assenta em dados a que qualquer pessoa pode ter acesso e em código informático que qualquer um, teoricamente, pode interpretar),
- a confiança entre humanos deixa de ser necessária e o mundo será um lugar mais seguro.
Não é preciso ir longe para perceber a falha do argumento:
- a maioria das pessoas não tem conhecimentos para compreender as entranhas do código informático, da mesma forma que não compreende os meandros dos sistemas financeiros ou a engenharia que garante que as pontes não caem.
- Transparente ou não, open source ou não, uma confiança generalizada numa dada tecnologia informática implica que os utilizadores confiem em quem a cria ou em quem a regula.
Não há nada de novo aqui, excepto que a confiança geral em quem desenvolve tecnologia na Internet está em mínimos históricos.
Se chegou até este ponto da leitura,
- estará à espera de que a conclusão desta newsletter seja a de que a Web3 é uma utopia, na melhor das hipóteses,
- ou um logro, na pior.
Não tem de ser uma coisa ou outra.
- A televisão não matou a rádio,
- a Web 2.0 não matou os sites da Web 1.0
- e alguns conceitos da Web3 ajudarão a moldar o futuro da Internet, mesmo que não sejam exactamente o caminho da salvação.
Numa era de polarizações, as discussões não têm de ser todas de trincheiras. E o mundo, mesmo o mundo da tecnologia, nem sempre é binário.
Comecemos 2022 sem achar que tudo é uma questão de zero ou de um.
* João Pedro Pereira. Editor de Newsletters e Projectos Digitais
Fonte: Público/Lisboa
Fonte do Blog: http://www.padrescasados.org/archives/105490/ja-oiuviu-falar-do-futuro-da-internet/?utm_source=feedburner&utm_medium=email
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