Mariel*
Um novo velhinho em folha
O novo caminha em direção ao velho. Não há medo nem coragem que os aproxime ou afaste. Existe apenas um tranquilo conforto com o inevitável do encontro. Os dois se reconhecerão. O velho vem de longe no tempo e o novo corre na tarde que julga eterna. Ao perceberem que tudo os aproxima e difere, um tem lembranças das histórias que o outro ainda interpreta.
O jovem que se postou diante do Halley é o idoso que espiava, em outra transversal do tempo, o mesmo cometa em sua trajetória, lendas e lume. Em comum, os pedidos mágicos, diversos e diversificados, feitos nessas ocasiões enfeitadas de crenças. O moço queria ganhar dinheiro, comer torresmo, vencer na vida. O idoso já não lembra direito dos pedidos e aprendeu que um cometa não escreve destinos. Novo e velho. Dois hemisférios os separam. Ambos lindos em seus limites, ambos fortes, dois caminhantes, dois estudantes dos próprios mistérios.
Para o novo, o idoso tem as dores do estorvo. Na outra ponta, tudo é novo e sem julgamentos. A dupla se depara com as esfinges diárias que precisamos decifrar. O que é o que é? Que sonha com o tempo em que todos os cortadores de grama combinarão um dia para fazer barulho. O que é o que é? Que sublinha partes de um livro como quem tatua em si mesma aquela descoberta. O que é o que é? Que ama o filho como ninguém e não sabe bem o que fazer com isso.
Todo novo caminha em direção ao idoso, é sempre uma questão de tempo. E não importa a pergunta das esfinges: o encontro acontece. Então você foi ou não foi. Viveu seu amor ou o deixou por motivos tão diferentes quanto inexplicáveis. Andou pelado em ilha escura ou se conteve. Foi abraçado para nunca mais desabraçar ou cumprimentou o mundo meio de longe. Encontrou sua beleza, sua vocação, seu par, seu jeito de amar. Jogou toda semana no mesmo número de loteria. Mudou de emprego, votou no Ciro, mandou alguém morar em Cuba, ficou nervoso em todos os encontros ou manteve uma fleuma tão distinta quanto frágil. Que se iluminou ao ler algo inesperado ou na linha, na linha, na linha. Claro, há sutilizas, a coisa não pode ser reduzia a 8 ou 80. Mesmo que pudesse, os dois números também representam o infinito, quando bem-vistos.
É preciso um espaço feito de contenções para os jovens. Que dancem, brinquem, briguem, torçam para um time azarão no basquete, que vibrem com o Inter, que sejam insubstituíveis, que riam muito, que ralem os joelhos, que precisem estudar, que trabalhem mais cedo, que acreditem na Cruz Vermelha, que se frustrem, que aprendam a cozinhar, que se desajustem, que se doem por uma causa perdida e tudo bem se quiserem ser músicos em algum momento.
É preciso um espaço feito de contemplação para os idosos. Para que mostrem onde acertaram e onde tudo falhou. Para que ensinem algo sobre suas passagens pela Terra. Que tenham um afeto risonho e bom. Que se tornem boas conversas e surpreendam a sala com risadas. Que façam calos tentando montar algo, que perdoem seus arrependimentos. Que mostrem cicatrizes, que tenham dias felizes e comam queijo com goiabada às vezes. Que tenham valido os sustos e que ainda gostem de olhar um segundo a mais para o amor das suas vidas.
*Escritor, redator, produtor de conteúdo.
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