Cacá Diegues*
Não acho que seja um privilégio, não vejo graça nenhuma em disputar com parentes e amigos a visão inaugural dos piores desastres humanos, dos restos de um hospital pediátrico em Mariupol, hordas de mães ucranianas fugindo das bombas russas com seus bebês no colo mal protegido. Ainda mais porque, fora a observação do horror evidente nos rostos e nos gestos do povo da Ucrânia, não tenho como julgar o que se passa na cabeça e no coração dos russos responsáveis ou não pelas batalhas dessa guerra. Muitos deles podem ser também vítimas de seus comandantes mal intencionados.
Só sei que, por tudo que já sei, não vou com a cara de Vladimir Putin, nem gosto do que ele costuma defender. Mas nem por isso considero Volodymyr Zelensky intocável, um herói da humanidade. Um doce de criatura quando se trata de defender eslavos, no que está certíssimo; mas mais para o ausente quando se trata de dar guarida aos africanos que fogem de dificuldades econômicas e da perseguição política em seus países.
Quando vejo na televisão os constantes confrontos entre Putin e Zelensky, traduzidos às vezes apenas por coisas ditas ao azar, ou simples documentários produzidos por seus próprios jornalistas de fé, tenho a sensação de estar diante de um antigo encontro entre um eleitor petebista de Jango e um velho membro da ala jovem da UDN, no Brasil dos anos 1960. Entre outras coisas, não consigo tomar partido entre um e outro, embora prefira sempre ouvir Zelensky tocando seu violão e cantando, em dupla com a bela esposa, “My endless love”. Como está no vídeo que, como outros sortudos, recebi por WhatsApp em meu celular, o que certamente não representa uma preferência. Nem minha, nem dele.
Como fica difícil julgar quem se comporta com mais sinceridade, então só nos resta torcer. Torcer por um dos lados, como costumamos fazer num estádio de futebol; ou porque sempre amamos aquele time e aquela camisa de desenho abstrato e único; ou porque é aquele o futebol que de fato amamos e queremos ver. Seja por que motivo for, não nos entregamos por nada, temos razões suficientes e bem fundamentadas para preferir um rumo ao outro. Aliás, qual é mesmo o seu?
Numa semana em que a mulher, de um modo geral, foi tão mal tratada ou tratada gentilmente como um animalzinho que merece nossos cuidados, exatamente nessa semana deixamos que seus valores sejam resgatados em nome de uma convivência mais produzida entre nós e elas. Não importa exatamente se elas se sentem mais felizes ou infelizes, assim ou assado. Importa que é assim que podemos começar a resgatar nossas culpas em relação ao tratamento que a elas dedicamos, sejam ou não nossas companheiras.
Curiosamente escrevo esse texto no fim da tarde de sexta feira, dia 11 de março, dia em que se comemora Santa Tecla de Icônio, uma santa do século I que foi convertida e batizada por São Paulo. Só muito recentemente descobri que esse é também o dia de Santa Flora, uma santa espanhola que gostava muito de viver. Um dia, conto para vocês a história dela.
* Diretor de cinema, ensaísta, roteirista e produtor.
Imagem da Internet: Santa Tecla
Fonte:https://oglobo.globo.com/cultura/um-dia-santo-1-25429517
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