sexta-feira, 4 de março de 2022

Um muro na República Dominicana

Elaine Tavares*



Foto: Re­pú­blica Do­mi­ni­cana e Haiti di­videm a mesma ilha no Ca­ribe. Pri­meira etapa do muro terá 54 quilô­me­tros e cus­tará um bi­lhão de pesos. Será um misto de con­creto e es­tru­tura me­tá­lica, com 19 torres de vi­gi­lância e 10 portas de acesso, que con­tarão com pa­trulha ar­mada. Re­pro­dução.

Os Es­tados Unidos se­guem sendo o maior exemplo para o mundo, prin­ci­pal­mente no que diz res­peito ao com­bate à po­breza que é criada pelos seus go­vernos, su­ces­si­va­mente. A téc­nica sempre é a de com­bater o em­po­bre­cido e não a po­breza em si. Por isso, desde há dé­cadas for­ta­lecem suas fron­teiras com o res­tante da Amé­rica Baixa usando sol­dados for­te­mente ar­mados e muros. A ideia é não per­mitir a en­trada das hordas de de­ses­pe­rados e fa­mintos que fogem dos seus países acos­sados pelas po­lí­ticas im­postas por eles, evi­tando assim que essa gente rei­vin­dique seu qui­nhão. A ex­ceção é com os cu­banos que de­sistem de viver no so­ci­a­lismo. Esses são re­ce­bidos com honras e ainda re­cebem casa e tra­balho.

A ideia de muro foi re­pro­du­zida também em Is­rael, seu par­ceiro econô­mico e po­lí­tico. Lá, os si­o­nistas in­vadem o ter­ri­tório pa­les­tino e vão er­guendo imensos muros para con­trolar a en­trada e a saída dos ver­da­deiros donos das terras, im­pondo hu­mi­lhação e vi­o­lência. Quilô­me­tros e quilô­me­tros de con­creto que eles julgam ser capaz de deter a fome de li­ber­dade. Não detém! Assim como os muros da fron­teira es­ta­du­ni­dense não con­se­guem deter os de­ses­pe­rados que so­nham em viver no tal “mundo livre”.

Pois agora um pe­queno país do Ca­ribe de­cidiu adotar o mesmo exemplo dos EUA e apostar na cons­trução de muro para im­pedir a en­trada dos de­ses­pe­rados. É a Re­pú­blica Do­mi­ni­cana, que faz fron­teira com o Haiti. Essa se­mana o pre­si­dente Luis Abi­nader ini­ciou – com pompa e cir­cuns­tância – essa in­fâmia contra os vi­zi­nhos. O muro terá uma pri­meira etapa de 54 quilô­me­tros e cus­tará um bi­lhão de pesos. Será um misto de con­creto e es­tru­tura me­tá­lica, com 19 torres de vi­gi­lância e 10 portas de acesso, que con­tarão com pa­trulha ar­mada.

Esta obra terá sequência num se­gundo mo­mento quando serão in­ves­tidos ou­tros tantos mi­lhões em tec­no­logia in­te­li­gente, com sen­sores de mo­vi­mentos, câ­meras de se­gu­rança e drones de alta ca­pa­ci­dade. O total do muro será de 173 quilô­me­tros, pra­ti­ca­mente a me­tade da linha de fron­teira que soma 391 quilô­me­tros. O pre­si­dente diz que a me­dida é para evitar o trá­fico de drogas e armas e con­trolar o fluxo mi­gra­tório in­tenso. Atu­al­mente vivem mais de 500 mil hai­ti­anos no país.

É sempre im­por­tante lem­brar que o Haiti é um país de­vas­tado desde 2004 quando os Es­tados Unidos de­ci­diram depor o pre­si­dente de­mo­cra­ti­ca­mente eleito e im­pu­seram uma in­vasão que eles chamam de “ocu­pação hu­ma­ni­tária”. Com sol­dados das Na­ções Unidas, li­de­rados pelo Brasil, teve início mais um ciclo de des­graça para o povo hai­tiano, tudo para “manter a ordem” da de­sordem cau­sada pelo im­pe­ri­a­lismo es­ta­du­ni­dense. Ou seja, a mesma velha fór­mula: eles de­ses­ta­bi­lizam para de­pois anun­ci­arem a es­ta­bi­li­zação que só gera mais de­ses­ta­bi­li­zação e de­pen­dência.

Pois a ação dos sol­dados das Na­ções Unidas no Haiti gerou exa­ta­mente o es­pe­rado e hoje, de­pois de anos ocu­pando o país, a tal da Mi­nustah deixou o Haiti ainda mais des­tro­çado, sem um go­verno capaz de con­duzir os des­tinos da nação de ma­neira so­be­rana e autô­noma. O que resta são os tí­teres, muitos deles mer­gu­lhados em cor­rupção, que vão en­gor­dando suas contas ban­cá­rias com a ajuda in­ter­na­ci­onal que apesar de ge­ne­rosa não se ex­pressa na vida dos hai­ti­anos. Por isso mesmo muitos deles en­con­tram na fuga de­ses­pe­rada a saída para so­bre­viver. E a Re­pú­blica Do­mi­ni­cana, por estar ali, ao al­cance dos pés, é a pri­meira opção. Mas, em vez de aco­lher os ir­mãos que co­a­bitam a mesma ilha, a res­posta é o muro. E tem a apro­vação de grande parte da po­pu­lação.

Con­forme anun­ciou o pre­si­dente Abi­nader, a Re­pú­blica Do­mi­ni­cana se­guirá tendo re­la­ções co­mer­ciais com o Haiti, mas “não po­demos tomar para nós a res­pon­sa­bi­li­dade sobre a ins­ta­bi­li­dade po­lí­tica que ali existe e tam­pouco re­solver seus pro­blemas”. Ou­tros po­lí­ticos lo­cais afirmam que o muro pode mandar uma "boa e po­de­rosa men­sagem" ao mundo, fa­zendo com que os de­mais países ajudem o Haiti. Que es­tranha so­li­da­ri­e­dade.

Pelo que se sabe, ao re­me­morar a his­tória dos muros, não há re­gis­tros de que eles sus­citem ajuda. O muro dos Es­tados Unidos segue sendo a cova de mi­lhares de la­tino-ame­ri­canos todos os anos, o muro de Is­rael é a prova viva do horror e ou­tros tantos muros nas fron­teiras só servem para oprimir e causar so­fri­mento. Não é sur­pre­en­dente lem­brar que apenas a queda do muro de Berlim tenha sido tão es­pe­rada e sau­dada. Al­guém ar­risca ex­plicar por quê?

* Jornalista. Colaboradora do Instituto de Estudos Latino-americanos da UFSC.

Fonte: https://www.correiocidadania.com.br/2-uncategorised/14947-um-muro-na-republica-dominicana

Elaine Tavares é jornalista e colaboradora do Instituto de Estudos Latino-Americanos da UFSC
Elaine Tavares é jornalista e colaboradora do Instituto de Estudos Latino-Americanos da UFSC
Elaine Tavares é jornalista e colaboradora do Instituto de Estudos Latino-Americanos da UFSC

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