terça-feira, 22 de março de 2022

Por que a meta para 2022 é não ter meta nenhuma

Não se encher de metas é uma atitude salubre e de autopreservação, segundo especialistas 

Foto: Kelly Sikkema/Unsplash

Cansaço com a pandemia e incertezas políticas e econômicas geraram alta exigência psíquica, o que fez com que as pessoas buscassem 'dar um tempo' das tradicionais resoluções de ano novo 

 
Não se encher de metas é uma atitude salubre e de autopreservação, segundo especialistas

Emagrecer, economizar mais dinheiro, ler ao menos um livro por mês, trocar de carro, começar a fazer algum exercício físico. Os últimos dias do ano costumam ser um período de estabelecer metas e objetivos pessoais. Não raro, a lista se repete ano a ano, e o que era para ser um projeto se torna um fardo. Por isso, muita gente vem pregando que a meta para 2022 é não ter meta nenhuma.

O período prolongado da pandemia, as incertezas políticas e econômicas que rondam o país e situações como luto, trauma e mudanças no cotidiano trouxeram uma fadiga que reorganizou as expectativas, dizem especialistas ouvidos pelo Nexo. Mesmo assim, o brasileiro está otimista para 2022, segundo pesquisa Datafolha divulgada no dia 23 de dezembro. O levantamento, realizado entre os dias 13 e 16 com 3.666 brasileiro em 191 municípios, mostra que 73% esperam que o próximo ano seja melhor do que 2021.

Abaixo, o Nexo conversa com especialistas em psicologia sobre as diferentes formas de encarar objetivos e desejos na virada do ano. Eles também dão dicas de como estabelecer metas mensuráveis – mas só se você quiser.

Não confunda métricas com falta de desejo

Retrair as expectativas é uma atitude própria para o momento, e vai de acordo com o espírito de autotolerância, diz o psicanalista Christian Dunker, professor do do Instituto de Psicologia da USP e autor de livros como Mal-estar, sofrimento e sintoma. É algo que nos orienta para uma espécie de redução da função excessivamente coercitiva, e do que Freud chamava de superegóica dos ideais. Nem todos os ideais precisam ter o sentido de observação, julgamento e punição. É próprio do universo neoliberal transformar isso, que é uma função psíquica, em um fator de produtividade, disse ao Nexo.

Dunker alerta, porém, que a fadiga decorrente de um excesso de trabalho não pode ser confundida com o desejo e suas diferentes expressões. Logo, é importante que não se entre no modo de desejar menos para ter menos trabalho. Não seria interessante sair de uma trajetória como essa brigado com o desejo, de ser um trabalho que a gente não pode se dar ao luxo. Pelo contrário. É o momento de uma abertura do desejo e da deflação de metas e contabilização.

Guilherme Navarro, psiquiatra clínico e forense e professor da Faculdade de Saúde e Ecologia Humana, de Minas Gerais, lembra que faz parte da estrutura subjetiva das pessoas ter desejos e desejar coisas. Não conseguimos fugir muito disso, nossos desejos pulsam, disse ao Nexo.

Entretanto, a pandemia, segundo Navarro, escancarou para as pessoas uma série de questões limitadoras para colocar desejos e objetivos em prática, o que gerou uma certa desilusão. A gente percebeu que as possibilidades de acesso material para a conclusão de desejos e objetivos não se distribui igualmente. E na pandemia, essas desigualdades ficaram mais abissais.

Por isso, o psiquiatra enfatiza que nem sempre o desejo pessoal será colocado na esteira metas para 2022". "O tempo e as possibilidades variam de pessoa para pessoa, sobretudo num ano com tanto isolamento, solidão, morte e questões de diversas ordens. Nem para todas as pessoas essas metas são algo saudável no momento. Se a pessoa está conectada com o que deseja e quer concretizar um objetivo materialmente falando, ótimo, sem problemas. Mas isso não pode ser uma imposição, disse Navarro ao Nexo.

Publicação da Opas (Organização Pan-Americana da Saúde) divulgada no final de novembro de 2021 aponta que há em curso uma crise de saúde mental nas Américas causada pela covid-19. No Brasil, 4 em 10 brasileiros tiveram problemas de ansiedade. A incidência da patologia quintuplicou no Peru e quadruplicou no Canadá, de acordo com o relatório. Está tudo bem repousar. Depois de um ano de tanto trabalho, informação e mudanças, o propósito do fim de ano é que a pessoa possa, em paz, frear um pouco e reunir energias. E não se preocupar o tempo todo com o que está por vir, orienta Guilherme Navarro.

Meta é bem-estar?

Para a psicóloga Carolina Farias da Silva Bernardo, especialista em terapia cognitivo-comportamental, psicologia positiva e colaboradora do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP, a ojeriza que parte das pessoas vêm demonstrando com as metas nesta virada de 2021 para 2022 tem a ver com a confusão que se estabelece entre meta e bem-estar.

Muitas vezes a meta é feita só com o foco na realização: trocar de carro, ganhar um salário melhor, ter um apartamento. O que a ciência diz sobre bem-estar é que o ideal é não focar só nisso, mas pensar em emoções positivas, sentir prazer no dia a dia, disse Bernardo ao Nexo. Segundo ela, o pensamento dicotômico de não fazer nenhuma meta versus se encher de meta é complexo. O caminho do meio é mais realista. Às vezes não escrevo a meta no papel, mas não significa que eu não a tenha. Pensar qual é a minha necessidade no próximo ano e o que aumenta o bem-estar talvez dê pistas sobre os objetivos.

O psiquiatra Guilherme Navarro alerta que a meta pode ser estabelecida se fizer sentido com os valores pessoais de cada um, mas não para atender ao desejo dos outros. Isso pode deixar um vazio. E aí a pessoa precisa de outra coisa para preencher e nem sabe exatamente o que é. Está tudo bem não ter um objetivo grandioso, e está tudo bem ter também. O importante é se conectar com o desejo interno e se existem possibilidades morais e materiais para a execução desses objetivos, falou ao Nexo.

Quer atingir metas? Siga esses passos

Christian Dunker indica que o crucial é distinguir meta, sonho e objetivo. Meta vem junto com métrica, e forma objetividade. Um sonho pode se realizar no seu processo, no sentido de que caminhei na direção correta. E os objetivos são uma conciliação entre eles, explica.

A psicóloga Carolina Bernardo diz ser possível estabelecer metas sem colocar expectativas exageradas, tomando os seguintes cuidados:

  • Não foque apenas em realizações materiais e reflita sobre quais são os seus valores pessoais. Pense em pequenas coisas que podem ser incluídas no dia a dia para melhorar o bem-estar (um tempo de descanso, conversar com um amigo, fazer uma caminhada breve, etc).
  • Entenda quais atividades o deixam triste, com raiva ou medo. Emoções desconfortáveis, diz Bernardo, fazem parte da vida, mas não podem se sobressair. Caso se sobressaiam, é importante procurar ajuda profissional.
  • Trace as metas de forma simples e específicas. Bernardo exemplifica: se a pessoa sabe que não se engaja na academia, procure um outro esporte. Se sabe que não poderá se exercitar todos os dias, seja honesto e estabeleça a quantidade de dias que for factível.
  • Olhe para o contexto de forma realista, e foque no que depende de você, e não no que depende dos outros. "A vida tem imprevistos e intempéries que não controlamos. Soluções perfeitas aumentam o grau de frustração", frisa Bernardo. Fonte:  https://www.nexojornal.com.br/expresso/2021/12/30/Por-que-a-meta-para-2022-%C3%A9-n%C3%A3o-ter-meta-nenhuma

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