Foto: Kelly Sikkema/Unsplash
Cansaço com a pandemia e incertezas políticas e econômicas geraram alta exigência psíquica, o que fez com que as pessoas buscassem 'dar um tempo' das tradicionais resoluções de ano novo
Emagrecer, economizar mais dinheiro, ler ao menos um livro por mês, trocar de carro, começar a fazer algum exercício físico. Os últimos dias do ano costumam ser um período de estabelecer metas e objetivos pessoais. Não raro, a lista se repete ano a ano, e o que era para ser um projeto se torna um fardo. Por isso, muita gente vem pregando que a meta para 2022 é não ter meta nenhuma.
O período prolongado da pandemia, as incertezas políticas e econômicas que rondam o país e situações como luto, trauma e mudanças no cotidiano trouxeram uma fadiga que reorganizou as expectativas, dizem especialistas ouvidos pelo Nexo. Mesmo assim, o brasileiro está otimista para 2022, segundo pesquisa Datafolha divulgada no dia 23 de dezembro. O levantamento, realizado entre os dias 13 e 16 com 3.666 brasileiro em 191 municípios, mostra que 73% esperam que o próximo ano seja melhor do que 2021.
Abaixo, o Nexo conversa com especialistas em psicologia sobre as diferentes formas de encarar objetivos e desejos na virada do ano. Eles também dão dicas de como estabelecer metas mensuráveis – mas só se você quiser.
Não confunda métricas com falta de desejo
Retrair as expectativas é uma atitude própria para o momento, e vai de acordo com o espírito de autotolerância, diz o psicanalista Christian Dunker, professor do do Instituto de Psicologia da USP e autor de livros como “Mal-estar, sofrimento e sintoma”. “É algo que nos orienta para uma espécie de redução da função excessivamente coercitiva, e do que Freud chamava de superegóica dos ideais. Nem todos os ideais precisam ter o sentido de observação, julgamento e punição. É próprio do universo neoliberal transformar isso, que é uma função psíquica, em um fator de produtividade”, disse ao Nexo.
Dunker alerta, porém, que a fadiga decorrente de um excesso de trabalho não pode ser confundida com o desejo e suas diferentes expressões. Logo, é importante que não se entre no modo de desejar menos para ter menos trabalho. “Não seria interessante sair de uma trajetória como essa brigado com o desejo, de ser um trabalho que a gente não pode se dar ao luxo. Pelo contrário. É o momento de uma abertura do desejo e da deflação de metas e contabilização.”
Guilherme Navarro, psiquiatra clínico e forense e professor da Faculdade de Saúde e Ecologia Humana, de Minas Gerais, lembra que faz parte da estrutura subjetiva das pessoas ter desejos e desejar coisas. “Não conseguimos fugir muito disso, nossos desejos pulsam”, disse ao Nexo.
Entretanto, a pandemia, segundo Navarro, escancarou para as pessoas uma série de questões limitadoras para colocar desejos e objetivos em prática, o que gerou uma certa desilusão. “A gente percebeu que as possibilidades de acesso material para a conclusão de desejos e objetivos não se distribui igualmente. E na pandemia, essas desigualdades ficaram mais abissais.”
Por isso, o psiquiatra enfatiza que nem sempre o desejo pessoal será colocado na esteira “metas para 2022". "O tempo e as possibilidades variam de pessoa para pessoa, sobretudo num ano com tanto isolamento, solidão, morte e questões de diversas ordens. Nem para todas as pessoas essas metas são algo saudável no momento. Se a pessoa está conectada com o que deseja e quer concretizar um objetivo materialmente falando, ótimo, sem problemas. Mas isso não pode ser uma imposição”, disse Navarro ao Nexo.
Publicação da Opas (Organização Pan-Americana da Saúde) divulgada no final de novembro de 2021 aponta que há em curso uma crise de saúde mental nas Américas causada pela covid-19. No Brasil, 4 em 10 brasileiros tiveram problemas de ansiedade. A incidência da patologia quintuplicou no Peru e quadruplicou no Canadá, de acordo com o relatório. “Está tudo bem repousar. Depois de um ano de tanto trabalho, informação e mudanças, o propósito do fim de ano é que a pessoa possa, em paz, frear um pouco e reunir energias. E não se preocupar o tempo todo com o que está por vir”, orienta Guilherme Navarro.
Meta é bem-estar?
Para a psicóloga Carolina Farias da Silva Bernardo, especialista em terapia cognitivo-comportamental, psicologia positiva e colaboradora do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP, a ojeriza que parte das pessoas vêm demonstrando com as metas nesta virada de 2021 para 2022 tem a ver com a confusão que se estabelece entre meta e bem-estar.
“Muitas vezes a meta é feita só com o foco na realização: trocar de carro, ganhar um salário melhor, ter um apartamento. O que a ciência diz sobre bem-estar é que o ideal é não focar só nisso, mas pensar em emoções positivas, sentir prazer no dia a dia”, disse Bernardo ao Nexo. Segundo ela, o pensamento dicotômico de não fazer nenhuma meta versus se encher de meta é complexo. “O caminho do meio é mais realista. Às vezes não escrevo a meta no papel, mas não significa que eu não a tenha. Pensar qual é a minha necessidade no próximo ano e o que aumenta o bem-estar talvez dê pistas sobre os objetivos.”
O psiquiatra Guilherme Navarro alerta que a meta pode ser estabelecida se fizer sentido com os valores pessoais de cada um, mas não para atender ao desejo dos outros. “Isso pode deixar um vazio. E aí a pessoa precisa de outra coisa para preencher e nem sabe exatamente o que é. Está tudo bem não ter um objetivo grandioso, e está tudo bem ter também. O importante é se conectar com o desejo interno e se existem possibilidades morais e materiais para a execução desses objetivos”, falou ao Nexo.
Quer atingir metas? Siga esses passos
Christian Dunker indica que o crucial é distinguir meta, sonho e objetivo. “Meta vem junto com métrica, e forma objetividade. Um sonho pode se realizar no seu processo, no sentido de que caminhei na direção correta. E os objetivos são uma conciliação entre eles”, explica.
A psicóloga Carolina Bernardo diz ser possível estabelecer metas sem colocar expectativas exageradas, tomando os seguintes cuidados:
- Não foque apenas em realizações materiais e reflita sobre quais são os seus valores pessoais. Pense em pequenas coisas que podem ser incluídas no dia a dia para melhorar o bem-estar (um tempo de descanso, conversar com um amigo, fazer uma caminhada breve, etc).
- Entenda quais atividades o deixam triste, com raiva ou medo. Emoções desconfortáveis, diz Bernardo, fazem parte da vida, mas não podem se sobressair. Caso se sobressaiam, é importante procurar ajuda profissional.
- Trace as metas de forma simples e específicas. Bernardo exemplifica: se a pessoa sabe que não se engaja na academia, procure um outro esporte. Se sabe que não poderá se exercitar todos os dias, seja honesto e estabeleça a quantidade de dias que for factível.
- Olhe para o contexto de forma realista, e foque no que depende de você,
e não no que depende dos outros. "A vida tem imprevistos e intempéries
que não controlamos. Soluções perfeitas aumentam o grau de frustração",
frisa Bernardo. Fonte: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2021/12/30/Por-que-a-meta-para-2022-%C3%A9-n%C3%A3o-ter-meta-nenhuma
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