Rosely Sayão*
Todo adulto deve aceitar sua responsabilidade em relação às crianças que convivem com ele
A família passou do singular ao plural.
Antes, havia "a família". Quando nos referíamos a essa instituição todos
compartilhavam da mesma ideia: um homem e uma mulher unidos pelo
casamento, seus filhos e mais os parentes ascendentes, descendentes e
horizontais. E, como os filhos eram vários, a família era bem grande,
constituída por adultos de todas as idades e mais novos também.
Pai, mãe, filhos, tios e tias, primos e primas, avós etc. eram palavras
íntimas de todos, já que sempre se pertence a uma família. Quando as
palavras "madrasta" ou "padrasto" ou mesmo "enteado" precisavam ser
usadas para designar um papel em um grupo familiar, o fato sempre
provocava um sentimento de pena. É que na época da família no singular
isso só podia ter um significado: a morte de um dos progenitores.
E o que dizer, então, da expressão "filho de casal separado"? Nossa, isso só podia ser um mau sinal.
Mas essa ideia de família só sobreviveu intacta até os anos 60. Daí em
diante "a família" se transformou em "as famílias". Os grupos familiares
mudaram, as configurações se multiplicaram. Hoje, são tantas as
formações que, creio eu, não conseguiríamos elencá-las.
O tamanho da família diminuiu -e não apenas por uma redução no número de
filhos, mas também porque papéis antes tão íntimos tornaram-se
distantes. Tios e tias ou mesmo primos e primas passaram a nomear antes
pessoas próximas do que parentes de fato.
Aliás, as palavras tio e tia passaram a servir para os mais novos
nomearem qualquer adulto: professora, médico, pai do colega, entre
outros. E, às vezes, essas palavras até são usadas de forma pejorativa:
quem não conhece uma propaganda de carro afirmando que o modelo não é
para um "tiozão"?
Por outro lado, palavras antes distantes e temidas, como madrasta e
padrasto, tornaram-se íntimas de muitas crianças e muitos jovens no
tempo da família no plural. Um grande ganho no tempo da diversidade.
Mas há alguns problemas que precisamos enfrentar nesse contexto. O
primeiro deles: qual é a responsabilidade das pessoas que assumem tais
papéis perante os mais novos?
Conheço crianças que se referem a essas pessoas como "a namorada de meu
pai" ou "o marido de minha mãe". Outras chamam as pessoas que ocupam
esse lugar de tia ou tio. Poucas nomeiam essas pessoas de madrastas ou
padrastos. O que isso pode significar?
Pode apontar, por exemplo, que nós ainda não conseguimos superar a
antiga concepção dessas figuras, quando substituíam o lugar de alguém
que havia morrido. Como hoje as pessoas estão bem vivas e exercendo
ativamente seu papel de mãe ou pai, resta um constrangimento social com a
palavra, não é?
Mas pode também significar que os adultos não aceitam sua
responsabilidade no convívio com essas crianças. E essa recusa não se
limita ao novo marido ou à nova mulher, mas também aos ex.
Compreensível, já que vivemos na era da posse absoluta dos filhos. Outro
dia ouvi várias mães dizerem: "Na educação do MEU filho, ninguém se
mete". Quem vai querer comprar essa briga?
Os mais novos perdem muito com essa nossa postura. Perdem oportunidades
de uma relação educativa diferente e rica, por exemplo. E perdem o
referencial de que todo adulto é responsável pelas crianças que com ele
convivem. Ou não?
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