Entrevista da 2ª Manuel Castells
Sociólogo diz que alcance real dos protestos depende das condições de quem os lê
O franquismo dominava a cena espanhola quando um estudante de 18 anos
decidiu entrar nos cinemas de Barcelona para alterar seu enredo.
Escolheu salas na periferia, aproveitou a escuridão para deixar folhetos
de protesto nas cadeiras e terminou a noite com uma sensação: "As
palavras que eu havia transmitido poderiam mudar algumas mentes que
acabariam por mudar o mundo".
O objetivo principal não foi alcançado, e a ditadura espanhola perdurou
até os anos 1970. Décadas mais tarde, ao descrever seu ato, Manuel
Castells concluiu que ignorava coisas importantes da comunicação. "Não
sabia que a mensagem só é eficaz se o destinatário estiver disposto a
recebê-la e se for possível identificar o mensageiro e ele for de
confiança", escreveu.
O jovem revolucionário acabou exilado em Paris, onde deu início a uma
trajetória que fez dele um dos mais destacados sociólogos do mundo.
Famoso por estudar sobre poder das redes e o impacto social da
informação, Castells diz, em entrevista por e-mail, que o Facebook
sozinho não é capaz de mudar a história.
Folha - Os jovens espanhóis que saíram várias vezes às ruas e
acamparam em lugares como a praça Catalunya [na região central de
Barcelona] continuam sem emprego, e a coisa piorou desde então. O
movimento fracassou?
Manuel Castells - É a única esperança que sobra em um país com
27% de desemprego, 53% de desemprego juvenil e com apenas 26% dos
cidadãos neste momento apoiando um dos dois grandes partidos.
Hoje, 70% da população concorda com o movimento, porém não existe, por
ora, uma expressão política institucional dessa crítica frontal a todo o
sistema. Mas a mudança já aconteceu na cabeça das pessoas. E isso é o
essencial na mudança social.
O sr. diz que esses novos movimentos, nascidos na internet, estão
recriando a democracia. Mas no Brasil não é incomum que protestos
organizados por dezenas de milhares no Facebook não cheguem a reunir
centenas de pessoas na rua. Esses movimentos têm mesmo toda essa
capacidade?
Isso depende das condições de cada país. Na Espanha, chegaram a ser
centenas de milhares. Nos Estados Unidos, aconteceram ocupações urbanas
em mil cidades. Na Itália, saiu daí o movimento Cinco Estrelas, o
partido mais votado [nas eleições parlamentares deste ano]. No Chile, os
estudantes mudaram o panorama político do país.
Mas é claro que não basta um manifesto no Facebook para mobilizar
milhares de pessoas. Isso depende do nível de descontentamento popular e
da capacidade de mobilização de imagens e palavras. A internet é uma
condição necessária mas não suficiente para que existam movimentos
sociais.
Se o que aconteceu na Itália com Beppe Grillo [líder do Cinco
Estrelas] pode ser considerado um desses movimentos, pergunto: para que
ele serviu então? [Embora fosse o partido mais votado, recusou-se a negociar e acabou ficando fora do novo governo.]
O Cinco Estrelas se situa entre o movimento e a política, mas surge de
um clamor, que existe na sociedade italiana, por uma verdadeira
democracia. O que aconteceu é que seu êxito bloqueou um sistema corrupto
a serviço de uma classe política que na Itália se chama "A Casta".
E o Partido Democrático, em vez de desmentir as suspeitas e mudar suas
práticas, faz um governo de aliança com [Silvio] Berlusconi, depois de
fazer uma campanha para acabar com ele.
É provável que o Partido Democrático se fracione e que aconteça uma
recomposição do sistema político. O Cinco Estrelas não é um partido do
governo, mas é uma força que faz o sistema se regenerar.
Como o sr. vê a evolução da crise de representação dos Parlamentos, e que papel a imprensa tem nisso?
Todos os dados mundiais, exceto os da Escandinávia, mostram o
desprestígio total dos políticos, partidos e parlamentos. Se os cidadãos
pudessem, mandariam todos embora, mas o sistema bloqueou as saídas.
A imprensa costuma estar mediada pelos empresários e por suas alianças
políticas. Felizmente, a liberdade de comunicação tem dois aliados
fundamentais: o profissionalismo dos jornalistas e a rede.
Marina Silva propõe a criação de um novo partido político, que tem o
nome simbólico de Rede. É possível para um político que esteve nos
partidos tradicionais reinventar-se nesses novos movimentos?
Em geral, eu diria que não. Mas, conhecendo Marina Silva, se alguém tem a
possibilidade de fazer isso, seria ela. Terá, entretanto, de enfrentar
todo o sistema, porque um ponto sob o qual todos os partidos estão de
acordo é manter o monopólio conjunto do poder.
Os chineses aprenderam a controlar a rede? Seu firewall [muro de
censura na rede] já é reconhecido como um exemplo de sucesso
tecnológico, como disse a revista "The Economist".
Não. Como dizem meus amigos hackers chineses, a Grande Barreira é um
tigre de papel. O controle se faz com robôs que utilizam palavras-chave,
como Tiananmen [o nome local para a Praça da Paz Celestial], basta não
usar essas palavras.
Mesmo que tenham introduzido novas medidas tecnológicas, não há como
controlar os milhões de blogs individuais, que são onde se gera o debate
social ""não na página da "Economist" na web.
O que será do Facebook em cinco anos? Se o Facebook quer ser o
"melhor jornal personalizado do mundo", como disse Mark Zuckerberg, como
ficará sua relação com os meios tradicionais?
Nunca faço previsões. Mas o Facebook tem sucesso porque é personalizado.
Qualquer tentativa de utilizar as pessoas em vez de ser utilizado por
elas levará a uma competição com centenas de outros, como aquela em que o
Facebook liquidou o MySpace. Quem não tem boa perspectiva são os meios
de comunicação tradicionais, a menos que se reconvertam no modelo de
"jornalismo em rede" que tenho analisado recentemente.
Aos poucos se está mudando o consumo de informação na rede para um
modelo em que nem tudo o que está nela é gratuito. Como vê o futuro do
jornalismo nesse sentido?
É um grave erro cobrar por informação na rede, a menos que a informação
seja profissionalmente relevante, como no caso do [jornal americano de
economia] "Wall Street Journal". Com as alternativas que existem na
rede, o que acontece é que simplesmente se desvia o fluxo de leitores
para outros canais informativos e de debate.
Há 14 anos, o sr. esteve no programa "Roda Viva", da TV Cultura, e
disse que São Paulo tinha uma terrível gestão urbana, comparando-a à de
Barcelona. Por que as metrópoles brasileiras não conseguem dar o passo
que deu Barcelona, mesmo numa transformação tão grande como a de agora
para o Mundial?
Barcelona tem muito mais problemas atualmente, mas, ainda assim, é uma
das melhores cidades do mundo, e a qualidade da administração municipal é
um fator importante para esse resultado.
As metrópoles brasileiras têm muito mais dificuldades objetivas, por
seus níveis de pobreza, de violência e da força dos interesses
especulativos no solo urbano e nas infraestruturas de transporte e de
serviços.
Se houvesse um pacto entre partidos e instituições para deixar de lado
diferenças partidárias e fazer um projeto de gestão urbana, estou seguro
de que seria tecnicamente possível. Hoje, existem recursos e capacidade
profissional no Brasil para melhorar a gestão urbana. É preciso vontade
política e sentido de serviço ao cidadão.
IDADE: 71 anos
NA ACADEMIA: professor da Universidade Aberta da Catalunha e da Universidade do Sul da Califórnia; professor emérito da Universidade de Berkeley
LIVROS: "Networks of Outrage and Hope: Social Movements in the Internet Age", de 2012, ainda sem tradução para o português, e "Communication Power" ("O Poder da Comunicação"), de 2009, entre outros
Raio X Manuel Castells
NA ACADEMIA: professor da Universidade Aberta da Catalunha e da Universidade do Sul da Califórnia; professor emérito da Universidade de Berkeley
LIVROS: "Networks of Outrage and Hope: Social Movements in the Internet Age", de 2012, ainda sem tradução para o português, e "Communication Power" ("O Poder da Comunicação"), de 2009, entre outros
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Reportagem por ROBERTO DIAS SECRETÁRIO-ASSISTENTE DE REDAÇÃO
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/112107-nao-basta-um-manifesto-nas-redes-sociais-para-mobilizar-as-pessoas.shtml
Imagem da Internet
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