Ao expressar minha crença a amigos da possibilidade de hackear o amor, enfrentei uma enxurrada de reações, entre risos e resmungos. Comecei a refletir sobre a complexidade do amor contemporâneo, especialmente no contexto dos aplicativos, como Tinder, agora turbinados por IAs.

O amor, seja compaixão, filial ou romântico, é sempre moldado por influências externas. Amamos porque temos o imperativo biológico de amar e porque somos ensinados a amar. Agora, estamos vendo uma formidável mudança: amor virou um produto, impulsionado e manipulado por algoritmos e dados. Em um aplicativo de relacionamento, a construção do amor é uma questão científica, biológica e algorítmica. Criou-se um mercado que supostamente atende a nossos desejos sugerindo afinidades com parceiros (as) com base em preferências nossas preexistentes e declaradas. Mas será que a pessoa que pedimos é a que realmente desejamos? 

Criou-se um mercado que supostamente atende a nossos desejos sugerindo afinidades com base em nossas preferências

Tem quem goste, vendo uma ampliação de horizonte ao conhecermos gente que, de outra maneira, nunca estaria em nosso radar. Mas penso diferente: a realidade é que a nossa amplitude de escolha amorosa já é limitada – e continuará a estreitar-se. Explico: se biológica e culturalmente somos inclinados a escolher alguém com o perfil A, os algoritmos nos oferecem inúmeras variantes dessa pessoa A; mas também introduzem uma pessoa com perfil C, previamente não considerado, pensada para nos testar. O algoritmo do Tinder aprende constantemente conosco, mesmo errando. À medida que concedemos acesso às nossas emoções, ele se torna mais hábil em interpretar nossas reações, calibrar nossas sensações e até em nos aconselhar biologicamente. 

O Tinder, inicialmente criado como um laboratório de captura de dados, agora nos conhece melhor do que nós mesmos, oferecendo o que acreditamos querer. Esta evolução levanta questões sobre até que ponto estamos dispostos a abrir mão do livre-arbítrio em troca de um serviço mais personalizado. O desafio está em equilibrar o conforto da personalização com a preservação da individualidade diante da crescente influência da inteligência artificial em nossas vidas.

* Filósofa, pesquisadora, head de sales & marketing no Cnex e AI Devs & Ethics Manager

Fonte:  https://gauchazh.clicrbs.com.br/opiniao/noticia/2024/01/o-amor-e-hackeavel-hoje-em-dia-clro2o6hv002801504c1zkyth.html 

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