terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Por que o chip cerebral de Elon Musk é visto com ceticismo

Cesar Gaglioni

Ilustração da Neuralink, a empresa de chips cerebrais de Elon Musk 
 
 
 
30 de janeiro de 2024(atualizado 30/01/2024 às 19h02)

Neuralink, empresa do bilionário, tem como objetivo desenvolver implante que possa fundir cérebros e computadores. Empreitada é cercada de incertezas e vista com desconfiança por cientistas da área

Ilustração da Neuralink, a empresa de chips cerebrais de Elon Musk

O bilionário Elon Musk afirmou na segunda-feira (29) que o primeiro paciente humano a receber um chip da Neuralink – sua empresa de criação de interfaces entre cérebros e máquinas – teve um procedimento bem sucedido e está se recuperando.

Cientistas receberam a notícia com ceticismo, uma vez que a Neuralink não apresenta dados concretos sobre suas afirmações. Para eles, algumas das projeções que Musk faz para a empresa beiram o impossível, mesmo numa perspectiva de longo prazo.

Neste texto, o Nexo explica o que é a Neuralink, quais os projetos dela e quais são as incertezas em torno da empreitada.

O que é a Neuralink

A Neuralink é a empresa de Musk que quer fundir os cérebros humanos com computadores. No site oficial da companhia fundada em 2016, ela se descreve da seguinte forma: “Estamos criando o futuro das interfaces cerebrais: criando aparelhos agora que ajudarão pessoas com paralisia e inventando novas tecnologias que irão expandir nossas habilidades, nossa comunidade e nosso mundo”.

Interfaces que ligam cérebro a máquinas por meio de implantes já existem, começaram a ser pesquisadas nos anos 1970. Mas elas atualmente têm uso restrito ao tratamento de pacientes com doenças neurodegenerativas, como Parkinson.

Na visão de longo prazo de Musk, a tecnologia de redes neurais acoplada ao cérebro humano poderia permitir coisas como a comunicação telepática entre as pessoas, substituindo o uso da fala, por exemplo.

“Você não precisaria verbalizar, a menos que quisesse acrescentar um pequeno charme à conversa. Mas a conversa mesmo seria uma interação conceitual — em um nível que é difícil de conceber hoje”, disse o empresário em 2017, quando apresentou a Neuralink.

Assim, de forma geral, a conexão do cérebro a artífices ampliaria, segundo Musk, nossas capacidades cognitivas. Seria possível, na visão do empresário, adquirir conhecimentos imediatamente ou então ampliar a própria memória, além de ter total controle de nossos sentimentos com um apertar de botões.

A ideia de integrar o cérebro humano às máquinas ainda engatinha – após uma série de atrasos, as operações da Neuralink ainda estão em estágios iniciais de testes.

O que há de concreto

A Neuralink, sendo uma empresa com fins lucrativos e desenvolvendo tecnologia própria, não precisa submeter as descobertas das próprias pesquisas para a revisão por pares, processo básico do método científico que acontece em laboratórios de pesquisa ligados a universidades.

A revisão por pares é um processo em que especialistas naquela determinada área checam a solidez do estudo, dos experimentos e das conclusões obtidas.

Sem a apresentação dos resultados, é difícil dizer o que há de concreto na Neuralink, e as afirmações só são corroboradas por Musk e pelos porta-vozes da empresa. O bilionário afirma que testes em animais foram um sucesso e que os testes humanos vão continuar.

A falta de transparência na comunicação da Neuralink é um dos principais fatores a fazer com que cientistas olhem para a empresa de Musk com ceticismo.

O ceticismo em torno da empresa

Miguel Nicolelis é o principal neurocientista do Brasil e um dos maiores do mundo na área. Ele foi o responsável pela criação do exoesqueleto que fez um homem paraplégico ser capaz de chutar uma bola na abertura da Copa de 2014.

A contribuição de Nicolelis para a neurociência é tão significativa que três ex-alunos dele participaram ou ainda participam do comitê científico da Neuralink. O cientista acredita que o projeto de longo prazo da empresa de Musk é impossível até mesmo em um nível teórico.

“O cérebro humano é analógico, e um computador é digital e binário. Não pensamos apenas em 0 ou 1, sim ou não, preto e branco, como um computador faz. A nossa lógica é contínua. Algumas coisas do cérebro humano podem ser imitadas por um computador, mas nunca reproduzidas”, disse Nicolelis ao podcast Flow em 2023, comentando sobre a empresa de Musk.

Fazer uma interface entre um cérebro e uma máquina para recuperar os movimentos de uma pessoa paraplégica é possível e, até certo ponto, já é uma realidade. Por outro lado, a ideia de Musk de fundir a mente humana com uma inteligência artificial, em processo no qual todas as habilidades e ideias poderiam ser absorvidas por uma pessoa instantaneamente, não passa de devaneio na visão de Nicolelis.

“O Elon Musk é o poster boy de tudo aquilo em que eu espero que a humanidade jamais se transforme. Ele cria um hype em torno de algumas coisas que são total absurdo, vende algo que é impossível de acontecer”, disse Nicolelis.

Antonio Regalado, professor de neurotecnologia no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos EUA, afirma que a Neuralink é “puro teatro”. “Eles nunca ofereceram nenhuma evidência que possa ser revisada por pares, com uma série de promessas que são difíceis de serem cumpridas por limitações do próprio cérebro. Elon Musk faz um teatro do que ele acha que seria a neurociência”, afirmou em artigo da revista MIT Tech Review.

Promessas não cumpridas

As incertezas em torno da Neuralink ficam ainda mais acentuadas pelo longo histórico de promessas não cumpridas por Musk nas suas mais diversas empresas.

Algumas delas eram inócuas, como a ideia de lançar uma marca de tequila exclusiva dos carros Tesla, que foi prometida em 2018 e nunca foi concretizada. Outras deixaram investidores entusiasmados, como a ideia de que os veículos da Tesla seriam 100% automatizados até 2020 – algo que nunca aconteceu e segue sem previsão. Ao longo dos anos, Musk afirmou diversas vezes que a tecnologia estava próxima de ser lançada, mas acabou adiando-a continuamente.

De acordo com Paris Marx, colunista de tecnologia da NBC e autor da newsletter Disconnect, as promessas de Musk são pura picaretagem para conseguir mais capital de giro para as empresas. “É o que Elon sempre faz como o grande picareta que ele é: ele promete um grande futuro e acaba entregando uma versão requentada do presente”, disse ao Nexo.

Para a jornalista de tecnologia Kara Swisher, que acompanha Musk desde os anos 1990, Elon não é uma pessoa que pode ser definida em termos únicos como “visionário” ou “babaca”.

“Em dias bons, eu acho que ele quer mudar o mundo para melhor, e quando ele quer, ele consegue”, disse em seu podcast na revista New York em novembro de 2022. “Em dias ruins, ele é um grande narcisista. E acho que essas coisas andam de mãos dadas”, afirmou.

Maus tratos animais

Em paralelo ao ceticismo, há também uma série de críticas em relação a como a Neuralink conduz testes em animais.

A revista Wired revelou, em setembro de 2023, que pelo menos 12 macacos utilizados em experimentos da empresa morreram em decorrência direta dos procedimentos realizados para os testes. À época, Musk afirmou que os primatas já estavam doentes e que a morte deles não teve ligação direta com os projetos da Neuralink.

“Nós vemos Elon Musk tentando encobrir o que realmente aconteceu nesses experimentos. Ele quer que o público pense que há um produto seguro no mercado e que por isso deveriam investir na empresa. Mas são mentiras”, disse à Wired Ryan Merkley, chefe do Comitê de Médicos para Medicina Responsável dos EUA, órgão que investigou as denúncias de maus tratos na Neuralink.

Fonte:  https://www.nexojornal.com.br/expresso/2024/01/30/chip-cerebral-elon-musk-neuralink-ceticismo?utm_medium=Email&utm_campaign=NLDurmaComEssa&utm_source=nexoassinantes

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