Antonio Ozaí da Silva*
A Utopia habita em indivíduos concretos que pensam e sentem, sofrem e se alegram, lutam e, sobretudo, nutrem a esperança. Somos capazes de imaginar o devir, de termos
“sonhos diurnos”. A consciência antecipadora é própria do humano. Somos
animais ansiosos, seres que se angustiam antecipadamente. Imaginamos o vir-a-ser ainda que este seja apenas possibilidade remota. Mesmo quando este se apresenta enquanto possível concreto,
ficamos a imaginar “como será”, “como reagiremos”, se confirmará ou não
as expectativas. De tanto pensar, sofremos por antecipação; mas também
nos alegramos com a possibilidade de…
Enquanto o futuro não se concretiza, mas permanece em gérmen dentro
de nós, sonhamos e desejamos. Somos seres desejantes. Desejar é querer.
“Não há querer que não tenha sido precedido de um desejar”, afirma
Bloch.*
O querer pressupõe agir, indica um querer fazer. “Desejos nada fazem,
mas eles dão a forma e retém com especial fidelidade o que deveria ser
feito” (p. 51). O desejar ativo anseia, mas também pode ser angustiante e
prisioneiro do medo. A esperança é expectante, opõe-se ao medo e à angústia; ela é “a
mais humana de todas as emoções e acessível apenas a seres humanos. Ela
tem como referência, ao mesmo tempo, o horizonte mais amplo e mais
claro” (p. 77).
A esperança é um sonhar acordado. Os “sonhos diurnos” alicerçam-se em
carências e na expectativa de dias melhores. É um sonhar consciente da
realidade, mas insatisfeito diante dela. É um sonhar que almeja superar o que é e instituir o que pode ser. A possibilidade do novo
está inscrita no ser, gesta-se no presente. A história é aberta e
prenhe de possibilidades. Seu fundamento é o real materialmente concreto
e contraditório. “O sonhar desperto, ou seja aberto para o mundo, sabe
não se abster. Ele se recusa a se saciar ficticiamente ou ainda
espiritualizar desejos. A fantasia diurna, assim como o sonho noturno,
tem os desejos como ponto de partida, mas vai com eles até o fim. Quer
chegar ao lugar da realização”, escreve Bloch (p. 97).
A esperança é militante, é um “afeto prático” que desfralda
bandeiras. As utopias nutrem-se da esperança, a esperança é utópica. Mas
utopia concebida em sua concretude, enquanto possibilidade real fundada
num mundo de carência e no desejo de superação. Não é um sonhar
fantasioso, desvinculado da vida real. Como ressalta Bloch: “O ponto de
contato entre o sonho e a vida, sem o qual o sonho produz apenas a
utopia abstrata e a vida, por seu turno, apenas trivialidade,
apresenta-se na capacidade utópica colocada sobre os próprios pés, a
qual está associada ao possível” (p. 145). A realidade não é estática,
mas movimento contraditório em direção ao devir.
Os sonhos são instigantes. Iludem-se os que racionalizam em demasia e
desconsideram a capacidade humana de sonhar, de desejar navegar por
águas desconhecidas, atracar em novos portos e explorar territórios e
países imaginários. A vida não se reduz à mediocridade, mesmo no mísero
cotidiano o humano sonha. A vida humana tem uma amplitude que extrapola
os limites do mero reproduzir-se. Sonhar e desejar talvez sejam o mais
essencial ao viver. O ser humano até precisa de certa dose de ilusão,
necessita superar o domínio do mero instinto animal. O humano é um ser
em construção, social e historicamente. “O que caracteriza o amplo
espaço da vida ainda aberta e ainda incerta do ser humano é a
possibilidade de assim velejar em sonhos, que são possíveis
sonhos diurnos, muitas vezes do tipo totalmente sem base na realidade. O
ser humano fabula desejos”, observa Bloch (p. 194).
O mundo é inconcluso, aberto à transformação. O futuro é uma construção humana nutrida pela esperança! A efervescência utópica é própria do humano!
*Professor do Departamento de Ciências Sociais na Universidade Estadual de Maringá (DCS/UEM), editor da Revista Espaço Acadêmico, Revista Urutágua e Acta Scientiarum. Human and Social Sciences e autor de Maurício Tragtenberg: Militância e Pedagogia Libertária (Ijuí: Editora Unijuí, 2008).
* BLOCH, Ernst. O princípio esperança. Rio de Janeiro, EdUERJ; Contraponto, 2005 (Vol. 1), p. 51. Todas as citações são desta obra.
Fonte: http://antoniozai.wordpress.com/2013/06/01/sonhos-desejos-e-esperanca/
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