Macron faz pronunciamento em Biarritz, França, antes da cúpula do G7 TF1/AFP
Professor da Universidade de Reims, na França, Alexis Lévrier analisa a turbulência social que sacode o mandato do presidente da França
Com a França paralisada há seis dias pela greve contra
a reforma da Previdência, o presidente do país, Emmanuel Macron, vê seu
legado político enfrentar risco crescente.
Em entrevista a VEJA, o professor de história da mídia
Alexis Lévrier, da Universidade de Reims, na França, afirma que a maior
paralisação do país em décadas pode desidratar Macron ao ponto de tornar
o restante de seu mandato um deserto de ideias.
E faz um alerta: o comportamento do presidente, que flerta com o
eleitorado anti-imigração, está fortalecendo sua rival, Marine Le Pen,
da extrema direita.
Após seis longos dias de protestos, como está a situação do presidente francês, Emmanuel Macron?
As demonstrações ao longo da última semana foram de grande sucesso,
mobilizando até 1,5 milhão de pessoas. É a maior paralisação das últimas
décadas. A greve não só foi bem organizada, como teve larga aprovação
da população em geral.
Segundo pesquisas feitas no país, sete em cada dez franceses acham
que o movimento é justificado.
Macron, que já tinha uma situação
política complicada, tem ficado fora da mídia. Ele deixa o desgaste para
o primeiro-ministro, Édouard Philippe, que tem falado em nome do
governo.
Macron optou por dramatizar sua reforma administrativa, apresentado-a como a mais importante medida do seu mandato.
Se tiver que retirá-la, será uma enorme derrota política. É provável
que o restante do seu mandato se arraste sem grandes mudanças.
Macron conseguiu avançar no pacto social proposto após a explosão do movimento dos “coletes amarelos”, em 2018 ?
No final de 2018, quando havia enormes passeatas nas ruas, Macron
adotou uma postura vacilante por vários dias. Em dezembro, escapou por
pouco de uma tentativa de linchamento em uma pequena cidade chamada
Puy-en-Velay.
Desde então, para conseguir manter as reformas de pé, fez o que
denominou de “segundo ato” do seu governo. Mudou a comunicação, se
aproximou da imprensa, mostrou mais respeito pelos órgãos
intermediários.
Mas, na realidade, sua prática de exercer poder continuou muito centralizada e solitária.
O resultado é que suas reformas são cada vez menos aceitas, como fica evidente nas manifestações que estamos vivendo.
É o fim da Era Macron ?
Não, mas a natureza do Macronismo mudou. Macron foi eleito
principalmente com votos de esquerda. Mas quis governar com as forças do
centro, sem escolher entre a direita e tampouco a esquerda.
Só que essa doutrina não resistiu ao cotidiano do poder. Sua política, até aqui, foi vista como favorável às classes mais altas.
Além disso, seu estilo de comunicação é encarado como arrogante,
fazendo com que seja detestado por parte do eleitorado, sobretudo os
“coletes amarelos”.
Por isso, os excessos policiais durante os protestos foram endereçados justamente ao presidente.
Macron ainda tem uma base de popularidade, que oscila entre 30% e uma
chance de ser eleito em 2022, já que tanto direita quanto esquerda
estão enfraquecidas.
Mas sua base está à direita, porque para o público ele personifica o
partido da ordem. A última pesquisa, publicada em 6 de dezembro, mostra
que sua popularidade cresceu 18% entre os eleitores de direita e 12%
entre os de extrema direita.
A turbulência política e social da França pode beneficiar Marine Le Pen, da extrema direita?
É muito provável que sim. Marine Le Pen raramente fala com a mídia,
mas uma situação política tão confusa só pode ser favorável a ela. Além
disso, o próprio Emmanuel Macron optou por apresentá-la como seu único
oponente, para se preparar para a disputa eleitoral de 2022.
Assim, ele decidiu colocar a questão da imigração e o véu islâmico no
centro do debate político. Macron chegou ao ponto de dar uma longa
entrevista ao jornal de extrema direita Valeurs actuelles. Essa publicação é muito próxima das idéias de Le Pen.
Há risco de termos a vitória da extrema direita nas próximas eleições, em 2022?
Essa estratégia mostra que, para Macron, o que mais importa é o
confronto ideológico com Marine Le Pen. É uma tática muito perigosa,
porque ela dá legitimidade ao discurso da extrema direita.
Macron espera que, como aconteceu em 2017, vá se beneficiar novamente
de uma ampla frente republicana que imponha freio aos extremistas. Mas
não é certo que o eleitorado da esquerda vote novamente nele.
No mês passado, em uma entrevista a um jornal francês, o historiador
Patrick Boucheron resumiu os perigos dessa estratégia de uma maneira
bonita.
Designar seu oponente é escolher seu sucessor. Emmanuel Macron parece ignorar isso. Neste jogo sempre se perde.
Acreditamos que estamos construindo um dique enquanto construímos uma ponte. É o que ele está fazendo pela extrema direita.
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Fonte: https://veja.abril.com.br/mundo/macron-esta-construindo-uma-ponte-para-a-extrema-direita/
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