Gilles Lapouge*
Líderes dos países membros da OTAN junto à Rainha Elisabeth e o Príncipe de Gales para o encontro de 2019 da cúpula em Londres Foto: Yui Mok/Pool via The New York Times
A celebração dos 70 anos da Otan nada tem de gloriosa; não só não trouxe paz e felicidade ao mundo, como os confrontos causaram estragos no interior da própria aliança
A Otan (Organização Tratado do Atlântico Norte) está reunindo todos seus membros em Londres para o 70.º aniversário da aliança atlântica. Quando a Guerra Fria terminou, o filósofo da Casa Branca, Francis Fukuyama,
anunciou que o mundo entrava em uma nova era profetizada no século 19
pelo filósofo Friedrich Hegel: o “fim da História”. Estava aberto o
caminho para que desabrochassem a democracia, a paz universal e as
sociedades liberais. Sem mais tensões e fúria, sem mais guerras.
No
lugar disso, a felicidade. Naquele dia, porém, Fukuyama, que é um bom
filósofo, teria feito melhor se ficasse calado. Desde 1990, ou seja,
desde “o fim da História”, as guerras, as revoluções, os golpes, as
microtiranias, tumultos, intolerâncias, o caos, as ansiedades, a
miséria, longe de desaparecer, prosperaram. Europa, África, Ásia,
América continuam lindos, mas cheios de bestas ferozes. A tal ponto que
um humorista pôde escrever: “Dê-nos a nossa velha Guerra Fria, pois ela
deu fim às pequenas guerras quentes.”
A
celebração dos 70 anos da Otan nada tem de gloriosa. Não só não trouxe
paz e felicidade ao mundo, como os confrontos causaram estragos no
interior da própria aliança. A Turquia
é um membro essencial, um país poderoso, dotado de formidável Exército e
ocupa um centro nevrálgico na transição entre Europa e Ásia. Mas o
presidente Recep Erdogan decidiu, sem avisar a Otan, atacar os curdos que haviam lutado ao lado da aliança na longa guerra contra o Estado Islâmico. Emmanuel Macron criticou e Erdogan respondeu com desprezo: “Macron é um amador”, disse o turco.
É
claro que Macron estava certo, mas ele respondeu com virulência
desnecessária. Esse é o “pecado venial” de Macron. Suas análises são
sólidas e razoáveis. Mas ele as expressa sem tato, tentando atingir o
outro. Dia desses, Macron se voltou contra a Otan. Aqui também, seu
diagnóstico estava correto. Mas ele achou inteligente expressá-lo com
uma fórmula insultuosa. “A Otan está em estado de morte cerebral.” A
fraqueza de Macron está aí: o diagnóstico é exato, mas é expresso com
uma violência não apropriada entre países amigos.
A Otan
desempenhou um papel benéfico na proteção dos países da Europa contra os
desejos predatórios da URSS. Então, começou a declinar ou até cometer
grandes erros, por exemplo, a guerra estúpida contra a Líbia, de Muammar Kadafi,
ditador, mas que protegia o Ocidente do maléfico avanço do jihadismo.
Hoje, é toda a África que se confronta com o horror extremista. A Otan
está inerte e muda.
Apenas os soldados franceses tentam impedir que a região do Sahel se torne, após o fim do EI no Iraque e na Síria,
um novo refúgio para assassinos. Macron analisou bem. Mas sua voz não
se impõe tanto quanto há um ano. Se alguém fizer um balanço de sua ação
em política externa, é obrigado constatar um fracasso. Ele havia
iniciado seu mandato, há dois anos, com um hino à concórdia, à união, e
com a meta de ouvir os outros. Ele não obedeceu a tais resoluções.
Arruinou grandes oportunidades.
Ele contava com Angela Merkel
para revitalizar a União Europeia, que precisa urgentemente disso. Mas
suas vaidades caíram sob a austera chanceler alemã. Renovar a UE graças à
amizade franco-alemã, meta tão querida de Macron, não está mais na
agenda. Merkel não perde uma oportunidade de contradizer o francês.
Apesar de tantas falhas, Macron não se acalma. Ele tem outros projetos. Primeiro, gostaria que a Europa parasse de tratar Putin
como uma vítima da peste. Mais uma vez, ele está certo. É estúpido
demonizar Putin. Grande parte da opinião pública europeia compartilha
dessa análise. Finalmente, Macron conseguirá moldar um grande projeto
diplomático? Integrar a Rússia à esfera europeia, em vez de deixar
Moscou se aproximar da Ásia?
Novamente, o diagnóstico de Macron
está correto. Mas será que ele conseguirá esquecer sua arrogância, seu
hábito de distribuir aos outros “pontos positivos”, de nocautear seu
público com discursos inteligentes, sutis, mas pedantes, pretensiosos e
narcisistas? / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO
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*É CORRESPONDENTE EM PARIS
FONTE: https://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,paris-e-a-alianca,70003112573 04/12/2019
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