Davi Kopenawa
Foto: DAVID DOOLEY/FOTOBUDDY Davi Kopenawa
Vou dizer diretamente o que estou sentindo: eu estou de luto porque meu povo Yanomami está doente e morrendo. Nossas crianças estão adoecendo pela doença do homem branco, de doenças que chegam ao nosso território junto com os destruidores, que entram nas comunidades levando malária, gripe, diarreia, verminose e, agora, o coronavírus.
Este problema não é de hoje. Este é um problema antigo, que vem desde que os homens brancos chegaram à nossa terra indígena, e continua acontecendo. Essas são doenças que retornaram para destruir nossa saúde, nossa comunidade e nossa floresta. Isso não é bom. É algo muito triste. Quando você fica olhando de perto, começa a chorar.
Eu não estou aqui dizendo mentiras. Eu estou falando a verdade. Eu sou de lá. Minha casa fica no Território Yanomami. Eu estou vendo com meus próprios olhos nossas mulheres chorando quando as crianças morrem. Isso é muito triste – o que o homem branco está fazendo.
Atualmente, o número de não indígenas que vêm causando esses males é muito alto: 20 mil garimpeiros ilegais estão hoje na Terra Yanomami.
O preço do ouro aumentou. E é por isso que o número de garimpeiros aumentou.
Para eles, o preço do ouro tem valor. Para nós, povos indígenas, não tem. O ouro é só uma pedra, não é algo que se come. O ouro só cria problemas.
É por isso que estou contando tudo isso: para que vocês saibam o que está acontecendo e deem apoio à minha luta, a luta do povo Yanomami.
É importante que vocês ouçam os indígenas. Nós estamos sofrendo, nossas crianças estão morrendo. Nós, os povos tradicionais, não temos culpa. Culpado é quem rouba a terra do povo indígena. Esta é minha mensagem para que você saiba que meu povo está sofrendo.
O povo Yanomami não pode sofrer. Nós somos seres humanos. Nós sabemos falar, sabemos lutar, sabemos cuidar de nosso lugar, sabemos defender nossos direitos, nossa saúde, nossa língua, nossos costumes. E é o povo Yanomami que está protegendo a Amazônia.
Todos sabem que a Floresta Amazônica é importante, e não apenas para nós, mas para o mundo inteiro.
O número de crianças Yanomami que morreram de doenças e de fome (nos últimos quatro anos): 570 crianças entre dez e catorze anos. E quando os pais morrem, as crianças também morrem. Uma criança sem mãe não consegue sobreviver. Se a mãe pegar malária, ela não vai conseguir procurar comida. É muito difícil para nós. É por isso que nós estamos aqui.
Essa notícia está rodando o mundo inteiro. Isso porque o povo Yanomami é conhecido no Brasil e fora por cuidar da floresta há muitos anos. Nossos antepassados e nossos pajés já cuidavam da floresta.
Essa é minha fala, que estou transmitindo para vocês, para vocês pensarem e sentirem vontade de proteger e defender os nossos filhos Yanomami.
Vocês, estudantes universitários, estão lendo o livro “A Queda do Céu”. Esse livro que nós, eu e meu shori 1 Bruce Albert, que foi à nossa Terra Yanomami e aprendeu a falar nossa língua, escrevemos.
Esse livro foi feito para vocês. Para que vocês conheçam a história do meu povo. Ele conta tudo que aconteceu ao longo de cinquenta, sessenta anos. Ele mostra a sabedoria do povo Yanomami e a minha sabedoria, a partir do que eu sonhei: uma ideia nova, sobre como levar nossa sabedoria para as pessoas da cidade.
Porque as pessoas da cidade não escutam o que é contado pela boca. Só “escutam” o que está escrito. Só entendem quando leem. Quando ouvem o que é dito espiritualmente, verbalmente, não escutam. Por isso eu tive a ideia de escrever nossa história. Eu queria contar nossa história através do livro “A Queda do Céu”. E ele está ajudando a divulgar nossa história.
Eu queria, aqui, também falar sobre os xapiris. Os xapiris da floresta. Eu não gosto de chamá-los de espírito. Espíritos são das igrejas. Esse nome, xapiri, veio viajando até chegar às nossas terras. Na língua Yanomami, eles chamam Xapiri. Eles são os protetores da floresta, da terra, do mundo. Quando está muita chuva, por exemplo, quando o tempo está muito feito, os xapiri trabalham. Trabalham para proteger nossas casas. Não deixam chover muito, porque se chove demais, nossas casas alagam. Eles também trabalham com o sol. Para que o tempo fique limpo, bonito, com os pássaros cantando, e as pessoas fiquem alegres.
Nosso universo, nosso planeta Terra, é disso que cuidamos. Não apenas de nossas casas. Nós, os pajés, a gente cuida do universo, para que o céu não caia outra vez. Essa é a mensagem que está escrita em “A Queda do Céu”. E é por isso que esse livro está entrando em universidades de todo o mundo, nos Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, Itália. O livro está divulgando o nome do povo Yanomami e falando da proteção do universo, da proteção da Terra. Porque nós estamos morando aqui, em um planeta que é único para todo mundo. Nós somos um só povo em toda a Terra. E nós moramos aqui. Awe!
Davi Kopenawa é xamã e um dos principais porta-vozes do povo Yanomami. Intelectual que tem estado na vanguarda das lutas pelos direitos dos povos indígenas e das iniciativas de conservação da Amazônia, ele é autor de “A Queda do Céu”. Em 2021, estrelou e foi um dos roteiristas do documentário “A Última Floresta”, vencedor do Prêmio do Público da Mostra Panorama, do Festival de Cinema de Berlim.
15 fev 2023
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