quinta-feira, 20 de abril de 2023

Minhas (in)definições

Por Juremir Machado da Silva*


Minhas (in)definições "
Uma parte de mim transborda. A outra parte se encolhe" (Foto: Jens Lelie/Unsplash)

Tem certos dias – não posso começar de outro jeito – em que acordo disposto a me definir. Começo com algumas paráfrases de títulos de obras famosas: um lírico tardio na periferia do capitalismo mais do que tardio. Por que eu seria um lírico? Talvez por este gosto anacrônico pela poesia metafísica, pelo cotidiano melancólico, pelas imagens da infância e pelas paisagens que só existem na memória. A definição que mais cola em minha pele, contudo, vem de um livro que li quando tinha apenas 20 anos de idade: “Contra o método”, do físico austríaco naturalizado americano Paul Feyerabend. Sou um “anarquista epistemológico”: “Enquanto o anarquista político ou religioso pretende afastar certa forma de vida, o anarquista epistemológico desejará, talvez, defendê-la, pois não tem lealdade permanente para com qualquer instituição, nem permanente aversão contra ela”. Nunca fui petista. Não teria problema algum em ser petista. Continuo não sendo petista.

Escrevi muito. Nem sempre fui lido. Contemplo meus romances na prateleira e desejo-lhes boa sorte no futuro. Romântico, acredito que ainda serão reconhecidos. Poeta, enfrento o preconceito dos especialistas por ser intelectual. Pelo dogma moderno, intelectuais, racionalistas por excelência, não fazem arte. Fiz tudo que me deu vontade, o que atrai desconfiança. Se faz tudo, não pode fazer nada bem. Claro que para muitos nem intelectual sou. O que me define? Um jeito estranho de estar no mundo. Não me encaixo em qualquer dos figurinos disponíveis. Tenho um jeito torto de enxergar as coisas que desagrada a maioria. Gosto de tecnologia, mas detesto deslumbramento tecnológico e o que Dominique Wolton chama de “ideologia tecnicista”.

Para fazer sucesso como escritor no Brasil é preciso se encaixar no modelito fashion Companhia das Letras ou Todavia. Não caibo nele. Uma parte de mim transborda. A outra parte se encolhe. Para desespero dos que me detestam sempre encontro uma maneira de continuar vivo. Fui declarado morto várias vezes. Renasci das cinzas. O meu desencaixe aparece até nas amizades de que me orgulho e que causam desassossego. Um Michel Houellebecq. Andei por tantos lugares, conheci tanta gente, sempre me aproximei dos deslocados. Aprendi com meu amigo Jean Baudrillard a nunca estar onde me esperam. Posso ser desmesurado. Com a maravilhosa Taline Oppitz fiz o melhor programa político de rádio do Rio Grande do Sul durante dez anos. A categoria nunca o reconheceu. 

Quando era muito jovem, adolescente ainda, escrevi uma peça de teatro. Havia uma febre de teatro amador na cidade. O menino diretor de outra peça chamou a minha de tosca. Era de um realismo brutal. Dediquei-lhe recentemente um poeminha bem barato e bastante tardio:

Imitação

Quando eu cresci,
Um menino louro e rico,
Me disse: vai, eu fico.
Vai ser tosco na vida.
Obedeci.

O que há neste meu olhar que sempre busca o ponto que foge? Na direita, vejo truculência e atraso comportamental. Na esquerda, adesismo beato. No centro, esperteza. Minha avó me definiu com precisão antes de qualquer um: “Esse guri é sempre do contra”.

Tenho dito.

O que o leitor tem com isso? Nada.

*Jornalista. Escritor. Prof. Universitário. Cronista do Matinal

Fonte:  https://www.matinaljornalismo.com.br/matinal/colunistas-matinal/juremir-machado/juremir-minhasindefinicoes/

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