J. J. Camargo
A evolução exponencial da inteligência artificial provoca uma série de perguntas e temores
A única certeza é de que a AI veio para ficar
O uso da inteligência artificial (AI, na sigla em inglês) começou como um modelo de entretenimento, uma forma sofisticada de diversão. Até que foi descoberta por uns tipos que não brincam em serviço e a transformaram em uma empresa, convencidos de que tudo o que é divertido será ainda mais se der lucro.
O crescimento exponencial em apenas quatro anos foi realmente surpreendente. De modo a despertar sentimentos variados. O que foi visto apenas como um instrumento de trabalho eficiente evoluiu rapidamente para um concorrente desleal, pulverizador de empregos, imediatamente demonizado pelas vítimas potenciais, ou seja, todos nós. A pergunta obrigatória seria: que tipo de ameaça a AI representa verdadeiramente?
O ideal de homenagear em vida as pessoas boas esbarrou num paradoxo: a AI é capaz de antecipar a morte para justificar a homenagem.
O ChatGPT, um dos arautos da inteligência artificial, se revelou um banco de dados inexcedível, mas não podemos esquecer que esse banco ainda é obra do engenho humano. Verdade que brotou de cérebros com desempenhos superiores, mas se não conseguirmos acompanhá-los, não podemos recriminá-los de serem assim, magistrais.
A amostra que temos é estimulante como um inestimável parceiro para qualificar extraordinariamente os mais diversos segmentos da atividade profissional. E o que mais encanta ainda é a perspectiva de que ele seja progressivamente requintado, na medida que os seus mantenedores sigam alimentando-o.
Como instrumento de resgate biográfico, ele ainda é precário, comete erros de localização e dá a impressão de falsidade, porque, ao ser corrigido, pede desculpas e imediatamente retoma o rol dos elogios exagerados. Parece mais um farsante disposto a agradar suas "vítimas".
Entre os confrades da Academia Nacional de Medicina, as reações foram ambivalentes: não soube de ninguém que tenha reclamado do anúncio de proezas irreais, mas vários não conseguiram esconder o desencanto de terem sido considerados mortos.
E então o badalado conceito popular de que as pessoas boas merecem ser homenageadas ainda em vida esbarrou num paradoxo, quando se descobriu que o brinquedo novo, à moda antiga, é capaz de antecipar a morte para justificar a homenagem. Eu próprio, fiquei bem chateado de ter "morrido" em 2008.
O recente pedido dos principais mentores da inteligência artificial, de que os programas sejam suspensos por um semestre para reavaliação dos seus significados e riscos, não teve bem explicitadas as justificativas, mas elas divergirão em diferentes atividades. Na medicina, por exemplo, a pausa se justifica, em grande medida, para a melhor definição da responsabilização civil naqueles casos em que o mau desfecho de um tratamento tenha decorrido de uma informação da AI, que o tempo se encarregou de demonstrar equivocada. E o fato de que as informações apresentadas pela AI não se acompanham das fontes que as produziram (uma exigência clássica dos artigos científicos convencionais), só faz aumentar a insegurança, um efeito colateral insuportável quando está em jogo a vida de quem nem tem ideia de como essa tal máquina funciona.
Mas a única certeza é de que a inteligência artificial veio para ficar, e a sua permanência não dependerá de decretos, proibições ou ressentimentos. Com os ajustes indispensáveis, retomará sua marcha assombrosa na antecipação do futuro. Quem já trabalhou em laboratório de pesquisa sabe o quanto é irrefreável o fascínio que toma conta de todos quando em perseguição a uma ideia nova.
* José de Jesus Peixoto Camargo, ou simplesmente J.J. Camargo, é um médico, escritor e palestrante gaúcho. Formou-se em Medicina na UFRGS em 1970. Colunista da ZH
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