Por António Marujo | 8 Abr 2023
Pelo calendário, a Páscoa cristã caiu neste ano na mesma data em que, pensam vários exegetas, terá calhado quando Jesus foi morto. Por esse motivo, reproduz-se a seguir uma entrevista feita ao teólogo basco espanhol publicada inicialmente no Público, em Abril de 2009.
José António Pagola publicou em 2007 Jesus – Uma Abordagem Histórica (ed. port. Gráfica de Coimbra). Houve quem, na Igreja Católica espanhola, o lesse como um tratado de cristologia e não como uma obra de historiografia: a Comissão Episcopal da Doutrina da Fé espanhola criticou algumas passagens do livro.
Nascido em 1937 em Añorga (Guipúzcoa, no País Basco espanhol), o biblista dirige o Instituto de Teologia e Pastoral da diocese de San Sebastian. Licenciado em Teologia pela Universidade Gregoriana de Roma, e em Sagrada Escritura pelo Instituto Bíblico, desempenhou também o cargo de vigário-geral de San Sebastián com o bispo José Maria Setién.
Em Espanha, Jesús – Aproximación Histórica vendeu mais de 60 mil exemplares em várias edições até ao início de 2010, quando foi retirado do mercado pela sua editora em castelhano, alegadamente por pressões de vários membros da hierarquia espanhola, e apesar do imprimatur do bispo Juan Maria Uriarte. O livro continua disponível em edições em vários países latino-americanos, além de Portugal e de uma edição catalã e outra em basco.
Além deste livro, Pagola tem publicadas mais duas dezenas de títulos, vários dos quais também em português. Entre eles, Crer, para quê? (ed. Gráfica de Coimbra).
7MARGENS – Os evangelhos são as principais fontes históricas para chegar a Jesus?
JOSÉ ANTONIO PAGOLA – Ainda que seja necessário investigar Jesus a partir de todas as fontes literárias disponíveis (textos de Qumran, literatura rabínica, evangelhos apócrifos…), não há dúvida que os evangelhos sinópticos são a fonte mais fiável e mais rica para conhecer Jesus. Tem razão James Dunn quando afirma que, para conhecer Jesus, temos que nos esforçar por captar da forma mais clara possível o “impacto” que deixou nos seus seguidores mais próximos.
7M – Um dos temas divergentes entre exegetas é o das narrativas de infância. Em que ficamos? São narrativas simbólicas ou devemos lê-las como relatos verdadeiros?
Um estudo crítico rigoroso dos chamados “evangelhos da infância” mostra que, mais que relatos de carácter biográfico, são composições cristãs elaboradas à luz da fé em Cristo ressuscitado. Aproximam-se muito de um género literário chamado “midrash hagádico”, que descreve o nascimento e a infância de Jesus à luz de factos, personagens ou textos do Antigo Testamento.
Não foram redigidos para informar sobre os factos ocorridos (provavelmente sabia-se pouco), mas para proclamar a boa notícia de que Jesus é o messias esperado em Israel e o filho de Deus nascido para salvar a humanidade. Esta é a posição dos melhores especialistas.
7M – As curas que Jesus fez são milagres ou sinais?
Mesmo que seja difícil de precisar o grau de historicidade de cada relato, não há dúvida de que Jesus realizou curas de diferentes tipos de doentes, que foram consideradas pelos seus contemporâneos como milagrosas.
Jesus apresentou as suas curas e exorcismos como sinais da chegada salvadora de Deus aos mais atingidos pelo sofrimento e pela desgraça. No entanto, Jesus resistiu sempre a realizar os sinais espectaculares que, provavelmente, lhe pediam alguns sectores críticos.
7M – Jesus nunca falou muito de si mesmo…
A sua mensagem centra-se no que Ele chama “reino de Deus”. As suas palavras inconfundíveis e as suas belas parábolas convidam a “entrar” na dinâmica do reino de Deus. Jesus apresentava-se como o proclamador e portador do reino de Deus. Provavelmente, não empregou nenhum termo para se definir a si mesmo, se exceptuarmos o de “Filho do Homem”.
Jesus convida a segui-lo, convida a entrar no reino de Deus… mas não oferece uma doutrina articulada, uma “cristologia” sobre a sua pessoa. A cristologia que encontramos formulada no quarto evangelho provém das comunidades crentes, que perscrutam legitimamente o mistério de Jesus Cristo, a partir da sua vida extraordinária e à luz da sua ressurreição.
7M – Que mensagem queria Jesus transmitir? Só a de um profeta?
Jesus não se apresenta como um profeta mais. É o profeta do reino de Deus. Há alguns traços na sua vida que convidam a diferenciá-lo nitidamente dos profetas de Israel: a proclamação de que o reino de Deus está já a chegar com ele e nele, nas suas palavras e nas suas acções curadoras; a sua autoridade sobre a lei de Moisés; a sua invocação a Deus como “abbá” [paizinho]; o seu oferecimento do perdão e da amizade de Deus aos pecadores; a sua chamada radical a segui-lo até à morte…
7M – Jesus chamava a Deus, Pai; e ele, afinal, era homem ou Deus?
Com métodos exclusivamente históricos não é possível penetrar na consciência de Jesus para responder a essa pergunta. A afirmação da condição divina de Jesus, a sua consciência filial de Filho de Deus, a relação peculiar que Jesus, Filho de Deus encarnado, vive com seu pai… são temas que ficam de fora do campo da investigação histórica.
Eu creio que Jesus é o Filho de Deus feito homem para a nossa salvação, mas a minha fé não depende das investigações dos historiadores.
7M – Sabe-se quando Jesus morreu?
Jesus morreu crucificado provavelmente a 7 de Abril do ano 30. Foi preso pelas autoridades religiosas do templo na sequência de um gesto profético de Jesus contra o sistema do templo.
A aristocracia sacerdotal do templo convenceu-se da perigosidade que Jesus significava e entregou-o ao procurador romano Pôncio Pilatos, que foi quem ditou a sentença de morte. No momento da sua detenção, foi abandonado pelos seus discípulos mais próximos.
7M – O cristianismo funda-se na ressurreição de Jesus. Ele ressuscitou?
Em sentido estrito, um estudo histórico sobre Jesus há-de acabar quando acaba a sua história na execução no Gólgota, no ano 30. A ressurreição do crucificado já não pertence propriamente à história terrena de Jesus, pois, segundo os seus seguidores, não é um retorno de Jesus a esta nossa vida no mundo, mas a sua passagem à vida de Deus.
No entanto, é possível estudar a questão da historicidade do sepulcro vazio ou o caminho que os discípulos fizeram para chegar à proclamação de que Jesus tinha sido ressuscitado por Deus. Como é natural, a posição dos investigadores é diversa e apenas se pode chegar a conclusões firmes a partir de um estudo exclusivamente histórico.
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