Por Marcelo Montanini
Retaliação iraniana direta foi movimento inédito. Gabinete de guerra israelense diz que vai responder ‘na hora certa’
O chefe do Estado-Maior das Forças de Defesa de Israel, Herzi Halevi, afirmou nesta segunda-feira (15) que Israel vai responder ao ataque de mísseis e drones lançados pelo Irã no sábado (13).
O governo israelense disse ter interceptado mais de 99% das mais 300 munições que o Irã lançou contra o país em seu ataque sem precedentes. Sete drones e mísseis caíram em zonas desérticas, sendo que um deles atingiu uma base aérea em Nevatim, no sul de Israel, sem causar mortes. Uma criança beduína de 7 anos ficou ferida no deserto de Neguev, no sul do país, por causa dos estilhaços de um projétil.
A ofensiva da nação persa foi uma retaliação ao ataque à embaixada iraniana em Damasco (Síria) em 1º de abril, atribuído pelo Irã a Israel, o que foi confirmado por oficiais israelenses, em anonimato, ao jornal americano The New York Times. O atentado contra a representação diplomática deixou 12 mortos, entre eles Mohammad Reza Zahedi, general da Guarda Revolucionária iraniana.
Neste texto, o Nexo explica em sete pontos os ataques entre Israel e Irã.
Esse foi o primeiro ataque direto iraniano ao território israelense da história. Houve também uma singularidade em relação ao tamanho da ofensiva, com cerca de 330 drones e mísseis lançados em um só ataque.
Ao longo dos anos, israelenses e iranianos realizaram ataques pontuais a civis ou militares do outro lado, sem assumirem abertamente a autoria. Houve também ataques de um país a bases do outro em países terceiros, como o ataque à embaixada iraniana em Damasco, ou o ataque iraniano a um edifício utilizado por membros da Mossad, agência de espionagem israelense, em Erbil, no Iraque, em janeiro.
Israel e Irã se veem mutuamente como maiores inimigos regionais. O ataque à embaixada iraniana – atribuído a Israel, que estrategicamente não se manifestou — e a retaliação iraniana a Israel se basearam na mesma lógica de unir internamente as sociedades dos seus países críticas aos respectivos governos contra um inimigo externo comum.
Ademais, Israel vinha se isolando internacionalmente por ignorar sucessivamente os apelos de cessar-fogo e as resoluções do Conselho de Segurança da ONU em relação ao conflito na Faixa de Gaza, especialmente diante da quantidade de mortos no território palestino – foram mais de 33,6 mil na Faixa de Gaza desde 7 de outubro de 2023, quando o Hamas atacou o território israelense deixando 1.200 mortos e fazendo cerca de 250 reféns.
O ataque iraniano desviou o foco do território palestino para Teerã, visto por diversos outros países como fonte de instabilidade regional. Com isso, aliados internacionais que estavam fazendo críticas a Israel voltaram a manifestar apoio ao Estado judeu.
A retaliação iraniana serviu como ferramenta de dissuasão. O ataque foi estrategicamente calculado para evitar um recrudescimento que levasse a um conflito regional. Não tardou para as autoridades iranianas darem o assunto como concluído e avisarem que um contra-ataque israelense levaria a uma reação mais severa.
O país persa avisou, por canais diplomáticos, aos EUA e a países europeus e árabes sobre o ataque com 72 horas de antecedência e poderia ter empregado mais força se assim quisesse.
Michel Gherman, professor de sociologia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e assessor acadêmico do Instituto Brasil-Israel, avaliou ao Nexo que o Irã tentou passar a mensagem de que não depende dos proxies (procuradores, em inglês) — em referência a aliados que executam guerras em nome de terceiros — para se defender e que pode entrar no jogo a hora que quiser.
O governo do Irã propagou a ideia de que o ataque foi um sucesso para o público interno. Da mesma forma, Israel afirmou que a intercepção do ataque foi uma vitória israelense.
Saied Iravani, representante iraniano nas Nações Unidas, invocou o direito de autodefesa com base no artigo 51º da Carta da ONU. Segundo esse artigo, um membro da organização tem direito legítimo de defesa individual ou coletiva em caso de sofrer ataque até que o Conselho de Segurança tenha tomado as medidas necessárias para a manutenção da paz e da segurança internacionais.
Alonso Gurmendi, professor de relações internacionais da King’s College London, escreveu, no X (antigo Twitter), que o direito de autodefesa permite a um país repelir um ataque em curso ou iminente, e não retaliar num ciclo infinito de ataques e contra-ataques.
O bombardeio à embaixada iraniana ocorreu em 1º de abril, enquanto a resposta do Irã foi feita 13 dias depois. Da mesma forma que um revide israelense agora também não estaria contemplado no direito de autodefesa, sob o mesmo raciocínio.
A resposta iraniana não se ateve aos princípios do direito internacional humanitário, que regem os conflitos armados, pois não focou apenas alvos militares nem obedeceu à proporcionalidade.
“Direcionar drones para regiões populosas de forma indiscriminada como fez o Irã, que não diferencie civis e militares, viola o direito internacional”, afirmou Thiago Amparo, professor de direito internacional da FGV (Fundação Getulio Vargas), no X.
O Irã criticou também o silêncio da ONU sobre o ataque à sua embaixada na Síria. Representações diplomáticas são invioláveis, com base na Convenção de Viena. Ou seja, não podem ser adentradas sem autorização do chefe diplomático. E um ataque com bombas é uma violação do direito internacional.
Apesar de o ataque ter sido na Síria, quem respondeu foi o Irã, e não o regime de Bashar Al-Assad, aliado iraniano. Uma embaixada não é território de um país dentro de outro.
Israel vem travando confrontos com o Hamas na Faixa de Gaza desde 7 de outubro de 2023. Ao longo dos meses, Jihad Islâmica, da Palestina, Hezbollah, do Líbano, e Houti, do Iêmen, também têm lançado ataques a Israel em solidariedade ao Hamas. Todos esses grupos são aliados do Irã, que os financia e dá suporte militar. A aliança informal é autointitulada “eixo de resistência”.
Diante disso, o Irã sempre participou indiretamente do atual conflito em Gaza, porém esse foi o primeiro ataque direto do país.
Alguns países árabes tiveram participação importante para a defesa de Israel, com compartilhamento de inteligência, fechamento de espaço aéreo e intercepção de drones e mísseis.
Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos compartilharam inteligência com EUA e Israel sobre o ataque iraniano, segundo o jornal americano The Wall Street Journal. A Jordânia interceptou drones e mísseis antes que eles atingissem Israel, sob a justificativa de que as armas colocaram sua população em risco – mesmo ciente de que o ataque era direcionado a Israel e não ao seu território.
Os sauditas não têm relações com israelenses, mas jordanianos e emiradenses sim. Todos têm boas relações com os EUA e temem o avanço iraniano na região.
Navios e aeronaves de EUA, França e Reino Unido também atuaram na interceptação de drones e mísseis.
Joe Biden, presidente americano, avisou a Benjamin Netanyahu que os EUA não participarão de um revide ao Irã e pediu a ele cautela.
China e Rússia expressaram preocupação com o aumento da tensão na região e pediram cautela tanto ao Irã quanto a Israel. Os dois países, que têm relações estreitas com o regime iraniano, defenderam também o cessar-fogo na Faixa de Gaza.
O Irã reconheceu o Estado de Israel em 1950, dois anos depois da sua criação — foi o segundo país de maioria muçulmana a fazer isso, após a Turquia.
Os dois países eram aliados até a Revolução Islâmica de 1979, que transformou o país persa numa teocracia xiita. O então novo regime iraniano passou a defender arduamente a causa palestina e cortou relação com o Estado judeu. Desde então, não há vínculos entre eles.
Ao longo dos anos, eles se tornaram grandes inimigos regionais. A tensão aumentou durante o governo de Mahmoud Ahmadinejad (2005-2013), por causa da forte retórica antissemita e do programa de enriquecimento de urânio iraniano — elemento-chave para a fabricação de armas nucleares -, visto por Israel como uma ameaça a sua existência.
O Irã segue enriquecendo urânio e ainda não teria armas nucleares. Israel é a única potência nuclear da região — tem cerca de 90 ogivas, embora não confirme por questões estratégicas.
O ataque do Irã colocou Netanyahu num cenário confortável, visto que Israel conseguiu se defender, o conflito na Faixa de Gaza ficou em segundo plano e o primeiro-ministro israelense ganhou sobrevida no apoio internacional.
O gabinete de guerra israelense se reuniu no domingo (14) e na segunda-feira (15), dia em que o tenente-general Halevi disse que o país vai responder aos iranianos, sem detalhar planos.
Itamar Ben-Gvir, ministro da Segurança Interna, defendeu um revide forte e imediato, enquanto Benny Gantz, ministro sem pasta que integra o gabinete de guerra, disse que Israel vai responder “quando chegar a hora” e vai “cobrar o preço” do ataque.
Aliados internacionais defendem que Netanyahu não revide o Irã, sob o receio de recrudescer e ampliar o conflito.
Israel pode não revidar diretamente o Irã, mirando em algum dos seus aliados, como Hezbollah ou Houtis. Gherman, no entanto, avaliou que isso é improvável.
O professor da UFRJ afirmou ao Nexo que o confronto com o Irã sempre foi o real interesse de Netanyahu e que “dificilmente não ocorrerá” uma retaliação. Para ele, uma não resposta demonstraria fraqueza de Netanyahu e poderia levar à dissolução do governo.
Netanyahu lida com um cálculo delicado: como e quando responder ao Irã para não parecer fraco e ao mesmo tempo evitar perder o apoio de aliados internacionais — que defenderam Israel e pediram cautela, pois não querem o alargamento do conflito.
Gherman ponderou que o primeiro-ministro israelense pode até abrir mão do ataque ao território palestino para focar no Irã, embora ele acredite que “Netanyahu vai atacar nas duas direções, por disfuncionalidade e falta de estratégia”.
Fonte: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2024/04/15/ira-israel-drones-motivo-ataque?utm_medium=email&utm_campaign=Nexo%20%20Hoje%20-%2020240416&utm_content=Nexo%20%20Hoje%20-%2020240416+CID_e8d43826873461c9caf4bd944d6c9384&utm_source=Email%20CM&utm_term=7%20pontos-chave%20para%20entender%20os%20ataques%20entre%20Israel%20e%20Ir
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