quinta-feira, 30 de junho de 2011

Jovens valorizam desafios e desenvolvimento profissional

Gestão: Pesquisa revela que brasileiros de até 30 anos
 desejam trabalhar em companhias que ofereçam possibilidades
de crescimento e aprendizado.
Luis Ushirobira/Valor
 Thays Bueno, de 28 anos, é funcionária no Google e fez cursos de espanhol,
escrita criativa e a pós-graduação em marketing com apoio da organização

Desenvolvimento profissional e desafios constantes são as principais metas dos profissionais de até 30 anos para suas carreiras. Em busca desses objetivos, eles estão derrubando os mitos que os perseguem: ao contrário do que se acreditava, os representantes da chamada geração Y desejam permanecer por muitos anos em uma mesma companhia, desde que elas abram possibilidades de crescimento e aprendizado. A conclusão é do estudo "Empresa dos Sonhos dos Jovens", realizado pela Cia de Talentos, em parceria com a empresa de pesquisa NextView People.
Em 2011, os mais de 40 mil brasileiros entrevistados elegeram o Google como a melhor empresa para iniciar ou desenvolver suas carreiras. É a segunda vez que a multinacional de serviços de tecnologia ocupa o topo do ranking realizado desde 2002. No ano passado, a empresa ultrapassou a Petrobras, que conquistou a segunda colocação no ranking geral, mas continua como primeira opção para os jovens das classes C, D e E, conforme apontou segmentação da pesquisa por nível de renda. Ambas, porém, reúnem características que são cada vez mais valorizadas pelos jovens: o estímulo ao aprendizado e a sensação de poder "trocar de emprego" diversas vezes dentro da mesma organização.
"As empresas mais bem avaliadas têm muito em comum. Além de possuírem uma boa imagem e um ambiente de trabalho motivador, oferecem o desenvolvimento e os desafios que os jovens tanto desejam", afirma Danilca Galdini, sócia-diretora da NextView People.
Segundo ela, essas características podem ser a solução para um dos principais temores das empresas em relação aos talentos da nova geração: a infidelidade profissional. O estudo revelou que 41% dos jovens acreditam que o tempo adequado para permanecer na empresa pode ser superior a 20 anos. Esse percentual vem crescendo - de 9% em 2009, pulou para 30% no ano passado. "A cada pesquisa, percebemos um amadurecimento e uma coerência maior desse público com relação às suas escolhas. O foco no desenvolvimento profissional é um dos resultados desse processo", afirma Sofia Esteves, presidente da Cia de Talentos.
A especialista em comunicação e políticas públicas Thays Bueno, de 28 anos, começou a trabalhar no escritório paulistano do Google em 2006, alguns meses após a empresa iniciar suas atividades no Brasil. Desde então, passou pela área de vendas, participou de um treinamento na Irlanda e, há alguns meses, integra o time de relações públicas da companhia. Thays conciliou o trabalho com os cursos de espanhol, escrita criativa e a pós-graduação em marketing - todos eles apoiados pela empresa. "A grande vantagem do Google é que você não precisa ser um executivo 'top' para receber esses benefícios. O investimento no funcionário acontece desde o início da carreira, o que é maravilhoso para o jovem", diz.
Esse, contudo, não é o único atrativo. Segundo Monica Santos, diretora de RH do Google para a América Latina, a marca forte e inovadora e o ambiente de trabalho informal são marcas da cultura da empresa. Baias decoradas, patinetes para deslizar pelos corredores da companhia e guloseimas à disposição de todos promovem o clima de diversão no local de trabalho. "É uma combinação bastante atraente para os estudantes ou recém-formados."
O ambiente amistoso dá resultados na retenção: segundo a diretora, o 'turnover' do escritório brasileiro, que tem 300 funcionários, está abaixo da média do mercado. "Só perdemos gente para outras unidades do Google, uma vez que somos uma empresa global com oportunidades no mundo todo."
A possibilidade de construir uma carreira internacional, segundo a pesquisa, também está entre as preferências dos profissionais com até 30 anos. "As companhias que se destacam no ranking são multinacionais ou brasileiras que atuam em vários países", afirma Danilca, da NextView.
Esse é o caso da Petrobras, que atua nos cinco continentes e oferece oportunidades de trabalho e cursos no exterior para seus funcionários. Segundo Mariângela Mundim, gerente de planejamento e avaliação de RH, a boa imagem da empresa também contribui para conquistar o jovem. "O fato de sermos pioneiros e reconhecidos internacionalmente pela capacidade tecnológica é um diferencial na hora de atrair talentos", afirma.
Fazer parte do time da Petrobras era o sonho de Tainá Cosme, de 23 anos, durante a faculdade de engenharia química. Formada em 2009, no ano seguinte ela foi aprovada no concurso público para o cargo de engenheira de processamento júnior. O trabalho, porém, só começou há um mês: ela passou pouco mais de um ano em um curso de formação na Universidade Petrobras. Depois de ser avaliada e passar por entrevistas com os futuros gestores, foi selecionada para a área de petroquímica, onde desejava atuar.
O investimento na formação e o fato de a Petrobras ser referência em tecnologia de petróleo foram determinantes para a escolha de Tainá. "É uma companhia que dá valor ao conhecimento e sempre se aprimora tecnicamente", afirma ela, que também destaca a importância da estabilidade. Mariângela explica que uma das principais vantagens da Petrobras para o jovem é a diversidade de funções e atividades que a empresa oferece. "Aqui é possível mudar de emprego sem pedir demissão."
O dinamismo das empresas, segundo Danilca Galdini, da NextView, é uma característica valorizada por esse público, assim como a ética. "A primeira edição da pesquisa, em 2002, mostrou que o jovem valorizava a boa imagem da organização. Hoje, ele cobra ações e comportamento condizentes com essa imagem."
Outra mudança percebida em 2011 foi a tendência de diversificação dos setores escolhidos pelos jovens. Em edições anteriores da pesquisa, as empresas de bens de consumo, tecnologia e bancos dominavam a preferência dos entrevistados. Hoje, indústrias como a de infraestrutura - beneficiada principalmente pela proximidade da Copa do Mundo e Olimpíada - começam a constar do levantamento.
É o caso da Odebrecht, que está entre as dez preferidas dos jovens pela primeira vez. "Já tivemos 'ondas' como a do mercado financeiro e a da tecnologia. Mas o jovem agora está preocupado em desenvolver carreira, independente do segmento", afirma Sofia Esteves, da Cia de Talentos.
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Reportagem por: Vívian Soares De São Paulo
Fonte: Valor Econômico on line, 29/06/2011

Sobrevida de segunda

ANNE APPLEBAUM*
Vinte anos após o fim da URSS, o homem que presidiu o
desmanche está longe de ser festejado como herói
 – isso quando é lembrado

Ian Gavan/Getty Images ‘Gorby’ festeja 80 anos, com a atriz Sharon Stone

 
Na mais notável das muitas fotos feitas na celebração de gala em que comemorou seu 80.º aniversário, Mikhail Gorbachev parece mais baixo e mais gordo do que no auge da carreira, quando era uma das pessoas mais importantes do mundo. Sua expressão é inescrutável, não passando de um meio sorriso; sua aparência também parece pecar pela falta de asseio, e talvez ele estivesse um pouco inseguro de si. É claro que tais impressões podem ter sido exageradas pelo fato de, na foto em questão, o antigo secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética estar de braços dados com Sharon Stone. A atriz usa um sedoso vestido cor de champanhe e batom de um vermelho vivo. Sorri abertamente. De salto alto, ela parece ser mais de 15 cm mais alta que Gorbachev, o que sem dúvida diminui sua aura de autoridade.
Mas, pensando bem, faz muito tempo que Gorbachev deixou de ter a mesma aura de autoridade. Na verdade, todos os aspectos daquela extravagante festa de aniversário gritavam “celebridades do segundo escalão”. Sharon não emplaca um filme de sucesso há algum tempo; o mesmo pode ser dito de Kevin Spacey, coanfitrião do evento ao lado dela. Entre os presentes estavam também Goldie Hawn, Arnold Schwarzenegger, Ted Turner, Shirley Bassey e – sinto informar – até Lech Walesa. O baile de gala era ostensivamente um evento para arrecadar fundos para a Fundação Raíssa Gorbachev, que ajuda a financiar o tratamento de crianças com câncer. Mas a noite serviu principalmente para sublinhar quanto é estranho o destino de Gorbachev. Ali estava o homem que lançou a glasnost e a perestroika, presidiu o desmantelamento do império soviético e depois o da própria União Soviética, é um dos estadistas fundadores da Rússia moderna – e, ainda assim, sua festa de aniversário foi realizada no Royal Albert Hall, em Londres, entre convidados que mal o conheciam.
Isso não foi um acidente; 20 anos após a dissolução da URSS, a Rússia se mostra ambivalente (na melhor das hipóteses) em relação a Gorbachev. Longe de ser celebrado como herói, ele é comumente lembrado como um líder desastroso – isso quando chega a ser lembrado. É verdade que criou espaço para uma nova era de abertura anunciando liberdades antes impensáveis na década de 80, mas na Rússia ele é também considerado o responsável pelo colapso econômico dos anos 90. Da mesma maneira, a maioria dos russos não anseia por agradecer a ele pelo fim do império soviético. Ao contrário: o atual primeiro-ministro russo, Vladimir Putin, descreveu o desmantelamento da União Soviética como “a maior catástrofe geopolítica” do século 20. Uma pesquisa de opinião divulgada em março, na época do aniversário, mostrava que cerca de 20% dos russos sentiam uma hostilidade ativa em relação a Gorbachev, 47% eram indiferentes a ele e apenas 5% diziam admirá-lo. E esse resultado foi uma melhoria: outra pesquisa, realizada em 2005, revelou que ele inspirava hostilidade em 45% dos russos. Na Rússia atual, a palavra perestroika recebe quase invariavelmente conotações negativas.
Em Londres e Washington, a reputação de Gorbachev é obviamente mais positiva. Ele é tratado com carinho – foi convidado para o funeral de Ronald Reagan e para a festa de 80 anos de George Bush pai – e costuma ser celebrado como um “símbolo” da paz e do bem-vindo fim da Guerra Fria. Mas ele também recebe elogios insossos e às vezes até inapropriados. Em sua festa de aniversário, Paul Anka cantou em dueto com um roqueiro da era soviética. O refrão: “One day we’ll recall / He was changing the world for us all” (“Um dia lembraremos / que ele estava mudando o mundo para todos nós”). Então Sharon o presenteou com uma pergunta retórica: “Onde estaria a Rússia se não estivesse colhendo os frutos benéficos da democracia livre?” Eu gostaria de ter estado presente para ver a expressão de constrangimento no rosto dos convidados no Royal Albert Hall. Afinal, a Rússia não colheu os frutos benéficos da livre democracia, como bem sabiam todos os russos ali presentes. Até o próprio Gorbachev descreveu recentemente a democracia russa como uma mentira: “Temos instituições, mas elas não funcionam. Temos leis, mas elas precisam de policiamento para serem cumpridas”.
É claro que não se pode culpar Gorbachev pela falta de transparência política no Kremlin de hoje, nem pela debilidade dos partidos políticos, pelo retorno da antiga KGB enquanto fonte de influência e poder e nem pela violência que as autoridades russas empregam intermitentemente contra todo tipo de dissidente. E nem foram de responsabilidade dele as verdadeiras causas do colapso econômico dos anos 90 – o baixo preço do petróleo, 70 anos de políticas econômicas equivocadas e a insaciável ganância da elite russa educada no sistema soviético. Boris Yeltsin, o primeiro presidente russo, carrega uma parcela muito maior da culpa pela corrupção na economia russa, e Putin é sem dúvida o principal responsável pelo estado de estagnação da política russa.
Na verdade, Gorbachev não pretendia que as coisas acabassem da maneira como acabaram. Mas até aí ele nunca se propôs a ser um dos pais fundadores da Rússia moderna. Era um reformista, não um revolucionário; quando se tornou líder do Partido Comunista soviético, em março de 1985, sua intenção era revitalizar a União Soviética, não desfazê-la. Ele sabia que o sistema estava estagnado. Mas não entendeu por quê. Em vez de abolir o planejamento central ou anunciar uma reforma nos preços, Gorbachev anunciou uma drástica campanha de combate ao álcool: talvez, se bebessem menos, os trabalhadores produzissem mais. Dois meses depois de assumir o poder, ele impôs restrições à venda de álcool, aumentou a idade mínima para o consumo de bebidas alcoólicas e ordenou cortes na produção das mesmas. O resultado: grandes perdas para o orçamento soviético e uma dramática escassez de certos produtos, como o açúcar, que a população começou a usar para produzir vodca caseira ilegal.
Foi somente depois do fracasso da campanha – e somente depois do desastre nuclear de Chernobyl tê-lo obrigado a se dar conta dos perigos do sigilo numa sociedade industrial avançada – que Gorbachev empreendeu sua segunda tentativa de reforma. Como a campanha contra o álcool, a glasnost tinha o intuito original de promover a eficiência econômica. Gorbachev acreditava que um debate aberto dos problemas da União Soviética levaria ao fortalecimento do comunismo. Ele sem dúvida nunca quis que sua política alterasse o sistema econômico da URSS de modo profundo. Ao contrário. Pouco depois de assumir o poder, ele disse a um grupo de economistas do partido: “Muitos de vocês enxergam como solução para nossos problemas um apelo aos mecanismos de mercado como substitutos do planejamento direto. Alguns de vocês veem o mercado como um bote salva-vidas para suas economias. Mas, camaradas, vocês não devem pensar nos botes salva-vidas, e sim no navio, e este navio é o socialismo”.
É claro que Gorbachev acabaria mudando suas ideias, tanto na economia quanto em muitas outras áreas. De fato, esse padrão se repetiria muitas vezes. Determinado a salvar o planejamento central, ele disse às pessoas que falassem abertamente a respeito desse sistema econômico – e, como resultado, a população concluiu que ele não funcionava. Determinado a salvar o comunismo, ele deixou que as pessoas criticassem esse sistema político – e, como resultado, elas decidiram que preferiam o capitalismo. Determinado a salvar o império soviético, ele concedeu mais liberdade aos europeus orientais – que usaram essa liberdade para se libertar das garras do império tão logo puderam fazê-lo. Ele nunca compreendeu a profundidade do cinismo em seu próprio país e nem a profundidade do anticomunismo nos Estados satélites soviéticos. Nunca compreendeu quanto as burocracias centrais estavam podres e nem quanto os burocratas tinham se tornado amorais. Ele sempre pareceu surpreendido pelas consequências de seus atos. No fim, em vez de fazer história, Gorbachev se viu correndo para alcançá-la.
Na verdade, todas as suas decisões mais radicais e importantes foram aquelas que ele não tomou. Ele não ordenou aos alemães-orientais que atirassem contra as pessoas que cruzavam o Muro de Berlim. Não lançou uma guerra para evitar a deserção dos países bálticos. Não impediu o esfacelamento da União Soviética e nem impediu a ascensão de Yeltsin ao poder. O fim do comunismo poderia sem dúvida ter sido muito mais sangrento e, se houvesse outra pessoa no comando, é possível que as coisas tivessem sido assim. Por sua recusa em recorrer à violência, Gorbachev merece a cafona serenata de Paul Anka.
Mas, por não ter compreendido o que estava ocorrendo, Gorbachev deixou de preparar seus compatriotas para as grandes mudanças políticas e econômicas. Ele não ajudou a projetar instituições democráticas e não preparou os alicerces para uma reforma política ordenada. Em vez disso, tentou se manter no poder até o último instante – para preservar a União Soviética até que fosse tarde demais. Como resultado, não houve para ele sobrevivência política após o colapso da URSS. Depois de deixar o cargo, Gorbachev tentou por três vezes fundar novos partidos políticos. Fracassou em todas elas.
Na política o senso de oportunidade é tudo, como estamos aprendendo novamente este ano com a agitação no Oriente Médio. Se o egípcio Hosni Mubarak tivesse convocado eleições livres um ano atrás, seria lembrado como um estadista magnânimo. Se o líbio Muamar Kadafi tivesse graciosamente abdicado em favor de seu filho Saif al-Islam, ele seria agora lembrado nos brindes feitos em todos os salões europeus. Se o tunisiano Zine al-Abidine Ben Ali tivesse começado a planejar sua aposentadoria um pouco mais cedo, estaria agora vivendo em paz num subúrbio de Túnis e não evitando os mandados de captura da Interpol em algum lugar da Arábia Saudita.
Pela mesma lógica, se Gorbachev tivesse planejado o desmantelamento da União Soviética desde 1988, em vez de aceitar furioso esse destino somente após sua consumação, em 1991, seu aniversário este ano poderia ter sido celebrado por russos agradecidos, em lugar de atrizes americanas balbuciando banalidades. Como também aprenderemos no Oriente Médio, uma transição organizada da ditadura para a democracia conta com dois elementos cruciais: uma elite disposta a abrir mão do poder e uma elite alternativa suficientemente organizada para assumi-lo. Graças em parte à natureza relutante e caótica dos últimos anos de Gorbachev no poder, a Rússia não teve nenhuma das duas coisas.
Pode ser que não houvesse para ele a possibilidade de agir de outra forma. Gorbachev nada sabia da democracia real e conhecia menos ainda a dinâmica econômica do livre mercado. Criado e educado na cultura soviética, ele simplesmente não conseguiu pensar numa saída para aquele sistema. Não evitou a mudança e não atirou nas pessoas que finalmente realizaram essa mudança. Mas, num momento histórico de tamanha importância, a ignorância não serve como desculpa.
/ TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
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* Anne Applebaum, colunista do Washington Post, é autora do livro Gulag - Uma História (Civilização Editora) e escreveu este artigo para a revista Foreign Policy.
Fonte: Estadão on line, 26/06/2011

Passeatas diferentes

CONTARDO CALLIGARIS*
Imagem da Internet
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Por que alguém desfila para pedir
não liberdade para si mesmo,
mas repressão para os outros?
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DOMINGO PASSADO, em São Paulo, foi o dia da Parada Gay.
Alguns criticam o caráter carnavalesco e caricatural do evento. Alexandre Vidal Porto, em artigo na Folha do próprio domingo, escreveu que, na luta pela aceitação pública, "é mais estratégico exibir a semelhança" do que as diferenças, pois a conduta e a aparência "ultrajantes" podem ter "efeito negativo" sobre o processo político que leva à igualdade dos homossexuais. Conclusão: "O papel da Parada é mostrar que os homossexuais são seres humanos comuns, que têm direito a proteção e respeito, como qualquer outro cidadão".
Entendo e discordo. Para ter proteção e respeito, nenhum cidadão deveria ser forçado a mostrar conformidade aos ideais estéticos, sexuais e religiosos dominantes. Se você precisa parecer "comum" para que seus direitos sejam respeitados, é que você está sendo discriminado: você não será estigmatizado, mas só à condição que você camufle sua diferença.
Importa, portanto, proteger os direitos dos que não são e não topam ser "comuns", aqueles cujos comportamentos "caricaturais" testam os limites da aceitação social.
Nos últimos anos, mundo afora, as Paradas Gays ganharam a adesão de milhões de heterossexuais porque elas são o protótipo da manifestação libertária: pessoas desfilando por sua própria liberdade, sem concessões estratégicas. É essa visão que atrai, suponho, as famílias que adotam a Parada Gay como programa de domingo. A "complicação" de ter que explicar às crianças a razão de homens se esfregarem meio pelados ou de mulheres se beijarem na boca é largamente compensada pela lição cívica: com o direito deles à diferença, o que está sendo reafirmado é o direito à diferença de cada um de nós.
O mesmo vale para a Marcha para Jesus, que foi na última quinta (23), também em São Paulo. Para muitos que desfilaram, imagino que a passeata por Jesus tenha sido um momento de afirmação positiva de seus valores e de seu estilo de vida -ou seja, um desfile para dizer a vontade de amar e seguir Cristo, inclusive de maneira caricatural, se assim alguém quiser.
Ora, segundo alguns líderes evangélicos, os manifestantes de quinta-feira não saíram à rua para celebrar sua própria liberdade, mas para criticar as recentes decisões pelas quais o STF reconheceu a união estável de casais homossexuais e autorizou as marchas pela liberação da maconha. Ou seja, segundo os líderes, a marcha não foi por Jesus, mas contra homossexuais e libertários.
Pois é, existem três categorias de manifestações: 1) as mais generosas, que pedem liberdade para todos e sobretudo para os que, mesmo distantes e diferentes de nós, estão sendo oprimidos; 2) aquelas em que as pessoas pedem liberdade para si mesmas; 3) aquelas em que as pessoas pedem repressão para os outros.
O que faz que alguém desfile pelas ruas para pedir não liberdade para si mesmo, mas repressão para os outros?
O entendimento trivial desse comportamento é o seguinte: em regra, para combater um desejo meu e para não admitir que ele é meu, eu passo a reprimi-lo nos outros.
Seria simplório concluir que os que pedem repressão da homossexualidade sejam todos homossexuais enrustidos. A regra indica sobretudo a existência desta dinâmica geral: quanto menos eu me autorizo a desejar, tanto mais fico a fim de reprimir o desejo dos outros. Explico.
Digamos que eu seja namorado, corintiano, filho, pai, paulista, marxista e cristão; cada uma dessas identidades pode enriquecer minha vida, abrindo portas e janelas novas para o mundo, permitindo e autorizando sonhos e atos impensáveis sem ela. Mas é igualmente possível, embora menos alegre, abraçar qualquer identidade não pelo que ela permite, mas por tudo o que ela impede.
Exemplo: sou marido para melhor amar a mulher que escolhi ou sou marido para me impedir de olhar para outras? Não é apenas uma opção retórica: quem vai pelo segundo caminho se define e se realiza na repressão -de seu próprio desejo e, por consequência, do desejo dos outros. Para se forçar a ser monogâmico, ele pedirá apedrejamento para os adúlteros: reprimirá os outros, para ele mesmo se reprimir. No contexto social certo, ele será soldado de um dos vários exércitos de pequenos funcionários da repressão, que, para entristecer sua própria vida, precisam entristecer a nossa.
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*Psicanalista italiano radicado no Brasil. É colunista da Folha de S. Paulo. É casado desde maio de 2011 com a atriz Mônica Torres.Sua primeira formação foi em Epistemologia Genética, na Suíça, numa faculdade em que Jean Piaget palestrava. Nesse momento, os estudos de Calligaris foram direcionados às ciências sociais. Ao mesmo tempo, fez graduação em Letras que o permitiu ensinar teoria da literatura.ccalligari@uol.com.br

@ccalligaris
Fonte: Folha on line, 30/06/2011

O sucesso dos fracassados

Gilberto Dimenstein*


O bom desempenho acadêmico e profissional está menos ligado à inteligência do que ao autocontrole, isto é, à habilidade de gerenciar os impulsos, focar o que é relevante e perseverar.
Esse assunto vai entrar na agenda mundial em razão da recente divulgação de pesquisas que, feitas por psicólogos e neurocientistas de algumas das melhores universidades americanas, vêm ganhando credibilidade entre especialistas em aprendizagem.
Crianças que conseguem lidar melhor com a frustração e com o fracasso tendem a obter bons empregos, a ter sucesso em negócios, a economizar dinheiro, a cuidar da saúde e a ficar distantes de vícios.
Além disso, é claro, elas tendem a ter melhor desempenho escolar. Ficar sentado estudando, afinal, é tarefa que exige que, apostando numa recompensa futura, se deixe de fazer algo mais agradável.
É possível aprender a ter autocontrole? É o que algumas escolas nos Estados Unidos estão experimentando com crianças a partir dos três anos de idade. Os resultados, pelo menos nas notas, têm sido positivos.
As pesquisas vêm sendo feitas desde a década de 1970, quando, na Universidade Stanford, começaram a acompanhar crianças que demonstravam, em experimentos, saber controlar os impulsos.
Numa das experiências, puseram um chocolate diante de cada criança de um grupo de testes. Aquelas que não comessem nada ganhariam, mais tarde, três chocolates. Acompanhou-se por décadas esse grupo, comparando o desempenho dos seus integrantes nas mais variadas atividades. Observou-se que quem sabe se controlar obtém vantagens acadêmicas, ou seja, boas notas.
No mês passado, a psicóloga Terrie Moffitt, professora da Duke (EUA), um dos mais importantes centros de neurociências do mundo, divulgou um estudo baseado em 30 anos de observação. Foi além das revelações sobre as notas dos alunos. “Há um impacto generalizado nas mais diferentes áreas, inclusive na taxa de criminalidade”, afirma.
Ela acompanhou 1.037 pessoas desde a primeira infância até os 32 anos de idade. Resultado semelhante ocorreu em suas pesquisas com gêmeos. “Vimos que o autocontrole, depois de descontados fatores como renda e classe social, superou a inteligência como elemento desencadeador de sucesso no universo acadêmico e no profissional.”
A pergunta óbvia: a habilidade de controlar os impulsos é algo genético? A psicóloga diz que, em parte, ela decorre de herança genética, mas que também há influência do ambiente, como a família e a escola.
Por isso algumas escolas estão criando jogos destinados a desenvolver o autocontrole. Um dos jogos usa peças de teatro para que as crianças aprendam a executar papéis. Esse é um recurso em meio a diversos tipos de brincadeira, cuja recompensa está associada à capacidade de lidar com a frustração e de postergar alguma decisão. Estimula-se, assim, a capacidade de encontrar soluções para desafios.
Tenho visto aqui na escola de negócio de Harvard vários professores repetirem o seguinte: bom empreendedor é aquele que sabe fracassar, fazendo dessa experiência uma motivação e um aprendizado. “Fracasso é uma medalha a ser colocada com destaque no currículo”, diz Rosabeth Kanter, professora da escola de negócios de Harvard e mundialmente renomada por seus perfis de empreendedores.
Talvez esteja aí um jeito de entender melhor por que migrantes e seus filhos -obrigados a lidar com adversidades e frustrações, desenvolvendo a resiliência- tendem a prosperar e por que cidades mais abertas a imigrantes são mais inovadoras e empreendedoras.
PS- Até acho que as pesquisas sobre autocontrole fazem muito sentido. Saber trabalhar as limitações e frustrações é essencial para manter a garra. Meu receio é o modo como isso se traduz na prática. Tenho visto muitos pais e educadores reduzirem o espaço da brincadeira, importante para a imaginação, para que a criança seja um adulto supostamente mais eficiente. Muita criança de classe média tem agenda de executivo. Se o autocontrole é importante para o bom desempenho, a imaginação também o é.
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*Colunista e membro do Conselho Editorial da Folha de S.Paulo e comentarista da rádio CBN, é fundador da Associação Cidade Escola Aprendiz
Imagem da Internet

Google+

CÍRCULOS O projeto contará com uma ferramenta que divide os amigos em "círculos",
de forma que cada grupo terá acesso a determinadas informações e atualizações da pessoa.

"O compartilhamento online precisa ser visto sob uma nova perspectiva,
e já era hora de começarmos a fazer isso.
 Só (faltava) mais uma coisa. Na verdade, a única coisa: você".
Assim foi apresentada
 a nova rede Google+.

Google apresentou nesta terça-feira (28) seu mais novo projeto: uma rede social que promete competir diretamente com o Facebook. Se chama Google+ (lê-se Google “plus”, em inglês), e se autoentitula “o compartilhamento da vida real na perspectiva da web”. Segundo a empresa, os serviços existentes de compartilhamento online, as atuais redes sociais, são inadequados, “quebrados”, mas o Google+ tem a pretensão de “consertar” isso.
Gostaríamos de trazer as nuances e a riqueza do compartilhamento da vida real para o software. Queremos incluir você, seus relacionamentos e seus interesses, e fazer o Google melhor”, diz a nota que apresenta o serviço, publicada no blog do Google.
O principal diferencial da nova rede social será a divisão dos contatos do usuário em grupos. Amigos, colegas de trabalho, família e até mesmo seu chefe serão separados em categorias diferentes, de forma que cada grupo tenha acesso a informações específicas sobre a pessoa e não consiga “saber tudo sobre sua vida”. Nada que não exista nas outras redes sociais, mas o Google promete desenvolver a ferramenta para que cada amigo conectado ao usuário tenha acesso a informações específicas baseado em como a pessoa o classificou.
“Cada conversa on-line (com mais de 100 "amigos") é uma exposição pública e, por isso, compartilhamos menos com medo dos holofotes”, afirma a nota. Para contornar a grande questão das redes sociais - o medo da exposição pública -, o Google+ filtrará, selecionará o conteúdo a ser apresentado a cada pessoa conectada ao usuário do perfi, sem que ninguém precise ter medo de postar o que quiser em sua página.
Outra ferramenta, o +Spark cria uma espécie de lista de feeds em rss baseada nos interesses dos usuários, de forma a lhe apresentar conteúdo constante sobre aquilo que ele tem interesse. Uma outra, chamada +Hangouts, diz que revolucionará a forma de comunicação entre as pessoas online ao combinar encontros casuais com vídeos ao vivo.
Além dessas funções, o Google resolveu adaptar a experiência do Google+ para os aparelhos celulares, e promete informar aonde a pessoa está para que seus amigos possam comentar e interagir melhor com o usuário. “O compartilhamento online precisa ser visto sob uma nova perspectiva, e já era hora de começarmos a fazer isso. Só (faltava) mais uma coisa. Na verdade, a única coisa: você”, diz o Google Blog.
Por enquanto, o serviço, assim como o Gmail no início e o Google Wave, estará disponível apenas para um seleto grupo de pessoas convidadas. Ainda não ficou claro se essas pessoas, da mesma forma como aconteceu com esses dois serviços, poderão enviar convites a outros usuários. Mas na página do Google+, o Google já abriu um serviço para que pessoas se cadastrem no banco de dados e recebam a próxima leva de convites.
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“A natureza também é manifestação de Deus”

 Imagem da Internet
Sendo a fé a melhor resposta comunicativa entre Deus e o ser humano, a 7ª edição do Mutirão Brasileiro de Comunicação será um espaço privilegiado de manifestação dos diferentes processos e valores que contribuem para melhorar as relações da pessoa humana com o Criador e as demais criaturas que integram a diversidade da vida no planeta Terra, tema esse relacionado com a Campanha da Fraternidade da CNBB em 2011. Para falar sobre ecologia e comunicação, o Professor de Jornalismo Ambiental da Puc-Rio, André Trigueiro, ressaltou o papel do cristão de preservar a natureza. Trigueiro estará no Painel do terceiro dia do evento. Na ocasião, ele falará sobre “Comunicação como processo de valorização da vida”.

Como que a comunicação pode interferir na vida do Planeta?
André Trigueiro: Se a gente entender que através da comunicação é possível influenciar hábitos, comportamentos, estilos de vida, padrões de consumo, você pode disseminar boas ideias e boas práticas. Nesse sentido, a comunicação tem um poder inspirador, transformador incutindo nas pessoas uma consciência do que seja importante fazer e de que maneira.

O tema do Muticom é “Comunicação e Vida: diversidade e mobilidades” e visa valorizar a vida através da comunicação. É possível fazer uma relação com a preservação do meio ambiente?
André Trigueiro: Sempre é possível. Quando a gente pensa meios de preservar o ambiente, não estamos falando só de fauna, flora, água, mico leão dourado e baleia azul, estamos falando da gente. Porque na verdade a crise ambiental nos ameaça enquanto espécie. A gente não está imune aos efeitos colaterais dessa crise. Então, é perfeitamente possível organizar um evento em que a gente deixe muito claro que o meio ambiente começa no meio da gente. Se não tivermos água limpa, terra fértil e ar puro, não há projeto de civilização possível.

Como a comunicação ajuda nas relações da pessoa humana com o Criador e as demais criaturas que integram a diversidade da vida no Planeta?
André Trigueiro: Temos uma questão teológica. Parece-me que nenhuma religião poderia deixar de se considerar sustentável, porque se todas as tradições religiosas defendem a vida, não pode ser a favor do ecocídio. Estamos falando, portanto da capacidade que a religião tem de resgatar o sagrado. Não há nada mais sagrado do que a vida, a oportunidade de estarmos vivos e sentirmos integrados com o meio que nos cerca. Para as tradições cristãs eu gostaria de lembrar a importância de São Francisco, Padroeiro da Ecologia, que foi exemplo de humildade e subserviência a Deus e que conversava com pássaro, borboleta, e ele resgatava o sagrado presente na natureza. A natureza também é manifestação de Deus.
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Fonte: http://www.muticom.com/index.php -Acesso 30/06/2011

Alunos brasileiros estão dez anos atrasados em inclusão digital


Levantamento PISA, publicado pela Unesco e OCDE,
mostra que somente 53% dos estudantes do País tem acesso à internet
enquanto a média nos
países ricos é maior de 90%

GENEBRA - Metade dos estudantes brasileiros está "desconectado" e o País soma uma década de atraso em comparação aos alunos de escolas de países ricos no que se refere ao acesso à computadores e Internet. Se não bastasse, as escolas brasileiras estão entre as piores em termos de acesso de seus alunos à informática, o que pode já comprometer a formação de milhares de jovens.
Esse é o resultado do primeiro levantamento PISA feito para avaliar a relação entre os sistemas de ensino e a tecnologia. Segundo o documento, elaborado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a escolas brasileiras não estão equipadas e o País é o último numa lista de 38 sistemas de ensino avaliados quando o assunto é o número de computadores em escolas por alunos. O Brasil é ainda um dos países mais desiguais em termos de acesso aos computadores e a disparidade continua aumentando.
Apesar de os dados serem de 2009, os pesquisadores acreditam que eles revelam uma imagem da preparação de diferentes sistemas de ensino para enfrentar o século 21 e suas tecnologias. Ela mede o acesso ao computador de um estudante de 15 anos no mundo.
De um total de 65 países avaliados, apenas dez estão em uma situação pior que a do Brasil. Segundo o levantamento, alunos da Romênia, Rússia e Bulgária contam com mais acesso à tecnologia que os brasileiros.
Na média, 53% dos estudantes brasileiro de 15 anos tinham computadores em casa. Há dez anos, essa taxa era de apenas 23%. Apesar do avanço, os números são ainda muito inferiores à média dos países ricos. Na Europa, Estados Unidos e Japão, em média mais de 90% dos estudantes tem um computador em casa.
A taxa de 50% que o Brasil tem hoje é equivalente ao que a média da Europa tinha no ano 2000. O atraso, portanto, seria de dez anos.

Desigualdade.
Mas o estudo revela que a média brasileira na realidade esconde uma profunda desigualdade no acesso à informática. Entre a camada mais rica dos estudantes, 86% deles tem computador e Internet em casa. A taxa é equivalente aos estudantes dos países ricos.
Mas entre os estudantes com menos recursos no Brasil, apenas 15% tem a ferramenta. A proporção é bem melhor que o cenário do ano 2000. Naquele ano, apenas 1 a cada 100 estudante pobre tinha acesso ao computador e uma série de iniciativas vez o número subir. Agora, são 15 alunos para cada 100 com acesso. Mas segundo a OCDE, a diferença entre os estudantes ricos e pobres no Brasil é uma das maiores do mundo e continua a aumentar, e não reduzir.
Nos países europeus, a diferença entre as duas classe é de menos de dez pontos percentuais. Entre os alunos brasileiros que tem computadores, menos de 30% dos mais pobres tem Internet em casa. Nos ricos, eles chegam a 90%.

Escolas.
Para Sophie Vayssettes, pesquisadora da OCDE que preparou o levantamento, cabe ao poder público compensar essa disparidade social, dando acesso aos computadores nas escolas. "Muitas famílias não tem renda para ter um computador em casa. Mas políticas devem ser implementadas para permitir uma correção dessa situação e dar esse acesso em locais públicos, como as escolas", disse ao Estado.
Mas, no caso do Brasil, essa política continua frágil. Hoje as escolas tem um computador para cada cinco alunos, taxa considerada como insuficiente. Na média dos países ricos, as escolas tem um computador para cada dois alunos. Na Austrália, o sistema de educação garante um computador por aluno.
Segundo o levantamento, o Brasil é o último em uma lista de 38 sistemas de ensino a garantir acesso ao computador, superado pela Albânia, Indonésia e Bulgária.
O levantamento mostrou que 62% dos alunos brasileiros frequentam escolas com sérios problemas para garantir acesso de seus estudantes aos computadores. Entre a classe mais pobre, 3 de cada 4 está em escolas com sérias deficiências.
"O aprendizado do uso de computadores é primordial para o futuro desses jovens ", disse Sophie. "Estudos mostram que pessoas com conhecimento de informática tem 25% a mais de chance de encontrar um trabalho. Portanto, preparar os alunos aos século 21 é fundamental para qualquer sistema de ensino ", alertou.
Segundo a pesquisadora, não é apenas com o objetivo de encontrar um posto de trabalho que a informática deve ser ensinada na escola. " Cada vez mais, muito do que fazemos está sendo limitado à Internet, como a compra de passagens aéreas. Não ter acesso à computadores também é uma forma de exclusão social ", completou.
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Reportagem por Jamil Chade, Correspondente em Genebra
Fonte: Estadão on line, 28/06/2011

Que pode ser considerado um "mau" leitor? (especialmente na universidade)

Magna Campos*
Muitas pessoas acreditam que leitura se aprende durante a fase de alfabetização. Isso demonstra um entendimento muito vago do que seja efetivamente leitura. Pois ler não se refere apenas à capacidade de decodificar uma língua, seja ela a língua portuguesa ou qualquer outra.
A decodificação é apenas uma das dimensões ou um dos níveis de leitura, talvez o mais básico deles. Mas ler é, também, saber relacionar texto ao seu contexto tanto linguístico imediato, chamado dentro da Análise do Discurso, de co-texto, quanto ao contexto situacional em que o texto, leitor e a leitura estão inseridos, este sim, chamado verdadeiramente de contexto.
Essa segunda dimensão ou nível de leitura constitui a compreensão do texto. Para compreender um texto é preciso mais do que se pautar somente naquilo que está explícito no texto, é preciso ouvir também os silêncios que o constituem, seus implícitos, suas entrelinhas.
O leitor que, além de decodificar consegue também compreender um texto, já é um leitor mais preparado que aquele que apenas reproduz o que está na superfície textual. Todavia, esse ainda é um leitor que precisa evoluir bastante para alcançar o nível de leitura desejável ao leitor proficiente, diríamos.
Mais do que decodificar e compreender um texto, é preciso compreender que a leitura envolve condições de produção, ou seja, ela não está dissociada de seu entorno: cultural, social, político, histórico e linguístico.
Essa reflexão deriva do fato de que a produção de sentidos, operada na/pela leitura, depende da ação de um sujeito, não como um ser individualizado, fechado em si mesmo, mas como ser constituído pelo tecido social.
O contexto social é importante na ação da leitura não por determinar, mas por influenciar o que poderíamos entender como uma co-produção de sentidos operada na relação entre o sujeito-leitor e o sujeito-autor mediada pelo texto. Entendemos que esse contexto não se presta somente a ser pano de fundo para o sentido, mas participa de sua constituição, historicizando-o, situando-o. E, no mesmo alinhamento, entendemos que o sujeito-leitor é aquele que produz sua leitura a partir de sua inscrição nessa dinâmica, como sujeito social.
Essa postura nos leva a considerar, além da dinâmica social – que joga na constituição da linguagem e, consequentemente, do sujeito –, os atravessamentos do social pela ideologia e pela historicidade e a impossibilidade de se compreender a linguagem autonomamente, pautando-se na crença de significados anteriores ao discurso (texto) e à história, conforme propõe Orlandi (1988).
Um texto não surge do nada, descolado da época, dos modos de dizer-fazer de uma determinada cultura. Os conteúdos tratados nos textos dialogam aberta ou implicitamente com outros textos que formam aquilo que é chamado de outras vozes que compõem um texto. Pois como diria Mikhail Bakhtin, no famoso livro, Estética da Criação Verbal, nenhum sujeito/enunciado – entenda-se por extensão, texto – é um Adão bíblico. Isto é, nenhum texto lida com palavras "virgens", dotadas de sentidos sempre os mesmos e sempre iguais, independemente do tempo e do espaço em que ocorra. Portanto, o texto pode ser considerado um elo em uma cadeia de discursos.
Alcançar esse nível desejável de leitura, o nível mais profundo, o da interpretabilidade – interpretação – demanda um trabalho atento do leitor não só pensando na palavra dita do texto e nos seus não-ditos, mas também no seu entorno sociocultural, histórico e linguístico. É preciso relacionar o texto a outros textos já lidos ou ouvidos, relacioná-lo a suas condições de produção, para a partir de então, conseguir emitir criticamente um ponto de vista sobre os temas e conceitos nele apresentados.
Todavia, aquele que se poderia considerar como "mau" leitor não consegue, muitas vezes, sequer extrapolar o nível da decodificação, repetindo mecanicamente as palavras do texto, sem lhes perceber as ironias, as insinuações, as ambiguidades propositais, os jogos de significado e de sentidos propostos pelo texto. Outras vezes, não atentando para as relações estabelecidas pelas partes que compõem o texto, suas interdependências.
Outros, ainda que compreendam o texto não se propõem, na verdade, a estabelecer nenhum diálogo com a temática arrolada pelo autor que não aquele intermediado ou, por que não dizer, ofuscado por outra coisa que não seja seus próprios desejos interiores ou pelo conhecimento do senso comum. Parecem desconsiderar todo o conhecimento científico da área que estão estudando ou de outras áreas que tenham conhecimento para esvaziarem suas falas com enunciados e opiniões reproduzidos incansavelmente por pessoas não conhecedoras daquela área de ciência.
Não se trata aqui de diminuir os valores dos conhecimentos populares, trata-se, antes, da necessidade de travar-se um diálogo muitas vezes tenso entre o senso comum e o conhecimento científico, buscando ampliar as leituras de mundo dos leitores, acrescentarem-se novas perspectivas menos ingênua, mais problematizadoras e mais produtivas.
Se o leitor não se torna sujeito daquilo que lê, ou seja, não se apropria do texto, de sua relação com o outro sujeito-autor, para indagar-lhe, por meio dessa textualidade ou para ser indagado por ele, dificilmente conseguirá aproveitar satisfatoriamente qualquer material lido, seja de cunho científico ou não.
Cada uma dos níveis de leitura mencionados traz em seu bojo uma postura determinada para o sujeito-leitor. Tomada como uma forma de decodificação, a leitura nada mais é do que uma apreensão de um código seja ele verbal ou não verbal, no qual quem lê percebe literalmente o texto, sem um trabalho de contextualização maior. Se vista como uma forma de compreensão, o horizonte do leitor já se amplia, podendo agora usar o contexto como uma forma de participação no sentido do texto. E, por último, se percebida como uma forma de interpretação, a leitura rasga os limites do próprio texto e adentra o discurso, solicitando do leitor que dialogue, que relacione, que perceba o texto não como um começo e um fim, mas como um entremeio que tem um já-dito e um há se dizer.
Não se pode perder de vista, também, que não se lê da mesma forma qualquer tipo de texto. É preciso estabelecer uma "espécie" de pacto ou de protocolo de leitura adequado a cada gênero textual, ou seja, a cada formato. Muitos textos são lidos para aprender, muitos outros para divertir-se, outros ainda para orientar e assim sucessivamente, dependendo do objetivo da leitura.
Se na leitura feita por lazer, o fluxo pode ser contínuo, comumente dispensada até de marcações no canto do texto; na leitura para aprender, nem sempre se consegue ler continuamente: é preciso ler "parando", tentando relacionar os argumentos, as ideias centrais e secundárias, as sucessões temporais. É necessário ir preenchendo os "vazios", processando os pressupostos e as inferências, nos que o autor conta com o conhecimento do leitor para a complementação. Não raro é preciso fazer anotações no meio ou no canto do texto, marcando similaridades ou distanciamentos de outros autores que tratam da mesma temática, a fim de ir construindo o entendimento textual.
Ler para aprender é ir fazendo anotações; identificando os pontos-chave, os argumentos e os contra-argumentos desenvolvidos, a forma como o autor apresenta esses argumentos; anotando as palavras que as expressões que não compreendeu; tentando perceber naquilo que se sabe sobre as condições de produção do texto – quem, quando, onde, porque ou para quê – o que podem "dizer" sobre a temática e o ponto de vista desenvolvido; percebendo a "hierarquia" dos enunciados dentro do texto; qual a relação entre o escrito e o não escrito, no caso do texto apresentar imagens, por exemplo; é estabelecer a relação do assunto com a área tratada.
Ainda, carece de o aluno-leitor perguntar-se – o que sei sobre isso? O que já estudei sobre isso? – para ter condições de analisar, avaliar, julgar por parâmetros plausíveis, científicos e objetivos o material lido. Saindo assim do terrível "achismo" que, infelizmente, atravanca o aprendizado de muitos alunos.
Ler um texto para aprender, assim como escrever um texto evidenciando o aprendizado, é um trabalho, não obstante, demorado e que demanda não apenas concentração, mas estabelecimento de correlações variadas. Leitura e escrita não são dons, são competências advindas de um grande e profícuo trabalho, advindo de muito treino. Além disso, ler se aprende lendo e escrever se aprende escrevendo. São competências interligadas, mas não condicionadas uma a outra.
Decorre dessa visão da leitura como uma produção de sentidos, ancorada em vários fatores que extrapolam a mera decodificação das palavras, que a "ancoragem" que o leitor apresenta para servir-lhe ao estabelecimento de um diálogo produtivo e não meramente reprodutivo, é de suma importância para a qualidade da leitura realizada. Por isso, é preciso diversificar os gêneros textuais lidos e as fontes lidas.
Isso se se considerar o texto, no âmbito da palavra escrita, todavia, contemporaneamente a noção de texto estende-se a toda ocorrência linguística ou não linguística na qual seja possível a produção de sentidos. Assim, podemos ler um artigo de jornal, uma charge, uma placa de trânsito – seja ela simbólica ou linguística – uma fotografia, uma pintura, uma conversa, um filme etc..
Sendo assim, muda-se o protocolo de leitura, no caso de texto não linguístico, mas não muda a necessidade de estabelecerem-se relações que extrapolem a superficialidade do texto e sua compreensão.

Referência Bibliográfica:
ORLANDI, Eni P. Discurso e leitura. São Paulo: Cortez Editora, 1988.
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Fontes, 2003.
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*Professora de Redação Jurídica.Mestre em Letras: Discurso e Representação Social - UFSJ
Fonte: http://jus.uol.com.br/revista/texto/19431/que-pode-ser-considerado-um-mau-leitor
Imagem da Internet

Sucata eletrônica vira carro

Foto e texto de Paula Siqueira*, direto do Fisl
Já pensou em dirigir um carro que é comandado pelo laptop, usando apenas as quatro teclas direcionais? Não, não se trata de nenhuma máquina do mundo virtual dos games.
No 12º Fórum Internacional Software Livre (Fisl12), que está rolando no Centro de Eventos da PUCRS, deparei com um automóvel do tipo. Não é nenhuma Ferrari, mas é um carrinho bem simpático, e chama ainda mais atenção pela iniciativa.
É projeto de hardware livre do Centro Marista de Inclusão Digital (CMID), de Santa Maria.
O carrinho foi desenvolvido com o uso da carcaça de máquinas caça-níqueis apreendidas pelo Ministério Público, peças de bicicleta e partes de computadores inutilizados. Funciona com um motor de máquina de xerox movido a bateria. Seus comandos como direção, faróis (sim, ele tem luzinhas!) e buzina são dados a partir de um notebook – que, claro, roda software livre.
Além de reaproveitamento da sucata, uma bela contribuição ambiental, o CMID faz um trabalho social importante. Conta com o Projeto Alquimia, em que a proposta é oferecer oficinas de informática, manutenção e montagem de computadores a jovens carentes.
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** Paula Siqueira tem 24 anos, é webdesigner e estudante de RP na Famecos. No Twitter, é a @tevaagustar.
Fonte: Blog de Vanessa Nunes, 29/06/2011

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Conrado Hubner Mendes : “O Supremo ainda é muito obscuro”

Especializado em questões constitucionais, o jurista questiona os métodos do STF

Aos 14 anos, o paulistano Conrado Hubner Mendes queria ser tenista. Jogou até com Guga, antes da fama, e não perdeu feio. Mas acabou o entusiasmo. No 3º ano da faculdade de Direito, foi aluno do professor Cezar Peluso, hoje presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). O incidente acabou contribuindo para a opção profissional de Mendes. Por mais que sua aparência continue a ser mais de um tenista, ele é, aos 34 anos, um jurista, e dos mais respeitados entre os da nova geração. Ao se especializar em questões constitucionais e no estudo das supremas cortes, tornou-se referência por um raro e consistente viés de crítica ao STF. Mendes acaba de lançar seu segundo livro, em que volta a discutir o papel do Supremo na democracia brasileira.

ÉPOCA – O presidente do Supremo, Cezar Peluso, diz que as instâncias decisórias da Justiça devem cair de quatro para duas, porque isso vai lhe dar mais agilidade. O ministro Marco Aurélio Mello manifestou-se contra, por causa de um suposto prejuízo ao direito de defesa. De que lado o senhor está?
Conrado Hubner Mendes – O sistema atual, com quatro instâncias, é injustificável. Propostas de reforma, infelizmente, enfrentam muita resistência. É sintomático que a maioria dos críticos recentes ao projeto seja de advogados que militam nos tribunais. O argumento é basicamente um só: a diminuição dos recursos restringe o direito de defesa, ou, no campo penal, viola a presunção de inocência. Parecem sugerir que, maximizando os recursos, minimizamos a possibilidade do erro. Como se juízes de tribunais superiores fossem menos falíveis. O fetiche do direito de defesa é poderoso e perverso. E contribui para a irracionalidade do sistema processual.

ÉPOCA – Qual é o problema com o sistema de quatro instâncias?
Mendes – A mensagem desse sistema é que o jogo só passa a valer quando chega a Brasília. A instância inferior fica reduzida a mero obstáculo que prolonga a disputa. Precisamos pensar com mais atenção sobre o significado do direito de defesa. A máxima do “quanto mais recursos, melhor defesa”, implícita em tantas críticas, não pode continuar a prevalecer. Não se trata de um debate de técnica processual, que tende a ser monopolizado por processualistas, mas de um debate institucional mais amplo. Desse diálogo deveriam participar muitas outras vozes.

ÉPOCA – O Supremo é criticado por causa de certo ativismo judicial – no sentido de usurpar as atribuições do Congresso.
Mendes – Ativismo judicial é uma expressão complicada e escorregadia. Não raro, é usada retoricamente para criticar aquelas decisões das quais não gostamos. Se queremos ter controle judicial de constitucionalidade, porém, temos de estar preparados para aceitar atos intrusivos do Tribunal sobre o legislador e sermos capazes de discutir, com mais proveito, a consistência e coerência desses atos.

ÉPOCA – Por quê?
Mendes – Negar o caráter legislativo à atividade do Supremo é de uma inocência surpreendente, ainda mais no contexto da Constituição de 1988, cheia de promessas de mudança social. Os próprios ministros já disseram isso muitas vezes e estão certos. Não é por aí que devemos criticar aquelas decisões do Supremo das quais discordamos juridicamente. A separação de poderes não comporta funções e papéis tão estáticos. Os poderes negociam informalmente seus espaços ao longo do tempo, e o Supremo não tem, ao contrário do que se diz, a última palavra. O Supremo tem, é claro, a última palavra para resolver o caso judicial “x” ou “y”. Mas os mesmos assuntos e problemas podem ser reavivados pelo sistema político, e as decisões anteriores do Supremo podem ser desafiadas. Isso faz parte do jogo democrático.

ÉPOCA – Por que a Justiça brasileira é lenta e, salvo exceções, não funciona contra os poderosos e os políticos?
Mendes – Não diria que não funciona, mas de fato continua lenta e discriminatória. A explicação velha, mas ainda pertinente, é de caráter processual: a existência de um sistema tão intrincado de recursos estimula que advogados apelem para todas as vias possíveis. Nem falo só de má-fé ou chicana advocatícia, mas do uso natural dos atalhos que o sistema oferece.

Preconceitos socioeconômicos,
raciais e de gênero levam a decisões judiciais
de muitos pesos e medidas.
Levam à injustiça.

ÉPOCA – Quem pode mais chora menos.
Mendes – Quem não tem dinheiro para sustentar uma batalha judicial tão longa, cara e complicada sai prejudicado. Mas não devíamos reduzir o diagnóstico das causas da lentidão e da ineficácia só às leis que disciplinam o processo judicial.

ÉPOCA – Quais são as outras explicações?
Mendes – Há fatores culturais que determinam como o processo funciona na prática. E aí, conforme pesquisas já demonstraram, o problema é mais profundo: preconceitos socioeconômicos, raciais e de gênero levam a decisões judiciais de muitos pesos e muitas medidas. Em outras palavras, levam à injustiça. Identificar e atacar isso é uma missão educativa muito mais trabalhosa e demorada que a produção de novas leis.

ÉPOCA – Como explicar que o Supremo tenha 60 mil processos por ano para julgar?
Mendes – Há muitas causas: tantas competências, tantos recursos, falta de filtros eficazes para rejeitar certos recursos, ou falta de vontade ou coragem no uso desses filtros. O instrumento mais poderoso para reduzir esse número é o instituto da repercussão geral, recém-criado.

ÉPOCA – Como funciona esse instituto?
Mendes – Ele autoriza o Tribunal, com base em critérios de relevância do caso, a selecionar os recursos que serão analisados. O número de casos vem caindo a partir disso, apesar de continuar longe do razoável. As grandes cortes constitucionais do mundo não julgam mais que duas centenas de casos por ano. Não deveríamos ignorar essas experiências de cortes minimalistas, que decidem pouco, mas, em geral, com maior sofisticação e objetividade argumentativa.

ÉPOCA – É boa a forma de escolha dos ministros do Supremo pelo presidente da República, com sabatina do Senado?
Mendes – Não há fórmula perfeita para escolher ministros de uma suprema corte ou de uma corte constitucional. Por mais que se possa dizer que há defeitos no sistema brasileiro atual, como a quase irrelevância que sempre teve a sabatina, a experiência recente mostra, pelo menos, que tal sistema não restringe a independência dos escolhidos. Claro que poderíamos pensar num sistema que gerasse maior diversidade e representatividade simbólica. Experiências estrangeiras adotaram alguns modelos distintos, e poderíamos pensar num sistema que atendesse às peculiaridades políticas brasileiras. Porém, não acho que esse seja um problema urgente e prioritário.

ÉPOCA – Os ministros deveriam ter mandato fixo? Ou é melhor do jeito que está?
Mendes – Mandato fixo traria algumas vantagens. Geraria maior alternância na composição da corte, estabilizaria uma periodicidade na troca de ministros, evitaria que um presidente, por obra do acaso, nomeie mais ministros que outro. Mas, dentro dos desafios de aperfeiçoamento do Supremo, é um problema menor.

Não vejo nada de tão valioso na
 publicidade de uma sessão em
que ministros basicamente leem
os votos pré-fabricados em gabinetes

ÉPOCA – Quais são os outros problemas e entraves que o senhor enxerga no Supremo?
Mendes – Há outras questões menos visíveis que merecem ser mencionadas. Dizem respeito à forma de o Supremo proceder, a seu estilo decisório, seus usos e costumes. Eu começaria com a agenda. Ninguém sabe bem quais são os critérios que orientam o presidente do Tribunal a colocar certos casos na pauta de julgamento e outros não. Claro que alguma flexibilidade é conveniente, mas nem sempre é fácil entender por que certos casos levam poucos anos e outros, sem nenhuma diferença processual óbvia, levam dez ou 15 anos. Não vejo nada de tão valioso na publicidade de uma sessão em que ministros basicamente leem os votos pré-fabricados em gabinetes

ÉPOCA – Em sua avaliação, o pedido de vista é outro problema?
Mendes – Sim. A absoluta liberdade dada a todo ministro para interromper uma sessão de julgamento e, sem grandes explicações, pedir vista para pensar melhor sobre o caso é um desrespeito ao espírito de colegialidade que deveria existir entre eles. E, pior, há alguns casos que ficam engavetados por anos no gabinete de um ministro e outros que retornam a julgamento após poucos dias ou semanas. Não conheço uma justificativa convincente para essa disparidade.

ÉPOCA – Esse descontrole gera desconfiança quanto à seriedade desses pedidos, não?
Mendes – É uma margem de manobra que pode atrasar quase que indefinidamente o julgamento de casos delicados. É verdade que pode até ser conveniente do ponto de vista estratégico, mas precisa ser mais bem vigiada pela sociedade.

ÉPOCA – O que o senhor acha da sustentação oral que os advogados fazem durante os julgamentos, nas turmas ou no plenário, quando os ministros já estão com os votos prontos, ou praticamente prontos?
Mendes – A sessão de julgamento, como um todo, é extremamente rígida e personalista. Divide-se em dois grandes momentos: primeiro, as partes do caso fazem a “sustentação oral” e, imediatamente depois, os ministros leem seus votos e decidem. Durante todo esse ritual, há pouquíssima interação ou diálogo, seja dos advogados com os ministros, seja dos ministros entre si. E, como os votos, quase sempre, já estão prontos antes mesmo da sustentação oral, os argumentos trazidos pelos advogados não contribuem para nada. É mero protocolo. Em suma, esse evento é outra oportunidade desperdiçada para uma troca mais espontânea de argumentos.

ÉPOCA – Peluso quer que a corte faça reuniões prévias fechadas antes das decisões plenárias. O que o senhor acha?
Mendes – Há muita desconfiança contra essa ideia, mas baseada numa compreensão equivocada do ideal de transparência. Brandeis, um juiz famoso da Suprema Corte americana, cunhou uma frase que se tornou mote dos movimentos de reivindicação por transparência. Ele dizia algo como “a luz do sol é o melhor desinfetante”. A transparência é uma conquista democrática, pré-requisito para o exercício legítimo do poder. Isso todos sabem e concordam. Porém, a transparência está repleta de armadilhas e precisa ser bem compreendida. O sol nem sempre nos faz ver melhor. Ao contrário, o excesso de luz pode cegar. Por trás desse manto da transparência, há, no Supremo, uma corte ainda extremamente obscura.

ÉPOCA – Mesmo com a transmissão ao vivo e em cores das sessões plenárias?
Mendes – O Supremo não é transparente para quem acha que transparência é algo um pouco mais exigente do que oferecer decisões na internet e transmitir julgamentos pela TV. Não vejo nada de tão valioso na publicidade de uma sessão em que ministros basicamente leem os votos pré-fabricados em gabinetes. Se quisermos que juízes deliberem com a franqueza e a modéstia intelectual que isso exige, temos de deixá-los reunir-se a portas fechadas.

ÉPOCA – Mas a portas fechadas não seria uma alternativa perigosa?
Mendes – Pensar que a portas fechadas deixa os ministros livres para arbitrariedades é um erro. O que deve estar sujeito ao escrutínio público é a qualidade da decisão escrita que eles entregam ao final da deliberação, não a deliberação em si. Se o ministro estiver mal-intencionado, não serão as portas abertas que evitarão arbitrariedades. O arranjo atual, de portas abertas, produz consequências piores do que as outras opções. Tente ler uma dessas decisões com pluralidade de votos e extrair dela um mínimo denominador comum, uma regra que oriente casos futuros. Raramente vai encontrar.

CONRADO HUBNER MENDES

QUEM É
Jurista, formado em Direito pela PUC-SP, com um mestrado e doutorado em ciência política pela USP e outro doutorado em filosofia do Direito na Universidade de Edimburgo, Escócia
O QUE PUBLICOU
Controle de constitucionalidade e democracia, 2008, é referência pelo raro e consistente viés de crítica ao STF. Direitos fundamentais, separação de poderes e deliberação, recém-lançado, analisa o papel de uma corte constitucional na democracia

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Reportagem por Luiz Maklouf Carvalho
Fonte: Revista Época on line, 24/06/2011

O amor bom é facinho

Ivan Martins*



Por que as pessoas valorizam o esforço e a sedução?

Há conversas que nunca terminam e dúvidas que jamais desaparecem. Sobre a melhor maneira de iniciar uma relação, por exemplo. Muita gente acredita que aquilo que se ganha com facilidade se perde do mesmo jeito. Acham que as relações que exigem esforço têm mais valor. Mulheres difíceis de conquistar, homens difíceis de manter, namoros que dão trabalho - esses tendem a ser mais importantes e duradouros. Mas será verdade?
Eu suspeito que não.
Acho que somos ensinados a subestimar quem gosta de nós. Se a garota na mesa ao lado sorri em nossa direção, começamos a reparar nos seus defeitos. Se a pessoa fosse realmente bacana não me daria bola assim de graça. Se ela não resiste aos meus escassos encantos é uma mulher fácil – e mulheres fáceis não valem nada, certo? O nome disso, damas e cavalheiros, é baixa auto-estima: não entro em clube que me queira como sócio. É engraçado, mas dói.
Também somos educados para o sacrifício. Aquilo que ganhamos sem suor não tem valor. Somos uma sociedade de lutadores, não somos? Temos de nos esforçar para obter recompensas. As coisas que realmente valem a pena são obtidas à duras penas. E por aí vai. De tanto ouvir essa conversa - na escola, no esporte, no escritório - levamos seus pressupostos para a vida afetiva. Acabamos acreditando que também no terreno do afeto deveríamos ser capazes de lutar, sofrer e triunfar. Precisamos de conquistas épicas para contar no jantar de domingo. Se for fácil demais, não vale. Amor assim não tem graça, diz um amigo meu. Será mesmo?
Minha experiência sugere o contrário.
Desde a adolescência, e no transcorrer da vida adulta, todas as mulheres importantes me caíram do céu. A moça que vomitou no meu pé na festa do centro acadêmico e me levou para dormir na sala da casa dela. Casamos. A garota de olhos tristes que eu conheci na porta do cinema e meia hora depois tomava o meu sorvete. Quase casamos? A mulher cujo nome eu perguntei na lanchonete do trabalho e 24 horas depois me chamou para uma festa. A menina do interior que resolveu dançar comigo num impulso. Nenhuma delas foi seduzida, conquistada ou convencida a gostar de mim. Elas tomaram a iniciativa – ou retribuíram sem hesitar a atenção que eu dei a elas.
Toda vez que eu insisti com quem não estava interessada deu errado. Toda vez que tentei escalar o muro da indiferença foi inútil. Ou descobri que do outro lado não havia nada. Na minha experiência, amor é um território em que coragem e a iniciativa são premiadas, mas empenho, persistência e determinação nunca trouxeram resultado.

"Ser amado de graça, por outro lado,
 não tem preço. É a homenagem mais bacana
que uma pessoa pode nos fazer."

Relato essa experiência para discutir uma questão que me parece da maior gravidade: o quanto deveríamos insistir em obter a atenção de uma pessoa que não parece retribuir os nossos sentimos?
Quem está emocionalmente disponível lida com esse tipo de dilema o tempo todo. Você conhece a figura, acha bacana, liga uns dias depois e ela não atende e nem liga de volta. O que fazer? Você sai com a pessoa, acha ela o máximo, tenta um segundo encontro e ela reluta em marcar a data. Como proceder a partir daí? Você começou uma relação, está se apaixonando, mas a outra parte, um belo dia, deixa de retornar seus telefonemas. O que se faz? Você está apaixonado ou apaixonada, levou um pé na bunda e mal consegue respirar. É o caso de tentar reconquistar ou seria melhor proteger-se e ajudar o sentimento a morrer?
Todas essas situações conduzem à mesma escolha: insistir ou desistir?
Quem acha que o amor é um campo de batalha geralmente opta pela insistência. Quem acha que ele é uma ocorrência espontânea tende a escolher a desistência (embora isso pareça feio). Na prática, como não temos 100% de certeza sobre as coisas, e como não nos controlamos 100%, oscilamos entre uma e outra posição, ao sabor das circunstâncias e do tamanho do envolvimento. Mas a maioria de nós, mesmo de forma inconsciente, traça um limite para o quanto se empenhar (ou rastejar) num caso desses. Quem não tem limites sofre além da conta – e frequentemente faz papel de bobo, com resultados pífios.
Uma das minhas teorias favoritas é que mesmo que a pessoa ceda a um assédio longo e custoso a relação estará envenenada. Pela simples razão de que ninguém é esnobado por muito tempo ou de forma muito ostensiva sem desenvolver ressentimentos. E ressentimentos não se dissipam. Eles ficam e cobram um preço. Cedo ou tarde a conta chega. E o tipo de personalidade que insiste demais numa conquista pode estar movida por motivos errados: o interesse é pela pessoa ou pela dificuldade? É um caso de amor ou de amor próprio?
Ser amado de graça, por outro lado, não tem preço. É a homenagem mais bacana que uma pessoa pode nos fazer. Você está ali, na vida (no trabalho, na balada, nas férias, no churrasco, na casa do amigo) e a pessoa simplesmente gosta de você. Ou você se aproxima com uma conversa fiada e ela recebe esse gesto de braços abertos. O que pode ser melhor do que isso? O que pode ser melhor do que ser gostado por aquilo que se é – sem truques, sem jogos de sedução, sem premeditações? Neste momento eu não consigo me lembrar de nada.
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*É editor-executivo de ÉPOCA
Fonte: Revista Época on line, 29/06/2011
Imagem da Internet

Estado laico e sociedade livre

Nicolau da Rocha Cavalcanti*
O Brasil vem apresentando uma maturidade institucional que surpreende até os mais otimistas. Obviamente, a Constituição de 1988 não resolveu todos os problemas brasileiros, muitos ainda graves; mas há de se reconhecer que os caminhos institucionais para o desenvolvimento social, cultural e econômico estão abertos. Não é mais necessária uma revolução; faz falta agora trabalharmos, continuarmos trabalhando.
Neste mês de junho, um passo a mais nesse processo civilizatório foi dado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que organizou um seminário internacional sobre o Estado laico, em Brasília. Esse evento pode ser o marco simbólico de um olhar mais republicano sobre o poder público, informado por dois critérios básicos: Estado laico e sociedade livre.
Por um lado, um Estado que de fato seja neutro, isento, isonômico. Não apenas formalmente, mas que na sua atuação não se baseie em determinadas pretensões de verdade em matéria religiosa (por exemplo, punir uma conduta em razão de uma religião classificá-la como pecado). O Estado deve se valer de critérios de justiça política, de razões públicas (generalizáveis para todos os cidadãos), e não de visões compreensivas (específicas para determinados grupos).
Viver essa neutralidade exige um contínuo aprendizado, especialmente dos homens públicos e dos líderes religiosos. Perceberem na prática que são âmbitos diversos, esferas com autonomias próprias. Esse profundo respeito pela pluralidade se manifesta no diálogo, na capacidade de ouvir o outro e também na completa separação entre os direitos do cidadão e a prática religiosa. A adesão a determinado credo religioso não pode acarretar nem privilégio, nem discriminação.
Por outro lado, deve-se encarar o caráter laico do Estado como meio para uma sociedade livre. A laicidade estatal não é um projeto de valores, para tornar a sociedade "laica", para "protegê-la" das religiões. O Estado é - e deve ser cada dia mais - laico, mas a sociedade em si não é laica. Ela será o que os seus cidadãos quiserem ser.
O Estado laico é instrumento para criar um espaço de liberdade e de pluralismo, e não para impor valores considerados "laicos". A laicidade é um meio, e não um fim. Essa afirmação não significa uma mitigação da neutralidade do Estado. É a proteção para que continue sendo laico. Caso contrário, o Estado ainda estaria atuando por visões compreensivas não generalizáveis.
O caráter laico do Estado não decorre de uma substituição de referenciais - antes, uma visão religiosa; agora, uma visão ateia ou agnóstica da vida -, mas de uma revisão do seu âmbito e das suas competências. O Estado laico não diz que as religiões são falsas, e sim que é incompetente para qualquer declaração nesse âmbito.
É um Estado com objetivos - em certo sentido - mais modestos. Ele não pretende ditar como os cidadãos se devem portar para ter uma vida feliz (assumiu esse papel durante muito tempo); agora, deseja "apenas" criar um ethos de paz e de liberdade. Cada um buscará a felicidade ao seu modo, com as suas escolhas, com a sua visão de mundo.
Alguém pode questionar: pouco realista essa teoria, não? Ela conseguirá resolver as divisões da sociedade brasileira, cada dia mais notórias, principalmente por causa da atividade social e política de grupos minoritários, antes invisíveis e que agora lutam não apenas por uma "não discriminação", mas pelo pleno acolhimento da sua diversidade? Refiro-me aos homoafetivos, aos de religiões com matriz africana, etc. Será possível, de fato, uma convivência harmoniosa entre esses grupos e a "maioria" brasileira, de corte conservador?
Infelizmente, ainda não foi descoberta uma receita que garanta a convivência harmoniosa num cenário de multiculturalismo sistemático. Para a real existência de uma comunidade continua sendo necessário um vínculo comum, por menor que seja, entre os seus membros.
Não vejo, no entanto, a pluralidade brasileira como um obstáculo para esse núcleo comum, que pode e deve nascer de um profundo respeito pelo outro. De ambos os lados! Não se pode ver no outro apenas um "diferente" ou um "retrógrado". Com essas visões parciais não há espaço para o diálogo, já que não se vê o outro como pessoa. Batalhemos por essa profunda compreensão mútua, a começar por nós mesmos, respeitando os nossos "diversos".
Será essa uma atitude ingênua? Respondo com outra pergunta: por que as posturas imobilistas (ou pessimistas) são as mais adequadas para lidar com a realidade social? Parece-me que por trás desse pessimismo social há uma forte dose de arrogância e, por consequência, de irrazoabilidade: "Eu respeito os outros, mas eles não têm a mínima condição de me respeitar". É exatamente o oposto: se eu consigo, imagine os outros! Fá-lo-ão com muito mais facilidade e elegância.
Um último ponto. Esse novo paradigma para as relações entre Estado e religiões não implica o fim das tensões entre os dois âmbitos. Sempre haverá conflitos. As religiões são fonte de valores para a sociedade e, inevitavelmente, há discordância entre os "fatos políticos" e os "critérios de valor". Mas esse dualismo entre dados de fato e critérios, como defendeu Karl Popper, é extremamente saudável para uma sociedade. Permite o seu aperfeiçoamento, ao impedir que a vontade política num determinado momento adquira status de critério último de valor. Daí, por exemplo, a extrema relevância da decisão do Supremo Tribunal Federal de permitir as marchas a favor da maconha (mesmo que seja difícil - a meu ver - encontrar razões públicas que justifiquem a liberação do tóxico).
Este é o desafio. Um Estado laico no qual todo brasileiro possa sentir-se em casa, uma vez que é "em casa" que uma pessoa é mais livre - para pensar, falar e ser o que quiser.
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* ADVOGADO, É PRESIDENTE DO CENTRO DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA (CEU), ENTIDADE MANTENEDORA DO INSTITUTO INTERNACIONAL DE CIÊNCIAS SOCIAIS (IICS)
Fonte: Estadão on line, 29/06/2011
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Tesouros em vasos de barro

Antônio Mesquita Galvão*

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Tem gente que não sabe conduzir os passos de sua vida. Outros insistem em gastar mal o seu dinheiro, suas energias, empregando-os em futilidades, em coisas de valor duvidoso, sem somar nada de proveitoso para suas vidas. Uma vida mal direcionada, sem sentido, é causa de todos os males existenciais.
O psicólogo e psiquiatra Viktor Frankl († 1997), um judeu que esteve preso no campo de Auschwitz em 1944, foi o fundador da escola austríaca de logoterapia, uma das dissidências da psicanálise freudiana surgidas em Viena e uma das muitas teorias sobre motivação básica do comportamento humano.
Por logoterapia se entende a psicoterapia centrada no sentido da vida, que nada mais é que a direção que o homem pode dar à sua vida mediante a descoberta do significado que ela possui, a possibilidade de ser livre e responsável. Na falta de um sentido surge o chamado "vazio existencial” que nada mais é que a angústia da pessoa que não tem claro um sentido para sua vida.
Quantas vezes você não se pegou pensando o sentido da vida? O que nos motiva a continuar nossa jornada? Qual o real objetivo de nossa existência? Estas e muitas outras perguntas fazem parte deste grande mistério chamado vida. Transforme sua experiência no mundo algo que possa valer e significar algo, seja exemplo para todos aqueles que o acompanham nesta incrível jornada.
Os conteúdos das pregações religiosas revelam que é Deus, e só ele, é capaz de preencher nossos vazios, nossas aspirações e espaços interiores. Hoje há muitas tendências escapistas e alienantes de certos espiritualismos de evasão, que insistem em nos conduzir a caminhos que não levam a nada, e antes disso, nos deprimem, esvaziam e são capazes de confundir nossa mente e encher de sombras o nosso coração. Tais doutrinas do mundo só concorrem para nossa infelicidade.

"Cada um pode descobrir que
vida com sentido é vida vivida no amor,
no encontro, no convívio e
na partilha de sentimentos e
de expectativas."

Entretanto, Jesus nos ensinou claramente qual é o sentido da vida, informando-nos que somos seres imortais, e que vivemos para realizar a nossa própria evolução espiritual. Ele chamou de edificar o Reino dos céus no nosso íntimo. O pensamento de Frankl era que a motivação básica do comportamento do indivíduo é uma busca pelo sentido para sua vida e que a finalidade da terapia psicológica deve ser ajudá-lo a encontrar esse significado particular. A liberdade de o homem escolher seu próprio destino e o caminho a seguir, em qualquer circunstância deve ser respeitada. Frankl teorizou que o indivíduo pode encontrar um sentido para sua vida por três vias:
1. criando um trabalho ou realizando um feito notável, ou ao sentir-se responsável por terminar um trabalho que depende fundamentalmente de seus conhecimentos ou de sua ação;
2. experimentando um valor, algo novo, ou estabelecendo um novo relacionamento pessoal. Este é também o caso de uma pessoa que está consciente da responsabilidade que tem em relação a alguém que a ama e espera por ela;
3. pelo sofrimento, adotando uma atitude em relação a uma dor inevitável, se tem consciência de que a vida ainda espera muito de sua contribuição para com os demais. Nestes três casos, a resposta do indivíduo então deixa de ser a perda de tempo em conversas e meditação, e se torna a ação correta e a conduta moral objetiva.
Não se trata, portanto, de um sentido para a vida em termos gerais, mas um sentido pessoal para a vida de cada indivíduo, que este escolhe, mas também pode criar. Há pessoas que julgam ter encontrado o sentido da vida na conquista dos valores transitórios da existência física.
Muitos não sabem construir suas vidas. Eles se esquecem de capitalizar na eternidade, incapazes de adquirir tesouros no céu... Por sentido de vida entende-se o ato de imprimir à existência um rumo que a valorize, que faça a todos felizes e transmita essa alegria aos demais. Esse sentido constrói os fundamentos de uma vida feliz e produtiva. Uma vida com sentido é algo que se elabora com o tempo, com esforço e dedicação. É saber orientar os passos na direção da felicidade, do convívio, da edificação moral e espiritual, assim como adotar valores morais e ideais pelos quais valha a pena viver e até mesmo morrer se for preciso.
A respeito de viver os valores vivenciais, há um antigo adágio espanhol, que afirma que "a vida é um banquete, embora a maioria dos idiotas ande por aí, morrendo de fome”. Sob esse prisma, viver uma vida com pleno sentido é, entre outras coisas, aproveitar o hoje, para não lamentar depois. A vida, por ser o corolário de realizações, não pode ficar restrita a um modesto aqui-agora, mas deve projetar-se para mais além.
Conta a história que um pescador se dirigiu à beira do mar para dar início a seu dia de trabalho. Ainda estava escuro. Enquanto ele preparava o barco e as redes, tropeçou em um saquinho cheio de pedras, que alguém deixou caído na areia da praia. Contrariado pelo tropeço, começou a jogá-las uma a uma no mar. Nisso amanheceu, e a claridade fez com que ele divisasse melhor as pedrinhas, e constatou que eram pedras preciosas. Só lhe restou uma na mão. Ele sentiu, quase em desespero que, se não tivesse jogado todas as pedras fora, poderia estar rico a partir daquele momento. E se perguntava por que não havia prestado melhor atenção ao saquinho que tivera aos seus pés.
Há pessoas que não prestam atenção naquilo que fazem, depois passam o resto da vida a lamentar a falta de sentido em suas vidas, chorando por fatos e tempos que não voltam mais. Para desfrutar do sentido real é necessário cuidado, vigilância e eleição de objetivos válidos. Quem não escuta "cuidado” depois vai ouvir "coitado”.
Na escola primária aprendemos que na natureza existem três reinos: o vegetal, o mineral e o animal. Para todos os três há um projeto específico de Deus. O vegetal é projetado para ser vegetal, e se realiza desta forma. O mineral, a mesma coisa; no reino animal, os irracionais vêm à vida para servirem de alimento, de montaria, de guarda ou companhia para as pessoas. E pela vida afora eles cumprem a tarefa para a qual foram planejados.
E o animal racional? O homem foi projetado para ser feliz e se realizar? E por que não consegue ser feliz? Simplesmente porque é incapaz de descobrir um sentido para sua vida.
Cada um pode descobrir que vida com sentido é vida vivida no amor, no encontro, no convívio e na partilha de sentimentos e de expectativas. É sob essa perspectiva que ocorre a descoberta do dinamismo, da cor e da fantasia que envolve a otimização de uma vida que valha a pena ser vivida. Hoje em dia, mesmo sem desenvolver a atitude afetiva em sua integralidade, o ser humano não sabe mais viver sem amar e ser amado. O sentimento faz parte de sua essência. Os místicos agrupam as coisas boas da vida em luz e bem. Enquanto a primeira serve para iluminar os caminhos, o bem consolida as atividades positivas, as virtudes e as atitudes perfiladas à ética.
Na busca da descoberta do sentido da vida é preciso conhecer o homem todo, vivo em todas as dimensões. Eu tenho um conhecido, um parceiro de caminhada que depois de ler "Construir o Homem e o Mundo”, de Michel Quoist, (Ed. Duas Cidades, 1980) fascinou-se pela teoria onde o ex-padre francês, aborda, com muita sabedoria a respeito das "Duas dimensões do homem”. Nesse contexto, o homem-total seria aquele em relação com Deus e com seus circunstantes. A teoria do autor é boa, e seria ótima se ele somasse à dimensão terrena o si-próprio e o outro. Nesse aspecto, o real sentido da vida é dar mais valor ao que se tem (essência) do que ao que se perdeu (acidental). Aí, ao invés de duas dimensões, o homem teria três referenciais de encontro: com Deus (que eu te conheça... conforme Santo Agostinho), consigo (gnôti s’eautón = conhece a ti mesmo, de Sócrates) e com o outro, em suas necessidades (eu tive fome e me deste de comer...). O homem se realiza através desses três encontros. Ao encerrar esta reflexão valho-me de uma sentença de Viktor Frankl, que recomenda:
Quem quiser encontrar ou reencontrar a felicidade deve descobrir o sentido de sua vida (in: Der unbewußte Gott. "O Deus inconsciente”).
A par da filosofia e da psicanálise agrega-se a atitude da espiritualidade, pois é Deus que dá o crescimento da vida humana na direção do Alto, como ensina São Paulo
Eu plantei, Apolo regou, mas é Deus que dá o crescimento (1 Cor 3,6).
A natureza nos revela que a seiva é a vida da árvore, escondida dentro da solidez de seu tronco. Assim também o amor é a força, a energia e o dinamismo que movimenta a vida humana, dando-lhe sentido e proporcionando que emirjam daí os valores mais preciosos para o ser, a sociedade e a natureza humana. Como o fruto contém a semente de uma nova árvore, o amor traz consigo o germe de uma vida nova.
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*Doutor em Teologia Moral. Autor de "O sentido da vida – A vida humana em busca dos valores maiores” (em impressão)].
Fonte: Adital on line, 28/06/2011