Juremir Machado da Silva*
Crédito: ARTE PEDRO LOBO
Existe uma turma que não vive sem rótulos. Adora carimbar. É a turma da etiqueta. Elogiei Getúlio Vargas. Sou getulista. Até sou um pouco. Seria mais se não houvesse o Estado Novo. Elogiei João Goulart. Sou janguista. Até sou um pouco. Seria mais se ele tivesse conseguido implantar as suas reformas. Elogiei Leonel Brizola. Sou brizolista. Até sou um pouco. Seria mais se fosse capaz de me adequar a rótulos. É incapacidade congênita. Jamais consegui ter partido. Sou incapaz desse tipo de fidelidade. Nasci franco-atirador. Não me canso de dizer isso. Mas toda semana algum leitor garante o contrário. No mesmo dia, às vezes pelo mesmo texto, sou rotulado de petista e antipetista, esquerdista e direitista, gremista e colorado, machista e feminista.
Meu novo rótulo é pedetista. Afinal, tenho elogiado a tríade sagrada do PDT, Getúlio, Jango e Brizola. Não posso, contudo, mentir. Não sou pedetista. Também nada tenho contra o pedetismo. Um amigo me falou assim: "Sei de que uma coisa que tu foste quando adolescente. Foste ciclista". Seria o único "ista" da minha vida. É falso. Nunca fui ciclista nem pratiquei ciclismo. Andava de bicicleta. É outra coisa. Era um meio de transporte. Ia para o colégio de bicicleta. Assim como jamais pratiquei equitação, esporte de gente rica. Só andava a cavalo. Ainda me lembro da minha velha Monark verde enferrujando no fundo do pátio quando me mudei para Porto Alegre. Fui muito ingrato com ela. Abandonei-a sob chuva e sol. Não a protegi. Em contrapartida, como atenuante, nunca mais tive uma bicicleta. Nem uma eguinha colorada. Saudades!
O problema de ser franco-atirador é viver sozinho, não ter tribo e morrer muitas vezes varado de bala em campo aberto. Ter partido significa viver com um selo de qualidade (ou falta de) na testa. A vantagem de ser franco-atirador é poder atacar e defender as mesmas pessoas ou partidos seguindo um único critério: a consciência da gente. O inconveniente é que, cedo ou tarde, acaba-se por desagradar a todos. Um franco-atirador bem-resolvido aceita o seu destino. Limpa a cidade dos seus bandidos e, como o caubói solitário, deixa a cidade e a mocinha para trás e segue para outro lugar. Jamais se arrepende, salvo de não ter sacado primeiro. A lei do Oeste, a lei de Django, é implacável: atirar primeiro, perguntar o nome depois. Ou morrer.
Não se arrepender é muito diferente de não admitir erros. Um pistoleiro solitário analisa as suas lutas e altera as suas estratégias para evitar novas derrotas. Mas não se chicoteia as costas por ter perdido uma batalha. Vou confessar algo que jamais confessei nem ao meu travesseiro: eu me arrependo de uma coisa. Eu não devia ter feito aquilo. Foi imaturidade pura. Hoje, na idade da razão, eu faria diferente. Agora é tarde. Vou carregar isso para sempre como um rótulo, uma etiqueta, um selo no peito. Peço desculpas. Antes tarde do que nunca. Eu me arrependo profundamente de ter abandonado a minha bicicleta no fundo do pátio. Nunca me perdoarei por isso. Eu poderia hoje ser um praticante do ciclismo. Uau!
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*Sociólogo. Prof. Universitário. Tradutor. Colunista do Correio do Povojuremir@correiodopovo.com.br
Fonte: Correio do Povo on line, 20/06/2011
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