sábado, 25 de junho de 2011

Tradutor de Ulisses


ENTREVISTA: CAETANO GALINDO TRADUTOR

“Hoje, ‘Ulisses’ tem um impacto maior”

Um livro único, uma obra revolucionária, o maior romance já escrito. Ou um romance pornográfico, de um escritor imoral, que escreve de forma incompreensível. Muito já se disse sobre Ulisses (1922), do irlandês James Joyce (1882 – 1941). No Brasil, o clássico de mais de 800 páginas leva o leitor a dois caminhos: a tradução de Antônio Houaiss (1966) ou a de Bernardina da Silveira Pinheiro (2005). Ambas se distanciam não só pelos 39 anos que as separam. Se a de Houaiss é considerada prolixa demais, a de Bernardina foi apontada como coloquial em demasia.
Um caminho do meio deverá ser apresentado com a tradução de Caetano W. Galindo, 37 anos, que a Companhia das Letras lançará no primeiro semestre do ano que vem. A nova versão brasileira de Ulisses está pronta desde 2004 e é resultado de seu doutorado, em 2006, sobre representação do discurso:
– A verdade é que a tese foi inventada para comportar a tradução de Ulisses – conta o professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
O tradutor esteve em Santa Maria no dia 16 para participar do Bloomsday, a festa literária que celebra Ulisses e Joyce.

Zero Hora – O senhor foi mais um que encarou Ulisses ao ser atraído pela fama da obra e desafiado por sua complexidade?
Caetano Galindo – O contato começou justamente pela reputação de um livro difícil e interessante. E certos tipos de leitores são atraídos por isso. Tentei com a tradução do Houaiss, mas ela me decepcionou muito, e desisti várias vezes. Comecei a lidar com o texto em inglês, mas achei que faria uma leitura superficial. Para fazer uma leitura de verdade do livro, precisava desmontar o brinquedinho para ver como ele funcionava. E pensei: vou traduzir para ver qual é. Meu grande processo de leitura de Ulisses foi sua tradução. Isso começou entre 1994 e 2001. Era um trabalho de leitor. Entre 2002 e 2004, fiz a primeira versão da tradução. Revisei em 2006 e depois mexi em 2009. Agora, do ano passado para cá, estou revisando intensamente.

ZH – A reputação do livro não teria prejudicado a valorização de algumas de suas maiores virtudes?
Galindo – Talvez Ulisses seja mais importante hoje do que na sua época, quando houve uma cortina de fumaça, que era a coisa da obscenidade, da imoralidade... O livro conviveu muito tempo com a fama de ser pornográfico, o que não trabalhou a favor do verdadeiro impacto que ele deveria ter. Ulisses falou de coisas que ninguém abordava, o que é um mérito conteudístico e não formal. Mas ele poderia ter tido muito mais impacto se não fosse o medo que as pessoas tinham do livro pornográfico e tal. Acho que hoje Ulisses tem um impacto maior.

ZH – E qual seria esse impacto?
Galindo – O grande barato de Ulisses é que ele pretende ser um livro sobre tudo na vida. Eu faço brincadeiras com meus alunos. Pense em alguma coisa. Espirro? Tem em Ulisses. Tirar meleca do nariz? Tem em Ulisses. Caspa? Tem em Ulisses. O que você pensar tem em Ulisses. Ele tentou fazer um livro sobre tudo, e esse tudo envolvia coisas que eram tidas como indecentes, que vão desde flatulência até a comparação dos pênis dos amantes, a sensação da penetração... Joyce não tinha pudor nenhum. Ele tinha que falar dos personagens integralmente. Isso, em 1922, era completamente chocante. Hoje mesmo não seria muito bem visto. Na época, teve esse problema. O livro teve impacto entre os literatos, como construção formal, mas o impacto verdadeiramente humanístico que ele poderia ter talvez não tenha tido. Acho que hoje é mais fácil. E merece ter.

ZH – O que o senhor espera com a publicação de uma nova tradução de Ulisses?
Galindo – Traduções envelhecem muito mais rapidamente que originais. Toda tradução, especialmente de um livro que tem fama de difícil, faz parte de um processo de popularização. A gente quer que mais gente leia o livro. Então, quanto mais tradução, melhor. Quanto mais as traduções forem refeitas, melhor. Todo tradutor acha que as traduções anteriores não deram conta do que ele acha relevante, senão ele não se propunha a fazer outra. Em Ulisses, cada tradução vai representar um aspecto parcial de um livro sempre complicado. Acho que meu aspecto parcial ainda não foi contemplado. O leitor brasileiro ainda não teve acesso a Ulisses como eu vejo Ulisses, e isso pode fazer diferença. Que contribuição vai dar? Tomara que seja bastante lido.
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Reportagem por FRANCISCO DALCOL
Fonte: ZH/CULTURA on line, 25/06/2011

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