Antonio Delfim Netto*
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Esse é um momento particularmente interessante para os economistas. A crise de 2007/09, que atingiu o sistema financeiro e interrompeu o "circuito econômico", já custou mais de 5% do PIB mundial e deixou desempregados mais de 30 milhões de honestos trabalhadores.
Ela mostrou as limitações dos nossos conhecimentos de como funciona, de fato, o sistema econômico. Mostrou, também, a precariedade do que parecia ser uma revolução científica: a construção da economia financeira, separada da macroeconomia, feita por pequenos economistas, supostos grandes matemáticos!
O economista é um cientista social que procura entender como funciona o mundo real (e não impor-lhe o que gostaria que ele fosse). Tenta encontrar algumas regularidades e organizar histórias plausíveis sobre elas. O resultado do seu trabalho deve ajudar a lubrificar o funcionamento das instituições que levam ao desenvolvimento sustentável com justiça social.
Os economistas estão diante de um novo e excitante momento
Nem toda atividade social é de interesse da economia, mas toda atividade econômica é de interesse social. O agente econômico é um animal mais complicado do que supúnhamos: aprende com uma racionalidade limitada inserido num universo de incertezas.
O individualismo metodológico e os agentes representativos que estão na base das nossas construções teóricas são insuficientes para entender o fenômeno das redes que dominam o universo social, da tendência à imitação dos agentes e da segurança que a norma lhes dá. Eles certamente movem-se por estímulos e interesses, mas num espaço social, numa rede na qual cada um é apenas um elemento, o que condiciona as suas escolhas.
A pobre discussão que envolveu a ideia de "Estado mínimo", por exemplo, era apenas uma ação ideologicamente motivada. Na verdade, não existe "mercado" sem um Estado capaz de garantir as condições de seu funcionamento. Numa larga medida, a forma de organização do sistema produtivo é ditada pelos que detêm o poder político e formulam a política econômica que serve aos seus interesses. A sua construção teórica e a formalização para justificá-la também são um produto ideológico.
Para entender isso, basta ver como a tomada do poder pelas finanças nos EUA levou a uma política econômica que lentamente erodiu a legislação que regulava suas atividades e fora produzida após a Grande Depressão. Muito rapidamente os "cientistas" produziram uma "ciência" que justificava a total desregulamentação da atividade financeira em nome da "eficiência" e da descoberta de "inovações" capazes de medir os "riscos": 1929 nunca mais!
"Os economistas estão diante
de um novo e excitante momento.
(...) Precisam recuperar a história,
a geografia, a sociologia, a psicologia,
a antropologia e usar mais
modestamente a topologia..."
É preciso incorporar no DNA dos economistas a autonomia do político. Nas situações de conflitos irreconciliáveis, só o poder político pode arbitrar. Ainda que possamos ter sugestões interessantes sobre a flexibilidade do mercado de trabalho (o que não é muito claro do ponto de vista empírico), elas são, claramente, propostas "normativas" que produzem, inevitavelmente, "vencedores" e "perdedores". É um pouco ridículo sugerir aos últimos que devem sacrificar-se em nome de um "valor maior" construído sobre a base teórica discutível da Teoria do Equilíbrio Geral...
A economia precisa voltar a abrigar contribuições de todos os matizes teóricos e ideológicos, porque aqui, como na biologia, só a diversidade é fértil. Essa é uma velha tradição da FEA/USP. Apenas para recordar. Nos idos de 1947, o ilustre professor Paul Hugon nos ensinava - na cadeira de economia política - que a moeda era "qualquer coisa" aceita pela sociedade com as qualidades de ser uma unidade de conta, de resgatar compromissos e capaz de ser reserva de valor. Era apenas um véu que escondia a economia real.
Ao mesmo tempo, o não menos ilustre professor Heraldo Barbuy - na cadeira de sociologia - nos "enriquecia", inspirado em George Simmel, ao mostrar que a coisa não era tão simples! A moeda era sim produto de uma convenção social, mas tinha profunda influência no comportamento humano, como a cupidez, a avareza e a prodigalidade e exercia profunda influência sobre a economia real. A ideia de uma moeda neutra, apenas um "véu" facilitador das trocas, era uma "imbecilidade".
Os economistas estão diante de um novo e excitante momento. Precisam aproveitar as novas oportunidades que se abrem à profissão para renovar o trabalho mais modesto de oferecer instrumentos para a boa governança dos Estados e a melhor alocação dos seus recursos. Precisam recuperar a história, a geografia, a sociologia, a psicologia, a antropologia e usar mais modestamente a topologia...
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* Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras
E-mail contatodelfimnetto@terra.com.br
Fonte: http://www.valoronline.com.br/impresso/brasil/97/447307/oportunidade
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