sábado, 11 de junho de 2011

Cioran, filósofo romeno, é tema de documentário

Nonato Cardoso*
Imagem da Internet
Como comemorar o centenário de nascimento de um escritor que preferiu viver sempre na clandestinidade, que fez da indiferença sua trincheira? Que recusou todo tipo de títulos e honrarias, escolhendo passar necessidades a negociar suas ideias? Como comemorar aquele que fez de sua vida um ferrenho combate a qualquer tipo de adoração - adoração segundo ele responsável por todos os nossos crimes? Como homenagear sem faltar com aquele que acreditava ter a sorte de ser desconhecido, de merecer permanecer na sombra, no imperceptível, tão inapreensível e impopular quanto a nuança, que acreditava ser a consagração a pior das punições?
Tarefa difícil homenagear Emil Cioran sem renunciá-lo. Filosofo e escritor romeno, nasceu em Sibiu, Transilvânia, em 08 de abril de 1911. Até hoje é, sem dúvida, o estilo mais fértil e apurado do pensamento pessimista desde Schopenhauer e Nietzsche. Aos 17 anos ingressou na Universidade de Bucareste. De família ligada à Igreja Ortodoxa - seu pai era padre -, tornou-se um agnóstico, circulando na juventude com os futuros filósofos e escritores Eugène Ionesco, Mircea Eliade, Constantin Noica e Petre Tutea.
Cioran graduou-se com uma tese sobre Henri Bergson. Foi um leitor compulsivo de autores, desde os pré-socráticos até Borges, de Teógnis a Beckett. Um estudioso de Emmanuel Kant, Arthur Schopenhauer, Friedrich Nietzsche, George Simmel, Max Stiner, Ludwig Klages, Martin Heidegger e Lev Shestov.
Mas o próprio filósofo fazia a ressalva: “Não são, todavia, minhas leituras que me formaram, mas os acidentes e os encontros. Tudo o que escrevi é fruto de circunstâncias, azares, conversações, ruminações noturnas, crises de abatimento mais ou menos cotidianas, obsessões intoleráveis. Meu estado de saúde, afortunadamente mau, é, em grande parte, responsável pela direção, pela cor, dos meus pensamentos. Comecei a ser ‘eu’ graças à insônia, essa catástrofe à qual devo tudo o que marcou profundamente minha juventude. Se percebi certas coisas neste mundo, é porque tive a sorte de não poder dormir”.
Mas o sábio não se dizia um filósofo. Lembra que na juventude foi um fanático pela filosofia. “Depois, tudo que pude experimentar ou pensar não foi nada mais que uma luta contra toda forma de sistema, em qualquer domínio”. Enquanto Nietzsche se intitulava “um martelo” por sua filosofia iconoclasta, Cioran é uma britadeira destruidora de sistema. Um nômade do pensamento, um pensar migratório que muito sondou para não ficar refém de ninguém e fez da dúvida seu combustível: “O estrangeiro se tornara meu Deus. Daí esta sede de peregrinar através das literaturas e das filosofias, de devorá-las com ardor doentio”.
Em 1933 ganhou uma bolsa de estudos na Universidade de Berlim. Em 1937 foi morar em Paris, após ganhar uma bolsa para fazer uma tese sobre Nietzsche que nunca será acabada. Jamais retorna a seu país de origem. Seu primeiro livro, “Nos Cumes do Desespero”, publicado aos 20 anos, ainda na Romênia, foi a base de sua obra posterior. Escreveu ainda em romeno “Das Lágrimas e dos Santos”. Seu primeiro livro em francês foi o premiado “Breviário da Decomposição”, de 1947, que fez Saint-John Perse afirmar que Cioran era o maior prosador da língua francesa desde Valéry. Essa obra de 1947 só foi editada no Brasil em 1989, traduzida primorosamente por José Thomaz Brum, que também traduziu “Silogismos da Amargura”, lançada em 1991.
Cioran é veneno. Cioran é a cicuta que matou Sócrates. É todos os seus descendentes que criam na filosofia como saída. Cioran lembra cianureto, veneno letal que, se apreciado como antídoto, como remédio à propensão à crença na verdade, no poder e na adoração, sem dúvida nos propiciará uma vida menos pesada e uma morte mais tranquila.
Cioran nos deixou em 20 de junho de 1995. Em seu “Breviário da Decomposição” registrou seu epitáfio: “Teve o orgulho de jamais mandar, de não dispor de nada e de ninguém. Sem subalternos, sem amos, não deu nem recebeu ordens. Excluído do império das leis, e como se fosse anterior ao bem e ao mal, nunca fez ninguém padecer...”.
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*Nonato Cardoso, editor da revista Polichinello, Especial para o Caderno Você/ Diário do Pará
Fonte: http://diariodopara.diarioonline.com.br 06/11/2011

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