quinta-feira, 23 de junho de 2011

Ideias que podem salvar o capitalismo

Imagem da Internet
Há quem o batize de "capitalismo inclusivo"
e quem prefira "capitalismo democrático".
 Não conta o rótulo, mas sim o conteúdo:
uma mudança radical de prioridades, de regras e de valores,
um novo humanismo que comanda a economia.

Menos finanças, menos desigualdades, uma hierarquia diferente nos locais de trabalho, um mundo empresarial com finalidades alternativas ao lucro unicamente. Não é um livro dos sonhos: é o resultado de uma ampla consulta realizada nos Estados Unidos entre empresários, inovadores, advogados, estudiosos de todas as disciplinas, desde as finanças até a propriedade intelectual.
O debate foi lançado pela revista The Nation, laboratório de ideias da esquerda norte-americana, com o título Reimagining Capitalism e com esta pergunta: "Imagine que você possa reinventar o capitalismo. Por onde começaria?". E ainda: "O que pode ser mudado para torná-lo menos destrutivo, mais centrado nas reais necessidades da humanidade, para orientá-lo a tornar as nossas vidas melhores?".
As respostas podiam beirar as fronteiras da Utopia. Ao contrário, protagonistas da economia e especialistas de alto nível se mobilizaram, com uma lista de propostas concretas, 13 grandes ideias, projetos para mudar imediatamente. O sucesso da iniciativa revela uma vontade de reforma bem mais ampla do que pode parecer a partir do debate político tradicional.
"Todos têm uma característica em comum", diz o redator chefe da The Nation, William Greider. "São pessoas treinadas a pensar no longo prazo, com experiências concretas dos negócios às finanças, ativistas e otimistas, capazes de demonstrar uma inventividade surpreendente". É a prova de que os Estados Unidos "ainda estão vivo e vitais, cheios de pensamento jovem, dispostos a se lançarem a grandes mudanças".
Algumas dessas propostas inovadoras já estão abrindo seu caminho sozinhas, dentro da sociedade civil, com uma explosão de iniciativas vindas de baixo. Poucas dessas ideias circulam nos partidos, ainda prisioneiros de esquemas arcaicos: a direita quer "o Estado mínimo", os democratas ou estão na defensiva ou se limitam a invocar "mais Estado". Enquanto isso, das 13 ideias para mudar o capitalismo, emerge uma certeza comum: há a necessidade "de um Estado mais forte, não maior", uma distinção importante, visto que todo o Ocidente deverá enfrentar, por várias gerações, um novo saneamento das finanças públicas.
Os especialistas que aderiram à iniciativa da The Nation não fecham os olhos diante de uma das contradições da esquerda: "Não basta invocar mais regras, já que o fracasso das regras foi uma das causas do último e assustador colapso do capitalismo". E é justamente da espinha dorsal do capitalismo, ou seja, da empresa, que partem algumas das ideias de vanguarda reunidas pela The Nation.
Benefit Corporation, tradução de Empresa de Benefício: é uma sociedade para ações cujo estatuto social e razão de ser sejam diferentes do lucro. Não é um sonho, é uma mudança das normativas já em vigor na Califórnia, Nova Jersey, Maryland, Virginia e Vermont, todos os Estados que modificaram o código civil para permitir a difusão de empresas que constroem "uma economia de mercado, mas não um sociedade de mercado".
Jamie Raskin, jurista constitucional e senador de Maryland, lista diversas Benefit Corporations que têm como finalidade obrigatória "um impacto positivo sobre a sociedade e o meio ambiente: algumas se ocupam da despoluição dos rios, outras operam na construção popular, outras ainda combatem o analfabetismo de retorno".
É um movimento real. O B Lab da Filadélfia já contabilizou mais de 400 Benefit Corporations. E, ao contrário do status genérico das cooperativas, a marca das Benefit Corporations pode ser perdida: "Se a empresa não trata seus próprios funcionários, a comunidade local e o meio ambiente com o mesmo respeito que tem pelos acionistas".
William Lerach, conhecido advogado que venceu batalhas históricas em defesa dos consumidores e dos pequenos acionistas (obteve 7,2 bilhões em ressarcimentos para os sócios minoritários da Enron), explica como introduzir "um policial em cada conselho de administração, impondo às empresas um administrador independente que, por lei, proteja os interesses dos funcionários e do público", contornando as construções barrocas e inúteis da governança corporativa.
Kent Greenfield, jurista do Boston College, explica por que deve ser abolida a "responsabilidade limitada": nascida para favorecer investimentos empresariais (isolando o capital da empresa das propriedades de acionistas individuais), tornou-se a causa de uma irresponsabilidade capitalista desenfreada. "O empresário que arrisca por conta própria, que perde, se equivoca": essa figura do passado, tão distante da impunidade recente difundida na cúpula do capitalismo, volta ao auge graças ao Employee Stock Ownership Plan (Esop): 11 mil empresas foram compradas pelos seus próprios empregados, um total de 12 milhões de trabalhadores.
O jurista Vincent Panvini estende a lição a todas as empresas: "Contra a figura do executivo-chefe desresponsabilizado, que enriquece com os paraquedas de ouro mesmo quando a empresa arruína, todas as regras retributivas da alta administração devem ser rigorosamente alinhadas às da saúde da empresa". Joe Costello prevê as enormes vantagens para a coletividade pela extensão sistemática dos princípios "da open information", reduzindo a apropriação privada das descobertas e da propriedade intelectual pelas multinacionais.
Sarah Anderson, do Institute for Policy Studies, relança o imposto sobre as transações financeiras com um projeto concreto para resolver as divergências entre a Europa e os Estados Unidos. Robert Weissman, que dirige o movimento Public Citizen, se inspira no resgate estatal da General Motors e da Chrysler, e explica todas as alavancas de influência que o governo pode mobilizar para orientar os investimentos privados: em vantagem das energias renováveis, para a proteção da saúde, da pesquisa científica.
Barbara Dudley relata como está ganhando espaço no Oregon uma nova forma de microcrédito, que contorna o poder dos grandes bancos e garante financiamentos àqueles que mais precisam: estudantes universitários, pequenas empresas, cooperativas. Joseph Blasi, Richard Freeman e Douglas Kruse estão entre os especialistas de maior autoridade em relações industriais de Harvard e da Rutgers: juntos, assinam a proposta que revolucionaria os incentivos fiscais para as empresas, limitando-os àquelas que reservam aos 80% da mão de obra (a parte baixa da pirâmide hierárquica) os mesmos recursos que são usados para pagar o 5% da alta administração. Uma receita simples para inverter a tendência à hipertrofia dos supersalários e ao aumento patológico das desigualdades.
Entre os empresários de destaque está Leslie Christian, executivo-chefe da Portfolio 21 Investment: "O ativismo dos investidores pode superar os atrasos dos governos ao promover um desenvolvimento sustentável para o meio ambiente. Aumentam os fundos que excluem sistematicamente das suas carteiras de investimento as energias fósseis e vão em busca de oportunidades de longo prazo só em empresas que têm uma estratégia de redução do consumo de recursos naturais".
Ray Carey, que foi executivo-chefe da ADT, enfrenta o problema que assola o exército das "panteras cinzentas", a geração dos baby boomers que começa agora a se aposentar, sem garantias sobre os seus próprios rendimentos futuros: "Um sistema de retribuição dos administradores dos fundos de pensão, que vincule os seus salários aos resultados de longo prazo".
As 13 ideias são reformas de custo zero, não requerem novos recursos públicos; ao contrário, muitas vezes fazem com que sejam economizados (como a redução dos privilégios fiscais para a renda financeira). Ignorá-las significa resignar-se a "uma economia patológica, uma retomada fingida, com salários em declínio, dívida pública e dívida externa em ascensão, com a classe média empobrecendo".
Em comum, os autores que assumiram o desafio da The Nation têm a característica de pensar out of the box, fora dos costumes, rebelando-se contra a preguiça mental. São, sob todos os efeitos, empreendedores sociais, pioneiros da inovação na melhor tradição norte-americana. O maior esforço que é necessário para reinventar o capitalismo é "imaginação moral e espiritual".
Esse reservatório mostra ser ainda abundante nos Estados Unidos e não espera a chegada do "nada obsta" do alto para se mobilizar e experimentar.
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A reportagem é de Federico Rampini, publicada no jornal La Repubblica, 22-06-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Fonte: IHU on line, 23/06/2011

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