Betty Milan*
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"O verdadeiro amor é
particularmente exigente-
ele é uma forma de ascetismo,
enquanto a libertinagem é
uma forma de resignação.
É como se sucumbíssemos
a nós mesmos."
Quem se casa por amor aceita o desafio de não mudar de idéia durante décadas. O que é problemaático, porque , se a fidelidade é uma das condições do amor, pela própria natureza do desejo, a infidelidade nos ronda constantemente. Queira-se ou não, o objeto do desejo pode mudar.
Nós estamos expostos "a paixão e nem sempre é possível reisistir a ela. Ocorre-me a história de um senhor bem casado de 70 anos, que se apaixonou loucamente por uma moça. Ele me escreveu perguntando se deveria ou não se declarar. Posso dizer que não? A paixão lhe propicia a ilusão da juventude, e esse senhor talvez não tenha como renunciar a ela sem sofrer consequências sérias. Um clássico da literatura serve de exemplo: Quando Dom Quixote, pressionado pelos familiares e amigos, abriu mão de ser cavaleiro andante, ele morreu.
A paixão suspende a realidade, e nós desejamos isso. Todos temos dentro de nós algo de Madame Bovary, a personagem de Gustave Falubert que se tornou a encarnação do adultério. Enquanto escrevia o romance, Flaubert se queixou inúmeras vezes: "Bovary me aborrece";"Esse assunto burguês (a infidelidade) me enoja";"Maldita idéia de escolher um tema como esse". No entanto, ao terminar o livro, ele declarou: "Bovary sou eu", tornando pública a sua identificação com a personagem.
Quando o romance foi editado, o escândalo foi tal que processaram Flaubert por ofensa à moral pública e à religião. Acusavam-no de ter feito a apologia do adultério, além de ter sido ponográfico ao descrever cenas de sexo. Hoje, nenhum escritor seria processado pela mesma razão, ao menos no Ocidente. O drama de Bovaru é eterno - o descompasso entre o ideal do amor e a relaidade do desejo é incancelável. Assim, o "juntos para sempre" é um voto que permanece sempre sob ameaça, visto que uma paixão inesperada pode transformar amantes em ex-amantes.
Como disse o mexicano Octavio Paz, no grande livro que escreveu quando contava quase 80 anos, A Dupla Chama, o amor é uma paixão que quase todos veneram e poucos vivem realmente. A exclusividade é a exigência ideal do amor, porém a infidelidade é comum na vida dos casais.
É claro que entre exclusividade e promiscuidade há gradações e nunaces. A infidelidade pode ser consentida ou não, frenquente ou ocasional. Quando é consentida e praticada por só um dos cônjuges, provoca sofrimento no outro.Quando os dois cônjuges são conssentidamente infiéis, há uma baixa da tensão passional e a tendência é que a relação arrefeça; Nesse momento, a paixão é substituída pela cumplicidade erótica, e nada mais. Porque o verdadeiro amor é particularmente exigente- ele é uma forma de ascetismo, enquanto a libertinagem é uma forma de resignação. É como se sucumbíssemos a nós mesmos.
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* Psicanalista. Escritora. Assina a coluna Consultório Sentimental em VEJA.com.
Fonte: Revista VEJA impresa - 02/03/2011
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