Carlos Alberto Di Franco*
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Paul Johnson é um dos grandes historiadores e intelectuais da atualidade. Autor do monumental Tempos Modernos, seus textos são provocadores. Dono de cultura invejável e sinceridade afiada, Johnson não sucumbe aos clichês vazios. Em seu livro Os Heróis, destaca a importância decisiva das lideranças morais.
"Os heróis inspiram, motivam. (...) Eles nos ajudam a distinguir o certo do errado e a compreender os méritos morais da nossa causa." Os comentários de Johnson me trazem à memória a vida de um autêntico herói, cuja morte ocorreu na madrugada de 29 de maio, em Taquaritinga, no interior do Estado de São Paulo: Leo de Oliveira, diretor da Comunidade Terapêutica Horto de Deus (www.hortodedeus.org.br).
Leo lutou bravamente contra um câncer devastador. Fragilizado, com as defesas na última lona, sucumbiu ao ataque oportunista de uma pneumonia. Nunca se queixou. Nenhuma revolta. Nenhum ressentimento. Tinha uma fé inquebrantável, raiz de seu otimismo contagiante. Após uma consulta ao seu oncologista, e na iminência de uma nova cirurgia, enviou-me uma mensagem bem característica de sua maneira de enfrentar as contradições: "Não existe outra alternativa. Cirurgia. O novo tumor está atrás do coração. Nada que Deus não possa resolver". Assim era o Leo.
Não pensava em si mesmo. Não tinha tempo. Sua vida foi uma dedicação total aos seus "meninos", aos dependentes de drogas que, ao longo de três décadas, encontraram nele um braço de pai e um coração de mãe. Mais de mil jovens recuperaram a dignidade e a esperança na entidade fundada por Leo de Oliveira. Seu sepultamento, na tarde ensolarada do último domingo de maio, foi impressionante. Centenas de jovens recuperados, vindos dos quatro cantos do Brasil, desembarcaram na pequena Taquaritinga. As lágrimas não eram somente um frêmito de dor. Eram um grito de agradecimento, uma sentida despedida daquele que lhes devolveu a vida.
A comunidade terapêutica fundada por Leo de Oliveira e por sua esposa e fiel seguidora, Suzana Lemos de Oliveira, tem um clima mágico. Trata-se de um pequeno sítio, sem muros e sem grades. Os internos estão lá voluntariamente. Aliás, o desejo explícito de deixar as drogas é um pré-requisito para ingressar na comunidade. As internações compulsórias, em clínicas caras e sofisticadas, frequentemente acabam na amargura da recaída. Falta o essencial: querer. Os pavilhões são simples, limpos, arejados. Sente-se no ar uma alegria que contrasta com a história pregressa dos seus moradores. Lá, depois de terem descido todos os degraus da miséria material e moral, reencontram a chispa da esperança. Vida saudável, laborterapia, disciplina, resgate dos valores e terapia individual e de grupo compõem a receita da instituição.
Em contraste com o trabalho dessa entidade, com notáveis índices de recuperação, vejo, com preocupação, renovadas tentativas de liberação das drogas, algumas capitaneadas por lideranças respeitáveis. É o caso do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Reconheço a boa intenção que pode estar movendo a iniciativa, mas só posso creditá-la a uma dose de ingenuidade e de desconhecimento real da dependência química.
Todos, menos os ingênuos, sabem que, assim como não existe meia gravidez, também não há meia dependência. É raro encontrar um consumidor ocasional. Existe, sim, usuário iniciante, mas que muito cedo se transforma em dependente crônico. Afinal, a compulsão é a principal característica do adicto. Um cigarro da "inofensiva" maconha preconizada pelos arautos da liberação pode ser o passaporte para uma overdose de cocaína. Não estou falando de teorias, mas da realidade cotidiana e dramática de muitos dependentes.
Além disso, a maconha, droga glamourizada pelos defensores da descriminação, tem, comprovadamente, efeitos bastante danosos. Ela pode bloquear receptores neurais muito importantes. Pode, efetivamente, causar ansiedade, perda de memória, depressão e surtos psicóticos.
"As drogas estão matando a juventude.
A dependência química não admite
discursos ingênuos, mas ações firmes
e investimentos na prevenção e
recuperação de dependentes."
Segundo o respeitado especialista Ronaldo Laranjeira, professor do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo e coordenador da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas (Uniad), os defensores da liberação preconizam uma solução teórica, mas completamente irreal. "Acha-se no Brasil que se tivermos maior liberdade para usarmos drogas, ou afrouxarmos os controles sociais, acabaremos com o crime, com o tráfico e com o consumo de drogas. Somente uma visão desconectada do mundo das drogas poderia sustentar esse castelo de areia conceitual. Um dos aspectos importantes é que ao afrouxarmos os controles sociais aumentaremos o consumo das drogas. Quem pagará essa conta será a população com menor poder aquisitivo, e não aquela que participa de passeatas em favor da maconha. Um a cada dez adolescentes que consomem maconha terão um surto psicótico. O custo social e humano desse fenômeno será pago por quem menos consegue arcar com a saúde. Os grandes desafios em relação às drogas no Brasil é criarmos experiências de prevenção que efetivamente funcionem e desenvolvermos um sistema de tratamento para os que ficam dependentes químicos".
As drogas estão matando a juventude. A dependência química não admite discursos ingênuos, mas ações firmes e investimentos na prevenção e recuperação de dependentes. Leo de Oliveira morreu pobre. Nunca ocupou as manchetes dos jornais. Mas foi um autêntico herói. Os dependentes de drogas recuperados pela eficácia do seu trabalho silencioso encontraram nele um exemplo e um modelo de dedicação e carinho. Sua existência foi fecunda. E sua presença se perpetuará no brilho dos olhos de centenas de jovens.
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* DOUTOR EM COMUNICAÇÃO, É PROFESSOR DE ÉTICA E DIRETOR DO MASTER EM JORNALISMO
Fonte: Estadão on line, 13/06/2011
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