Ignacio Castañares/IPS
O presidente do Uruguai, José Mujica, fala no
seminário organizado pela IPS e o Banco Mundial.
Os governos e os grandes meios privados de comunicação da América Latina travam uma guerra para conquistar a opinião pública, verdadeira legitimadora de poder, e a única solução parece ser uma aliança. “Batalha”, a palavra mais repetida no seminário “Comunicação, Pluralismo e Papel das Novas Tecnologias. O Cenário Latino-Americano: um Olhar sobre o Futuro”, realizado no dia 24, em Montevidéu, pela agência de notícias Inter Press Service (IPS) com apoio do Banco Mundial e do governo do Uruguai.
Do encontro participaram autoridades de meios de comunicação públicos e estatais da região, jornalistas, representantes da sociedade civil, e especialistas em comunicações. Essa batalha entre governos e mídia privada pelo manejo da informação ficou em primeiro plano nos últimos anos na América Latina, e tem como marco uma onda de administrações de esquerda e seu enfrentamento com determinados monopólios ou oligopólios.
Esses governos tiveram que fazer um pacto de paz com o grande capital, mas também apostaram em uma transformação das comunicações procurando democratizar a mídia, inclusive poe meio de leis, explicou Fábio Zanini, editor internacional da Folha de S.Paulo. Zanini citou o exemplo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que para chegar ao governo “teve de fazer um movimento político estratégico, midiático, para mostrar-se confiável perante os bancos, o grande capital, os latifundiários e, também, para atrair para sua coalizão partidos de direita”.
Em definitivo, os governos de esquerda, e também os de direita, como o de Sebastián Piñera no Chile, reconhecem a importância vital dos meios de comunicação, com os quais “têm uma relação conflitante”, afirmou Zanini. O secretário da Presidência do Uruguai, Alberto Breccia, preferiu qualificar a relação da esquerda com a imprensa de “esquizofrênica” e pediu aos participantes que propusessem elementos para saná-la.
Zanini destacou os esforços dos governos para ampliar os espaços públicos de comunicação, criando ou renovando canais e rádios, e expressou dúvidas quanto a estes serem realmente imparciais, alertando que podem simplesmente ser usados com fins de propaganda oficialista.
Por sua vez, Alberto Medina, codiretor de notícias da privada Cadeia Caracol TV, da Colômbia, disse que existe “uma guerra pela informação entre os setores público e privado”. E afirmou: “Não estou convencido de que os governos abram suficientemente os canais para um debate entre todos os setores. Sou um pouco descrente desses meios públicos ‘tão democráticos’. Não vejo espaços abertos para a oposição nos canais públicos. São canais que defendem as teses do governo da vez”, acrescentou.
Em meio a este enfrentamento, a missão da mídia comunitária “é poder instalar a luta pela liberdade de expressão como uma demanda geral”, disse à IPS a presidente da Associação Mundial de Rádios Comunitárias, a chilena María Pía Matta. “Nós tampouco queremos que nos transformem em atores do governo da vez. Creio que é preciso discutir mais sobre as liberdades em geral, sobre a liberdade de expressão e por que o Estado se afasta tanto destas liberdades”, afirmou. Na região, “o Estado sempre foi considerado um predador natural da liberdade de expressão, e isso ficou incrustado”, acrescentou.
No entanto, o diretor do jornal uruguaio de esquerda La República, Federico Fasano Mertens, disse que não são dois lados em batalha, mas três: o Estado, a mídia e a sociedade em geral. “A informação é um bem público, um bem comum, um patrimônio da humanidade. E, embora esteja sujeita à apropriação privada, porque o sistema assim o determina, deve estar na ordem do dia desestimular os monopólios e incentivar o pluralismo”, acrescentou.
Para Mertens, que também é diretor da Rádio AM Libre e do canal TV Libre, o fato de em um país haver vários meios de comunicação e de diferentes proprietários não significa necessariamente pluralismo. “Se existe apenas um único pensamento hegemônico, apesar de serem veículos diferentes, é quase um monopólio”, ressaltou.
O seminário foi acompanhado em tempo real pela internet, e dezenas de pessoas comentaram em um chat os conteúdos e fizeram perguntas aos debatedores. Por ali passaram as experiências das redes sociais, como o Twitter, nos levantes árabes e no movimento de descontentamento civil 15M (15 de Maio) na Espanha.
No entanto, o diretor de Comunicação do Governo de El Salvador, David Rivas, defendeu as medidas desse país para controlar a informação e para eliminar programas da mídia estatal que, segundo afirmou, é “nociva para a psique”. Acrescentou que “retiramos programas que os governos anteriores haviam deixado nos veículos de comunicação do Estado com uma carga ideológica impressionante, onde nos vendiam a sociedade entre ricos e maus, se denegria a imagem da mulher e eram apresentadas coisas que beiravam o crime”.
Rivas também insistiu na necessidade de “perder o medo da regulamentação” dos conteúdos e das leis para “garantir maior acesso da população à mídia”. E ressaltou que “não existe um direito absoluto, nem mesmo o da liberdade de expressão. Os que nos disseram que ‘a melhor lei é a que existe’ nos enganaram todo esse tempo”, afirmou.
Essa frase foi citada durante o seminário e pertence ao orador principal, o presidente do Uruguai, José Mujica, que a utilizou há alguns meses para não aceitar uma proposta de legislar sobre os meios de comunicação deste país que, paradoxalmente, nasceu de um âmbito instalado por seu governo. Mas não foi Mujica quem repetiu essa frase no seminário que, por outro lado, exortou os presentes à “luta permanente” pela liberdade.
“Embora os meios de comunicação modernos e contemporâneos sejam capazes de nos dar recursos inimagináveis para nos comunicarmos, também podem ser os instrumentos mais negadores da liberdade”, afirmou. “Significa que a questão de como se usa e para qual finalidade se usa o progresso tecnológico é uma batalha, é quase desesperador”, acrescentou.
Miguel Wiñazki, secretário de redação do jornal argentino Clarín, decidiu começar por uma definição de opinião pública: “um coletivo que concede poder”, gerador, portanto, de um mecanismo de sedução colocado em prática pelos políticos e pela mídia. “Percebidas as crenças, os preconceitos e as ideologias dominantes da opinião pública, tanto os governos quanto a corporação política e a mídia privada tendem a exonerar o valor da informação em si para dar à opinião pública a fábula que está escrevendo”, disse Wiñazki. A esse conceito chamou de “notícia desejada”.
Esta notícia desejada, definitivamente, não passa de propaganda. “A ação jornalística propriamente dita é a batalha cotidiana dos trabalhadores da imprensa para impor a informação acima da notícia desejada”, ressaltou Wiñazki. Envolverde/IPS
---------------------------------------------Por Raúl Pierri, da IPSFonte: http://envolverde.com.br 27-06/2011
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