Betania Tanure*
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No início do mês estive imersa em um workshop com a diretoria executiva de uma das empresas mais admiradas do Brasil. Estavam conosco também um professor do Insead e uma colega que foi do MIT por mais de 20 anos e hoje vive no Canadá. Eram, portanto, além de mim, dois 'leading professors' e uma empresa de ponta discutindo conceitos contemporâneos de gestão, em desafio à sua prática.
Não se trata de uma atividade isolada, mas de parte de um processo de desenvolvimento articulado de toda a liderança da organização. Um processo de longo prazo cujo objetivo é sustentar um crescimento vigoroso que está em curso nos últimos anos e logo se tornará ainda mais ousado.
Esse é o Brasil que cresce, o Brasil que sonha, o Brasil que realiza. Um país que enche de orgulho cada um de nós, brasileiros, que há muito cansamos de ser o país do futuro e passamos a viver esse futuro, tornando-nos grande promessa na arena internacional.
Nossos executivos têm, hoje, formação e competências das melhores do mundo - algo muito diferente do que se via 20 anos atrás quando, na Fundação Dom Cabral, iniciamos um movimento de preparação de executivos para operar em um então desconhecido mundo global.
O workshop, que ocorreu em instalações de Primeiro Mundo, na Granja Viana, São Paulo, terminou às 18 horas. A chuva era forte. Eu voltaria para Belo Horizonte naquela mesma noite, mas o pessoal de apoio foi avisado de que eu não conseguira embarcar por Congonhas: São Paulo tinha 243 quilômetros de congestionamentos. Caos urbano. Esse é um outro Brasil. Nós, cidadãos, que tanto nos indignamos com as ineficiências de nossas empresas, convivemos pacificamente com essa situação.
Fomos até Campinas, Viracopos. Certamente a estrada estaria livre de congestionamentos. Ledo engano. Embarquei com um "ligeiro" atraso de quase duas horas (um problema cotidiano para quem é passageiro frequente como eu). Por volta de meia-noite, quando faltavam alguns minutos para o pouso, o comandante informou calmamente: "Senhores passageiros, não temos autorização para pousar em Belo Horizonte. O pátio do aeroporto de Confins está lotado".
Os passageiros se entreolharam. Alguns chegaram a achar que era brincadeira do comandante. Outros, que havia algum problema mecânico não revelado. Um homem gritou, indignado, do fundo do avião: "Como isso é possível? Vocês não fazem o mínimo planejamento? Tem gasolina neste avião?"
A aeronave sobrevoou Belo Horizonte durante algum tempo. A expectativa dos passageiros era que logo houvesse um lugar no pátio, mas retornamos a Campinas. Era mais de 1 da manhã quando pousamos no aeroporto dessa cidade, sem mais informações.
Ficamos bastante tempo no avião, pois não havia orientação sobre o que fazer. À 1h30 da manhã, ainda "presa" no avião, decidi abrir meu computador e partilhar com vocês, leitores, a minha indignação.
Um tempo depois, decidiu-se que ficaríamos em Campinas. Passamos a ligar para os hotéis que ficavam por perto: todos os cinco primeiros que consultamos estavam lotados. Este é o país da Copa do Mundo? Da Olimpíada? Há algumas décadas, começou a ser associada ao Brasil a denominação de "Belíndia", um país fictício que uniria a então rica e pequena Bélgica à imensa e pobre Índia (naquela época o conceito do Brics não existia). A ideia, que parece ter se eternizado, era que "somos assim mesmo, dois mundos muito diferentes em um só".
Não é possível aceitar calma e passivamente a convivência desses dois Brasis. Já se sabe, há muitos anos, que o conceito de ilhas de excelência é insustentável. Ou seja, não existem empresas excelentes em um ambiente precário. Ou será que algum de nós, em sã consciência, acredita que podemos construir empresas de Primeiro Mundo aqui, com nosso atual padrão de infraestrutura? Seria, no mínimo, ingênuo, ou até arrogante, acreditar nisso.
Esses dois Brasis são incompatíveis. Pense nisso. Criou-se uma situação insustentável e é urgente a necessidade de buscar soluções, de sair da preocupação e ir para a ação. E quem dirige eficientemente uma empresa ou forma e desenvolve pessoas pode encarar com a mesma responsabilidade e eficiência a sua parte na construção de um país melhor, mais igualitário, mais justo. Você já começou a fazer isso?
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Betania Tanure é doutora, professora da PUC Minas e consultora
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