Rita Lisauskas*
Além de não se querer ter filhos,
a moda é falar mal
das crianças
Não basta mais dizer por aí que não se quer
ter filhos. O novo “pretinho básico” é bradar
aos quatro ventos que não se coloca uma criança no mundo por que as crianças
são “irritantes”, “fazem muito barulho”, “incomodam”, “chateiam”, “gritam” e
são “mal-educadas” – afinal, os adultos nunca são enervantes, alvoroçados,
chatos, escandalosos e malcriados, isso é exclusividade dos pequenos, não é
mesmo?
Para muita gente, não ter filhos é uma
decisão legítima e acertada, afinal a maternidade e a paternidade têm de ser
escolha e nunca uma obrigação do tipo –“eu casei, o próximo passo é ter filhos”
– ou fruto de um medo com o futuro –“se eu não tiver filhos, quem vai cuidar de
mim na velhice?” Só que geralmente quem escolhe não colocar uma criança no
mundo, não transmitir “a nenhuma criatura o legado de nossa miséria” como o
Brás Cubas, de Machado de Assis, faz isso de coração tranquilo, sem sair por aí destilando ódio a todas as
pequenas criaturas que encontra pelo caminho. Ela acha que uma criança não
cabe na vida dela. Apenas.
Mas existem
aqueles seres que não querem ter filhos e ainda defendem a tese de que as
crianças dos outros deveriam ser apartadas da sociedade, porque ele não
pode “ser obrigado a conviver com crianças”, pois decidiu não ter uma. Como se
todos os carros tivessem de sair do seu caminho por que escolheu só andar de
metrô ou todos os açougues tivessem por obrigação fechar as portas, já que ele
decidiu ser vegetariano – “não posso ser obrigado a ver essa peça de filet
mignon toda vez que venho comprar verdura!” – os exemplos são toscos de
propósito, tanto quanto à premissa inicial. As redes sociais, claro, deram vez e voz a essas pessoas que, como
não foram combatidas com veemência em seu discurso de ódio, ganharam adeptos,
ficaram fortes e passaram a defender por aí o direito de frequentarem lugares
“child free”, ou seja, espaços onde as crianças não são bem-vindas e aceitas,
como hotéis, restaurantes, bares e por aí vai.
“Eu tenho o
direito de almoçar em paz, longe de crianças sem nenhuma educação!”, ouvi uma vez de uma pessoa
pretensamente educada.“Quero passar minhas férias sem ouvir choro de criança”,
disse outro, apoiado inclusive por pais que relativizaram tal declaração ao
lembrar que muitas vezes querem sair sem os filhos – como se essa nossa ânsia
por momentos de solidão fosse motivada pela “chatice” infantil e não pelo
desejo humano e legítimo de ficar longe de todos – e não só das nossas crianças
– de tempos em tempos.
O que seriam
crianças educadas?
* Crianças que não incomodam, que falam
baixo, que não andam por aí querendo explorar o mundo?
* Que não choram de fome, mas sim que avisem
com uma certa antecedência e em bom português – não me venham com gugudadá –
que querem almoçar, por gentileza, mamain?
* Que não façam perguntas embaraçosas em
público, que aprendam a lidar rápido com suas frustrações e que entendam, sem
ter os adultos por perto como exemplo, que algumas ocasiões pedem black-tie e
outras chinelos havaianas?
Os odiadores de crianças creem que os
pequenos devem aprender todas as habilidades sociais em tempo recorde e longe
dos adultos, a quem podem se juntar apenas quando pararem de derrubar os
talheres à mesa ou quando aprenderem a falar baixo, sem gritar.
Esse discurso
é perigoso porque abre precedente para outras intolerâncias. É só fazer um exercício
rápido de substituição de palavras para entender onde isso pode chegar. Tire a
palavra “criança” e coloque no lugar “negro”, “cadeirante”, “judeu”,
“muçulmano”, “evangélico”, “mulher”, “gay” e por aí vai, o céu é o limite quando o assunto é intransigência. Como será que
soa, vamos testar?
“Eu tenho o direito de almoçar em paz, longe
de negros sem nenhuma educação!”
“Quero ir para um hotel onde cadeirantes não são aceitos! Não sou
obrigado a nadar em uma piscina adaptada!”
“Quero jantar sem ter que olhar para cara de
um judeu/muçulmano/evangélico! Eu
pago os meus impostos em dia, não sou obrigado a conviver com eles!”
Quando você avança no debate com um odiador
de criança ele sempre tenta disfarçar
sua intolerância dizendo que, no fundo, no fundo, estão pensando nas crianças,
olha só a contradição. “A piscina daquele hotel é muito funda, por isso que
crianças não são aceitas!”. “Aquele restaurante tem muita escada, um perigo
para os pequenos, por isso o dono decidiu não deixar que elas frequentassem!”.
Ora, ora, os pais são os cuidadores de
seus filhos e eles, somente eles, deveriam poder decidir sobre quais lugares
seus filhos devam ou não frequentar.
Lugar onde uma criança não é bem-vinda, não é
lugar para mim. Já estabelecimentos que abrem as portas a todos – inclusive ao
babaca odiador de criança – terão sempre a minha presença. Com ou sem o meu
filho.
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* Jornalista,
mãe e apresentadora de TV
Fonte:
ESTADÃO.COM.BR – blog “Ser mãe é padecer na internet” – Terça-feira, 28 de março de 2017 – 18h36 – Internet: clique aqui.
ai o cidadão vira e diz: todo mundo bebe... pura generalização muitissimo fraca em virtude do levantamento de alcool e outras drogas em 2012, resultou que metade da população não bebe, 38% bebe moderamente e 12% bebe prejudicial a saude.
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