domingo, 19 de março de 2017

"Vence-se o populismo voltando-se para os últimos." Entrevista com Jürgen Habermas

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Depois de 1989, falou-se de um “fim da história” 
na democracia e na economia de mercado. 
Hoje, assistimos a um novo fenômeno: 
a emergência – de Putin e Erdogan a Donald Trump – 
de formas de liderança populistas e autoritárias. 
Já é evidente que uma nova “internacional autoritária” 
consegue determinar cada vez mais o discurso público.


Sobre isso, entrevistamos o filósofo e sociólogo alemão Jürgen Habermas.

A reportagem é do jornal La Repubblica, 16-03-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis a entrevista.

Então, tinha razão o seu coetâneo Ralf Dahrendorf, quando previa um século XXI sob o signo do autoritarismo? Já se pode ou já se deve falar de uma virada dos tempos?
Por que os partidos de esquerda não querem assumir a liderança de uma luta determinada contra a desigualdade social

Depois da virada de 1989-1990, quando Fukuyama retomou o slogan da “pós-história” - que originalmente estava ligado a um conservadorismo feroz –, essa sua reinterpretação do conceito dava expressão ao míope triunfalismo das elites ocidentais que se confiavam à fé liberal na harmonia pré-estabelecida entre democracia e economia de mercado. Esses dois elementos moldam a dinâmica da modernização social, mas estão conectados com imperativos funcionais que constantemente tendem a entrar em conflito. Só graças a um Estado democrático digno desse nome foi possível alcançar um equilíbrio entre crescimento capitalista e participação da população no crescimento médio de economias altamente produtivas: uma participação que era aceita, mesmo que apenas em parte, como socialmente justa.

Historicamente, no entanto, esse equilíbrio, que por si só pode justificar o nome de “democracia capitalista”, foi mais a exceção do que a regra. Só por isso, entende-se como a ideia de que o “sonho americano” poderia se consolidar em escala global não era mais do que uma ilusão. Hoje, despertam preocupação a nova desordem mundial e a impotência dos Estados Unidos e da Europa diante dos crescentes conflitos internacionais, e desgastam os nossos nervos a catástrofe humanitária na Síria ou no Sudão do Sul e os atos terroristas de matriz islâmica.

Mesmo assim, na constelação evocada na pergunta, eu não consigo entrever uma tendência unitária dirigida a um novo autoritarismo: somente diversas causas estruturais e muitas casualidades. O elemento unificador é o nacionalismo, que, porém, também temos na nossa casa. Mesmo antes de Putin e de Erdogan, a Rússia e a Turquia certamente não eram “democracias exemplares”. Com uma política ocidental apenas um pouco mais perspicaz talvez poderíamos ter definido relações diferentes com esses países: talvez, teríamos conseguido fortalecer também as forças liberais presentes nas populações desses países.

Assim, não são superestimadas retrospectivamente as possibilidades que estavam nas mãos do Ocidente?

Claramente, para o Ocidente, mesmo que apenas por causa dos seus interesses divergentes, não era fácil de se defrontar, de forma racional e no momento oportuno, com as reivindicações geopolíticas da relegada superpotência russa ou com as expectativas de política europeia do irascível governo turco. Muito diferente, ao contrário, é a situação no que diz respeito ao ególatra Trump, um caso significativo para todo o Ocidente.
Com a sua desastrosa campanha eleitoral, Trump levou às extremas consequências uma polarização que os republicanos, teoricamente e de modo cada vez mais descarado, alimentaram desde os anos 1990. Mas ele o fez de tal forma a fazer com que esse mesmo movimento, no fim, fugisse totalmente de controle do Grand Old Party, que ainda é o partido de Abraham Lincoln. Essa mobilização do ressentimento também expressou as tensões sociais que atravessam uma superpotência política e economicamente em declínio.
O que eu acho inquietante, portanto, não é tanto o novo modelo de uma internacional autoritária, à qual se fazia referência na pergunta, mas sim a desestabilização política em todos os nossos países ocidentais. Ao avaliar o passo atrás dos Estados Unidos em relação ao papel de polícia global sempre pronta para intervir, não devemos perder de vista qual é o contexto estrutural em que isso ocorre, contexto que diz respeito à Europa. A globalização econômica, posta em marcha nos anos 1970 por Washington com a sua agenda política neoliberal, teve como consequência um declínio relativo do Ocidente em escala global, em comparação com a China e com os outros países do Brics em ascensão.
As nossas sociedades devem elaborar a percepção desse declínio global e, junto com isso, a complexidade cada vez mais explosiva da nossa vida cotidiana, conectada com os desenvolvimentos tecnológicos. As reações nacionalistas se reforçam nas camadas sociais que não se beneficiam – ou não se beneficiam o suficiente – do aumento do bem-estar médio das nossas economias.

Estamos assistindo a uma espécie de processo de irracionalização política do Ocidente? Há uma parte da esquerda que já se professa a favor de um populismo de esquerda como reação ao populismo de direita.
Como foi possível chegar a uma situação em que o populismo de direita subtrai da esquerda os seus próprios temas?
Antes de reagir de modo puramente tático, é preciso dissolver um enigma: como foi possível chegar a uma situação em que o populismo de direita subtrai da esquerda os seus próprios temas?


Qual deveria ser, então, a resposta de esquerda ao desafio da direita?

É preciso se perguntar por que os partidos de esquerda não querem assumir a liderança de uma luta determinada contra a desigualdade social, que se aproveite de formas de coordenação internacional capazes de domar os mercados não regulados. Na minha opinião, de fato, a única alternativa razoável tanto para o status quo do capitalismo financeiro selvagem quanto para o programa de recuperação de uma suposta soberania do Estado nacional, que, na realidade, já está desgastada há muito tempo, é uma cooperação supranacional capaz de dar uma forma política socialmente aceitável à globalização econômica. A União Europeia, uma vez, visava a isso – a União política europeia ainda pode fazê-lo.

Hoje, no entanto, o “perigo de contágio” do populismo no sistema partidário tradicional, em toda a Europa, parece ser ainda pior do que o populismo de direita.

O erro dos velhos partidos está em reconhecer o fronte que define o populismo de direita: ou seja, “nós” contra o sistema. Só uma marginalização temática poderia tirar a água do moinho do populismo de direita. Portanto, seria preciso tornar novamente reconhecíveis as oposições políticas, além da contraposição entre o cosmopolitismo de esquerda – “liberal” em sentido cultural e político – e o fedor etnonacionalista da crítica de direita à globalização. Em suma: a polarização política deveria se cristalizar novamente entre os velhos partidos em torno de oposições reais. Os partidos que reservam atenção ao populismo de direita, em vez de desprezá-lo, não podem esperar, depois, que a sociedade civil proíba slogans e violências de direita.
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