“Amor líquido” é o livro que decifra a nossa Era, a obra prima de
Zygmunt Bauman, sobre a instabilidade das relações pessoais e sociais no
século XXI. Tanto é verdade que um sucesso de vendas, escrito numa
linguagem pseudo-espírita, tem o sugestivo título de “Ninguém é de
ninguém”.
As pessoas não estão mais dispostas a aguentar as outras em nome de
tradições do passado que caíram em descrença. Além disso, a tecnologia
da informação tornou o mundo inteiro acessível a todos, ou seja, cada
pessoa tem outras 7 bilhões de possibilidades de interação, 2 bilhões
das quais já estão no Facebook.
Ao invés de investir nas relações e aprofundá-las, o caminho mais
fácil é trocar de relações e isso vale não só para casais, mas também
para amizades, relações profissionais, sociais, para tudo, enfim.
Outros autores já tinham detectado essa era de mudanças, “Tudo que é
sólido desmancha no ar”, de Marshall Berman, desmancha os modos
tradicionais de interpretação da realidade. Mas o profeta dessa Era é
Rollo May que em “A coragem de criar”, nos anos 70, já descrevia a
descrença das pessoas com os valores e comportamentos tradicionais, que
ninguém mais está disposto a seguir.
A questão é: se não queremos mais nos prender ao passado, em que chão
vamos pisar? Ou simplesmente vamos fluindo pela vida, de porto em
porto? Pois se um lado do ser humano nos impele à mudança, ao
crescimento constante, também há um lado de nossa humanidade que pede
raízes e estabilidade. Como compatibilizar esses dois lados de nossa
condição humana?
Outro que enfrentou o desafio de responder essa questão foi Carl
Rogers em “A Way of Being”, cujo capítulo final é sobre “a pessoa do
futuro”, cuja características incluem desde a busca espiritual até a
abertura a mudanças e a flexibilidade e a tolerância com as diferenças.
Pessoas que não fazem mais o que os outros acham que elas deveriam
fazer, mas o que elas acreditam, por convicção interior, que seja o seu
caminho.
A solidez dos relacionamentos, então, não pode ser encontrada nas
revistas que dão dicas sobre sedução para as relações amorosas, nem na
rigidez das normas morais que estabelecem limites impostos de fora.
Só serão sólidos, hoje, os amores baseados em valores íntimos e
pessoais livremente escolhidos, aos quais cada pessoa tem acesso no seu
autoconhecimento. Só é sólido o que se conecta livremente, seja por
afinidade ou por complementariedade. Seja no amor dos casais, no amor
fraterno das boas amizades, nas boas parcerias sociais ou de trabalho,
só é sólido o que é livre como o ar.
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Montserrat Martins,
Colunista do Portal EcoDebate, é médico psiquiatra, bacharel em
Ciências Jurídicas e Sociais e ex-presidente do IGS – Instituto Gaúcho
da Sustentabilidade
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 06/03/2017
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