Samuel Sabino*
O ser humano é uma criatura dotada de dignidade. Uma vez que ele se
torna consciente dela, faz de tudo para que esta se mantenha intacta. É
por isso que na última sexta-feira (17/03) houve uma comoção tão grande
de desconforto e revolta envolvendo a megaoperação da Polícia Federal,
nomeada como Carne Fraca.
O trabalho da polícia revelou e desmontou um esquema envolvendo
propina e funcionários do Ministério da Agricultura, que teriam liberado
carnes para venda sem passar pela devida fiscalização. O esquema também
envolveria funcionários de alguns frigoríficos, que possuiriam
irregularidades ligadas ao uso de produtos químicos para mascarar carnes
vencidas e de água para aumentar o peso dos produtos comercializados.
A possibilidade de que produtos adulterados, e acima de tudo
impróprios para consumo, terem ido parar na mesa da população deixou o
país em revolta e alerta, mesmo que ainda não haja explicações
detalhadas de todo o ocorrido. Ainda não houve pronunciamento oficial
envolvendo marcas que devem ser evitadas, porém, vários países pararam
as exportações temporariamente, indicando o mesmo medo dos brasileiros, o
de ter sua dignidade ferida através do consumo de um alimento que pode
ser prejudicial à saúde.
Independente das investigações, dadas às irregularidades como
possíveis fraudes, propinas e corrupção, denunciadas pela operação, o
que precisamos colocar em debate é a falta de ética praticada pelas
empresas e órgãos denunciados. Quando há irresponsabilidade ética nas
corporações, nasce uma conduta institucional irregular cujo resultado é a
perda da confiança, credibilidade, respeito, ou até mesmo comprometendo
a saúde e dignidade do cliente.
O modelo mental deste tipo de corporativo envolvido está ligado ao
que chamamos na filosofia de Maquiavélico Negativo. Nesse modelo o fim
último, ou seja, o propósito da organização, é o lucro e somente o lucro
– e não o bem estar de seus clientes. Isso era algo aparentemente
aceitável no século XX, mas vem mudando junto com diversas posturas e
novos paradigmas do século XXI.
Nem sempre a ferida na dignidade é notada, porém, quando a mídia
esclarece a população através da divulgação dos fatos, é possível notar
que não apenas leis foram quebradas, mas acima delas, a conduta moral
foi ignorada. Mesmo que haja grande competitividade no meio corporativo,
o ideal para as empresas seriam um pensamento a médio e a longo prazo
envolvendo as melhores práticas, isto é, a ética.
Não é o bastante que a lei seja atendida. O problema é moral, e não
apenas legal. Um exemplo disso é a escravidão. Na época em que ela foi
vigente, era legalizada. Entretanto, a moral continuava a ser quebrada,
considerando-se o ser humano sempre como fim último, pois é detentor de
dignidade. A lei só se modificou depois que o princípio moral atingiu um
nível de esclarecimento dentro da população de o quanto tais condutas
eram erradas.
Todos os envolvidos na “Carne Fraca” sabiam do ocorrido e tinham
consciência de que quebravam a lei, no entanto, isso prova que apenas
saber das leis não será impecílio para que a barbárie predomine no
comportamento humano. É preciso que haja investimento profissional no
nível de esclarecimento das questões éticas para a humanidade, é o que
chamamos de Inner Compliance.
Somente através da luz da ética sobre as práticas corporativas é que
será possível evitar situações como essa. A esfera da moral, que é
anterior à lei, é a que verdadeiramente precisa ser mudada. Apenas com a
real interiorização de valores éticos positivos que alcançaremos
mudanças em nossa cultura corporativa. O verdadeiro problema não está no
sintoma, a “Carne Podre”, está na moral distorcida de quem atua no dia a
dia das empresas que se deixam corromper em busca de benefícios em
curto prazo.
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* Samuel Sabino é professor na Escola de Gestão da Anhembi Morumbi,
filósofo e mestre em bioética. Ele é fundador da Éticas Consultoria e
ministra o curso de Inner Compliance, com foco em ética no meio
corporativo.
Imagem da Internet
Fonte: https://www.ecodebate.com.br/2017/03/27/carne-fraca-quando-falta-de-etica-agride-integridade-humana-artigo-de-samuel-sabino/
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